Valor Econômico
Absolvição de irmãos Joesley e Wesley Batista
pela CVM envia mensagem de leniência ao mercado
Na semana passada um amigo compartilhou um
meme em seus stories no Instagram. Um rapaz estava com um cachorro grande, da
raça golden retriever, num parque, quando uma garota se aproximou. “Moço, ele
morde?”, ela perguntou. “Relaxa, ele é bonzinho”, tranquilizou o dono. “Que
legal! E qual é o nome do cachorrão?”. “Compliance.”
No final de setembro, a Comissão Parlamentar de Inquérito aberta na Câmara dos Deputados para apurar a fraude de R$ 20 bilhões na Americanas S/A foi encerrada sem apurar a responsabilidade de executivos, do grupo de acionistas “referência” ou das empresas de auditoria externa. Nesta semana, um outro escândalo corporativo, bem mais antigo, viveu o seu capítulo final.
Em 17 de maio de 2017, por volta das 19h30, o
jornalista Lauro Jardim, de O Globo, publicou que o então presidente Michel
Temer havia sido gravado pelo empresário Joesley Batista pedindo, entre outras
coisas, que fosse mantido o esquema de pagamento de propina para o ex-deputado
Eduardo Cunha manter silêncio durante sua prisão no âmbito da Operação
Lava-Jato (“tem que manter isso aí, viu?”).
A ação controlada fazia parte das
investigações do “quadrilhão do PMDB”, peça-chave do acordo firmado entre os
executivos da JBS e a Procuradoria-Geral da República, que começou a ser
negociado em março de 2017.
No dia seguinte à notícia bombástica, como
esperado, o mercado financeiro derreteu diante de mais um capítulo da crise
política que sacudia o país desde 2014. Às 10h21, com a bolsa caindo 10,47%,
foi acionado o circuit breaker. O mercado de câmbio, que normalmente começaria
às 9h, só foi abrir por volta das 10h40, porque no mercado futuro os contratos
eram negociados a valores acima do limite prudencial estabelecido pela bolsa
para conter oscilações provocadas pelo pânico entre os operadores.
Ao final daquele que entrou para a história
como o Joesley Day, o dólar subiu 8,15% (maior variação diária desde que o real
passou a flutuar), o Ibovespa despencou 8,8% e as ações da JBS, ainda mais:
-9,68%.
No livro “Why Not: como os irmãos Joesley e
Wesley, da JBS, transformaram um açougue em Goiás na maior empresa do mundo,
corromperam centenas de políticos e quase saíram impunes”, a jornalista Raquel
Landim conta que três semanas antes do Joesley Day, depois de assinar o acordo
de delação premiada com o Ministério Público Federal, os executivos adquiriram
dólares e contratos futuros de câmbio na bolsa no total de US$ 2,74 bilhões.
Segundo apurou a área técnica da CVM, após as
15h30 do dia 17/05/2017, horas antes do vazamento do áudio de Joesley e quase
no fechamento do mercado, a JBS comprou US$ 750 milhões em contratos
derivativos cambiais de balcão. De acordo com o órgão que fiscaliza o mercado
de capitais brasileiro, a operação de hedge cambial da JBS, guiada pela
informação privilegiada, gerou um ganho potencial de R$ 520 milhões para a
empresa, R$ 64,7 milhões para a Eldorado Celulose e R$ 4,7 milhões para a Seara
Alimentos - todas da família dos delatores.
Também nas vésperas da divulgação do acordo,
a holding FB Participações havia vendido um significativo volume de ações da
JBS, que foram parcialmente recompradas pela própria empresa. Segundo apurou a
CVM, as operações teriam evitado um prejuízo de quase R$ 73 milhões à época
para o grupo, por meio de práticas ilegais de manipulação de preço e abuso de
poder de controle e de negociação de ações, por meio de informações
privilegiadas.
Numa outra frente, a área técnica da
autarquia também coletou indícios de que o superintendente de tesouraria do
Banco Original, depois de trocar e-mails e ligações com Joesley Batista,
realizou operações atípicas com contratos de derivativos de taxas de juros que
teriam rendido um lucro de R$ 55,7 milhões no Joesley Day.
As peripécias financeiras e criminais de
Joesley e Wesley foram alvo das operações Patmos, Tendão de Aquiles e Acerto de
Contas, e levaram à decretação da prisão preventiva dos irmãos Batista em 13 de
setembro de 2017. Depois de quase nove meses na prisão, ambos foram liberados a
voltar para casa, com o uso de tornozeleiras eletrônicas.
Além dos processos criminais, a CVM abriu
três processos administrativos para investigar as acusações de insider trading,
manipulação de mercado e uso de informações privilegiadas.
Após seis anos de tramitação, esses processos
foram concluídos na semana passada. Os casos tiveram a relatoria do diretor
Otto Albuquerque Lobo, advogado privado que está no cargo desde 2022, indicado
ainda no governo Bolsonaro.
Pela leitura dos votos proferidos, toda a
análise realizada pelos servidores da CVM - calcada na cronologia dos fatos, as
operações de mercado, as comunicações entre os executivos do grupo e avaliações
técnico-financeiras - foi desprezada pelo diretor do órgão em nome de
princípios gerais como a presunção de inocência e da boa-fé dos agentes de
mercado. O dirigente também acatou sem um pingo de dúvida quase todos os
argumentos da defesa de Joesley e Wesley.
Ao final, o colegiado da CVM acabou, em
maioria, absolvendo todos os executivos envolvidos, e aplicando multa simbólica
à JBS de R$ 500 mil.
A mensagem enviada pelo órgão que deveria ser
o xerife do mercado foi clara: “Relaxa, que a gente não morde; nós somos
bonzinhos”.
*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Sei.
ResponderExcluirIndecente...um absurdo! Parabéns.
ResponderExcluirMAM
E ainda faltou averiguar o papel do sistema Globo nisso. MAM
ResponderExcluirIsso, para não pensar que a tramoia arquitetada por Rodrigo Janot, traidor da pátria, arrebentou com Aécio e Temer, abrindo espaço para Bolsonaro ontem e Lula hoje.
ResponderExcluirMAM