Folha de S. Paulo
Serviços de utilidade pública requerem uma
visão integrada e de longo prazo.
Na mais rica cidade do país, mais de 2
milhões de pessoas ficaram sem energia elétrica na semana passada. Desde 2018,
o fornecimento de eletricidade na cidade e em outros 23 municípios da região
metropolitana de São Paulo é feito pela Enel, empresa de economia mista
controlada pelo Estado italiano (23,8% do capital).
Apesar dos bilhões em investimentos
anunciados pela empresa desde 2020, a qualidade relativa do atendimento ficou
inalterada, de acordo com o ranking de continuidade de serviço da Aneel, cujo
rigor deixa muito a desejar. Ademais, gastos insuficientes com redução de
riscos e manutenção da rede de distribuição já levantavam dúvidas sobre a
capacidade de resposta a emergências.
Os cortes de 43% nos investimentos em manutenção no segundo trimestres de 2023 —e de 28%, em relação ao segundo trimestre de 2022— ajudaram a engordar os lucros da monopolista Enel na Grande São Paulo. Os valores de R$ 1,4 bilhão em 2022 e de R$ 900 milhões, no primeiro semestre deste ano, poderiam ter sido destinados, em parte, a enterrar a fiação aérea. Como o contrato de concessão não exige esse investimento, o dinheiro vai parar nos cofres do governo italiano.
Sem controle social sobre os investimentos da
empresa, é ofensiva a proposta do prefeito Ricardo Nunes de criar uma
"taxa voluntária" para os bairros que quiserem enterrar seus fios.
Por essa lógica neoliberal tacanha, os mais ricos serão protegidos enquanto os
mais pobres continuarão vivendo sob risco de novos apagões, mero desdobramento
do elitismo que marca a gestão do prefeito.
Premida pelas críticas, a empresa alegou —tragicomicamente— que a redução de 36% do quadro de funcionários desde 2019 não afetou
sua capacidade de resposta ao evento. Será? Mesmo que a Enel consiga triplicar
o pessoal colocado na rua para responder a uma emergência, a provável
dependência de mão de obra terceirizada revela a visão curto-prazista da
gestão. A alta rotatividade e a menor qualificação desses trabalhadores limita
a capacidade de avaliar e resolver problemas, como destacou ao UOL Eduardo Annunciato, presidente do
Sindicato dos Eletricitários de São Paulo.
Essa perda de memória técnica da empresa é um problema
crônico que afeta várias estatais privatizadas no setor; entre elas, a Eletrobras,
que, como reportou a Folha,
cortou quase metade do quadro de funcionários em preparação para a privatização
lesa-pátria e ilegal da empresa.
Serviços de utilidade pública requerem uma
visão integrada e de longo prazo. O foco no lucro adia —ou sacrifica— melhorias
no atendimento. Não à toa, há uma onda de reestatização desses serviços em
vários países.
Já se sabe que o neoliberalismo não cumpre
suas promessas ("Neoliberalism: oversold?", IMF, 2016). Desde a
década de 1990, a privatização do setor elétrico promete maior eficiência do
sistema, com menores custos e melhores serviços. O resultado foi um sistema
fragilizado e um manicômio regulatório, que passaram a entregar a energia
elétrica mais cara do mundo, se excluirmos os países afetados pela guerra entre
Rússia e Otan.
As falhas de coordenação do setor elétrico
vêm se avolumando e, com as mudanças climáticas, a frequência dos apagões tende
a aumentar. Sob a pressão de maximizar o lucro dos acionistas, os cortes em
investimentos e em quadro de pessoal implicam a socialização dos riscos e dos
custos das falhas, onerando mais o orçamento dos mais pobres —além de graves
acidentes de trabalho, muitos fatais.
Parece aconselhável apagar as luzes do
neoliberalismo antes que ele nos deixe no escuro permanentemente.
*Professor de economia da Unifesp e doutor em
economia do desenvolvimento pela FEA-USP
Excelente! As promessas dos neoliberais estão cada vez mais distantes das realidades trágicas em que eles nos colocaram! Promessas quase sempre vazias e MENTIROSAS, como as de Guedes no recente DESgoverno das trevas!
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