O Globo
Na segunda-feira, os repórteres André
Shalders e Tácio Lorran revelaram que Luciane Barbosa Farias, mulher do
traficante Tio Patinhas, do Comando Vermelho, esteve duas vezes no Ministério
da Justiça reunindo-se com servidores. Horas depois, o ministro Flávio Dino correu
a explicar-se:
— Nunca recebi, em audiência no Ministério da
Justiça, líder de facção criminosa ou esposa.
Ninguém havia dito que Dino havia recebido “a
dama do tráfico amazonense”, condenada a dez anos de prisão.
Quem recebeu a Madame Tio Patinhas foram o secretário de Assuntos Legislativos do ministério, o secretário nacional de Políticas Penais, o diretor de inteligência penitenciária e a ouvidora nacional de serviços penais. Em todos os casos, a senhora acompanhava um grupo recomendado por uma ex-deputada estadual fluminense que é vice-presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da Associação Nacional da Advocacia Criminal do Rio de Janeiro (Anacrim-RJ).
Pela fala do ministro, receber no ministério
uma senhora condenada, casada com um traficante também condenado a 31 anos de
prisão, foi coisa dos subordinados. Segundo um dos responsáveis, a entrada do
grupo atendeu à ex-deputada estadual. Tratava-se de discutir casos de jovens
assassinados.
A reação de Dino e de seus servidores foi
típica das organizações fracassadas. Seja qual for o problema, a
responsabilidade não é minha, pois é dele, e assim sucessivamente, até que o
assunto seja esquecido.
A anomalia só foi discutida, e corrigida no
mesmo dia, porque o caso foi divulgado. Afinal, as visitas ocorreram há meses,
sem registro da presença de Madame Tio Patinhas no grupo. Se os dois repórteres
estivessem cuidando das virtudes das GLOs do Rio, a ex-deputada teria mostrado
seu prestígio, a Anacrim-RJ teria exibido sua importância, e Madame Tio
Patinhas teria documentado seu trânsito.
O episódio mostrou que se entrava no
Ministério da Justiça e nos seus ilustres gabinetes sem qualquer checagem.
Seria absurdo checar? Vale lembrar que os cidadãos comuns passam horas em voos
internacionais, e seus passaportes são checados pela Polícia Federal.
Outro dia o ministro Flávio Dino festejou o
decreto de Garantia da Lei e da Ordem parcial que usa efetivos das Forças
Armadas para fiscalizar as entradas no Rio de Janeiro. Iria bem pedir a um
pelotão que verificasse a porosidade de seu ministério. Seria uma GLO de alto
nível.
Dino explicou que diversos sistemas de
informação relacionados com a segurança pública não se falam. Há algum tempo,
os sistemas do Ministério da Justiça também não se falavam. Isso não acontece
porque a inteligência artificial seja coisa complexa, mas porque a esperteza
natural é simples: o negócio é vender equipamentos e os subsequentes serviços
de manutenção. Se padronizar, acabam as boquinhas.
Madame Tio Patinhas circulou pelo Ministério
da Justiça pelo mesmo motivo que milicianos e traficantes são libertados. Às
vezes isso acontece porque se pode jogar a culpa nos sistemas. Quando esse
golpe não funciona, um desembargador baiano entra num plantão e solta o Dadá do
Bonde do Maluco. A denúncia desse absurdo partiu do ministério de Dino, e em
poucos dias o Conselho Nacional de Justiça afastou o magistrado. Não se passou
adiante a responsabilidade.
Pois é.
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