segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Bruno Carazza* - O império da lei há de chegar ao coração do Pará

Valor Econômico

Poder de barganha do Brasil em negociações sobre o meio ambiente depende da forma como preservamos a Amazônia

Caetano Veloso compôs a canção “O Império da Lei” após assistir ao filme “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios”, drama dirigido por Beto Brant e Renato Ciasca, baseado no livro de mesmo nome pelo jornalista e roteirista Marçal Aquino.

A história se passa no interior do Pará, para onde um fotógrafo paulista se muda em busca de novas experiências. Como pano de fundo do romance, a região vive um surto econômico decorrente da perspectiva de liberação da mineração de ouro no rio que banha a cidade. Com o afluxo de moradores de toda parte, o comércio se expande, assim como as externalidades negativas do “progresso”: conflitos entre garimpeiros e indígenas, crimes violentos e uma epidemia de doenças sexualmente transmissíveis.

Em entrevista a “O Globo” quando lançou o disco, em 2012, Caetano diz ter se inspirado no assassinato da missionária Dorothy Stang, assassinada em Anapu (PA) após receber ameaças de madeireiros e grandes proprietários de terra por seu trabalho na Pastoral da Terra contra o desmatamento da Amazônia, em 2005 - mesmo ano de lançamento do livro de Marçal Aquino.

“Vendo o filme, fiquei muito emocionado e pensando nessa situação do interior do Pará, que a gente acompanha pela imprensa há muitos anos, com a sensação de que o império da lei ainda não pôs seus tentáculos ali de modo firme”, disse Caetano.

Na próxima quinta-feira, inicia-se em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, a 28ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, principal fórum multilateral sobre questões ambientais.

Com Lula, 12 ministros de Estado e mais de 2.400 técnicos do governo, parlamentares, membros de governos estaduais e municipais, empresários e representantes da sociedade civil, a delegação do Brasil terá forte presença na COP 28.

Anfitrião da edição que acontecerá daqui a dois anos, o governo brasileiro aposta nos bons números da queda do desmatamento na Amazônia e num pacote de medidas econômicas para acelerar o processo de transição energética para ampliar sua importância na agenda ambiental internacional.

Como cartão de visitas para a COP, o Tesouro Nacional lançou há duas semanas a primeira emissão de títulos sustentáveis no mercado. Conhecidos como green bonds, esses papéis são lastreados pelo compromisso de aplicar os recursos captados na conservação de recursos naturais e em ações de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. O resultado foi positivo: com vencimento em 2031, o governo levantou US$ 2 bilhões, a uma taxa de 6,5% ao ano - com spread de apenas 1,8 ponto percentual acima dos títulos do Tesouro americano.

A estratégia de lançar títulos públicos atrelados a iniciativas ambientais traz um parâmetro financeiro para as entregas concretas do governo brasileiro na área. À medida que apresentar resultados consistentes na redução do desmatamento e das emissões de gases de efeito estufa, o país terá condições de atrair recursos crescentes, a taxas cada vez menores.

A partir de agora, portanto, a reputação do governo na área ambiental será medida pelos resultados palpáveis, e não mais pela beleza de seus discursos nas reuniões internacionais. Caso suas palavras não se reflitam em menores emissões de CO2, os green bonds se desvalorizarão, com redução dos prazos médios e elevação de seus custos. Aliás, é o que temos observado na gestão da dívida pública total, desde que, há oito anos, perdemos a confiança dos investidores internacionais com sucessivos déficits fiscais.

Desde que venceu a eleição, Lula investe na construção de uma liderança entre os países emergentes nas negociações das COPs após o retrocesso da era Bolsonaro. Para isso, utiliza como trunfos os imensos ativos da biodiversidade brasileira. A tática só vai dar certo, porém, se tivermos resultados a apresentar.

Não são poucos os desafios. Embora a área desmatada na Amazônia de janeiro a outubro tenha sido reduzida em 49,6% em relação ao ano passado, graças ao reforço da fiscalização do Ibama, ainda assim foram quase 5 mil km2 de mata nativa devastados apenas neste ano. Para piorar a situação, no cerrado brasileiro, onde se concentra a força do agronegócio, o desmatamento subiu 34%, para mais de 6.800 km2 até o momento em 2023.

Para piorar a situação, o governo Lula enfrenta dilemas que confrontam a pauta ambiental e sua agenda desenvolvimentista, como a exploração de petróleo na Margem Equatorial, o asfaltamento da BR-319 e a construção da Ferrogrão, todas ações com potencial de afetar a Floresta Amazônica.

As escolhas do governo nessas questões estão sendo acompanhadas de perto pelas partes interessadas nas medidas de combate ao aquecimento global e agora também pelos investidores internacionais.

O cacife do país nos fóruns internacionais depende, portanto, do que acontecerá no país até a COP 30, em 2025, em Belém do Pará.

O Pará, aliás, é o Estado que apresenta os piores índices de desmatamento em 2023, segundo dados do Imazon: 31% da perda florestal na Amazônia brasileira aconteceu lá.

Se quiser ter protagonismo na agenda ambiental, o governo precisa, primeiro, fazer seu dever de casa e zerar o desmatamento. Para alcançar a credibilidade que ambiciona ao sediar a COP 30, o império da lei precisa chegar ao coração do Pará, como diz a canção de Caetano.

*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”. 

 

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