Revista Veja
O país precisa de uma campanha para a
educação como a da vacina
A característica mais visível do Brasil é a desigualdade como a população tem acesso aos benefícios econômicos e sociais — renda, moradia, serviços urbanos, saúde, educação e alimentação. Nossa cara é a concentração, não a distribuição. Única característica universal é a vacinação contra os vírus que contaminam sem respeitar fronteiras de classes: para proteger a parcela rica foi preciso vacinar a parcela pobre. Em 1973, ainda no governo militar, o Brasil criou o Programa Nacional de Imunizações. Em 1986, iniciou o sistema de vacinação simbolizado pelo personagem Zé Gotinha, com a estratégia de vacinar as crianças de todas classes sociais no mesmo dia em todo o território nacional. Começava não apenas uma campanha de vacinação, mas uma filosofia e um instinto nacional para vencer a poliomielite e outras doenças transmissíveis. O país venceu a batalha graças ao envolvimento de todos os partidos, meios de comunicação, cientistas, pais e mães, todos irmanados usando a capacidade logística de transporte terrestre, aéreo e marítimo em uma mesma luta, com um propósito comum.
Este compromisso, contudo, não existe em
relação aos problemas que atingem apenas a população pobre. Não fizemos esforço
pela educação de qualidade para todos, porque imagina-se que a deseducação não
é transmissível. Os educados não seriam contaminados pelo abandono educacional
dos outros. Isso impediu, até aqui, uma campanha nacional pela educação
universal, nos moldes da vacinação. Não há um instinto nacional que convoque
todos os brasileiros para alfabetizar 10 milhões de adultos que não sabem ler,
e para assegurar a conclusão do ensino médio com qualidade para todas as
crianças e jovens do Brasil, independente da renda e do endereço da família.
“Não há um instinto nacional que convoque 10
milhões de adultos que não sabem ler”
Essa ilusão de imunidade ignora que a
deseducação contamina, provoca baixa produtividade, limita a renda nacional,
causa desigualdade e pobreza, afeta a qualidade de vida, gera ineficiência nos
serviços e nas indústrias, onde os profissionais de nível superior não
conseguem dialogar tecnicamente com seus auxiliares. Em ambiente deseducado,
ninguém se beneficia plenamente de sua própria educação.
O Brasil inteiro precisa entender que não
basta educar alguns em universidades e deixá-los contaminados pela deseducação
em geral, definir estratégia para superar a contaminação deseducativa, promover
consciência nacional pela educação, como se conseguiu para a imunização
sanitária; impregnar em cada brasileiro o valor da escolaridade de cada
brasileiro como uma necessidade do país inteiro, não apenas de cada pessoa.
Precisamos, inclusive, de um movimento alimentado também por campanhas de
divulgação. Foram publicitários, especialmente Washington Olivetto, que criaram
no Brasil a mania de “Mexa-se”, levando os brasileiros a descobrir a
importância da ginástica e o valor das academias. Está na hora de eles criarem
um mexa-se para promover a importância da educação e o valor das escolas.
O presidente da República precisa convidar
nossos publicitários para juntos superarmos a ilusão de que deseducação não
contamina os educados. Que tal desenharem um Zé Letrinha que seja símbolo da
aglutinação nacional pela alfabetização? Uma figura que ajude os brasileiros a
concluir o ensino médio com o mais alto padrão de qualidade, independente da
renda e do endereço.
Publicado em VEJA de 24 de novembro de 2023, edição nº 2869
Como sempre, perfeito! E parece tão óbvio!
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