quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Fernando Exman - O velho jeito de Lula gerar debates no governo

Valor Econômico

Executivo tenta reduzir os danos colaterais da declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Todo mundo sabia, em Brasília e no mercado, que o debate sobre a revisão da meta fiscal de 2024 ocorreria em algum momento. “Uma coisa é a meta, outra é o resultado”, diziam fontes oficiais e agentes do setor financeiro, referindo-se ao ambicioso objetivo de zerar o déficit no ano que vem. Esperava-se, contudo, um movimento mais organizado por parte do governo. E que a discussão fosse conduzida de forma a assegurar a credibilidade da política fiscal.

Mas até agora o Executivo tenta reduzir os danos colaterais da declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: “Nós dificilmente chegaremos à meta zero, até porque eu não quero fazer cortes em investimentos e obras. A gente não precisa disso [meta fiscal zero]”, disse Lula no dia 27 de outubro, em café com jornalistas no Palácio do Planalto. “Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo um corte de bilhões nas obras. Se o Brasil tiver o déficit de 0,5% o que é? 0,25% o que é? Nada. Vamos tomar a decisão correta e nós vamos fazer aquilo que vai ser melhor para o Brasil”, completou.

Como era de se esperar, a fala caiu como um torpedo no Ministério da Fazenda. E abriu caminho para que surgissem forças antagônicas no debate.

Algo parecido aconteceu em 2005. Vivia-se a crise política do mensalão. E no front econômico, os ministérios da Fazenda e do Planejamento formulavam um novo regime fiscal cujo principal alicerce era zerar o déficit nominal das contas do setor público em um prazo de cinco a dez anos. Obtido o almejado equilíbrio fiscal, argumentavam os defensores do plano, seria possível reduzir os juros reais para um patamar parecido com o que se via no restante do mundo, algo em torno de 2% a 3% ao ano.

A equipe econômica começava a reunir apoio no Congresso e no meio empresarial. A abordagem agradava esses interlocutores por também visar a redução de gastos, até que a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, desautorizou a discussão.

No dia 9 de novembro daquele ano, Dilma afirmou em uma impactante entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo” que a proposta da equipe econômica era “rudimentar”. E mais: defendeu a expansão dos gastos.

Sob a ótica de Dilma, a discussão nem ao menos estava “posta” no governo. “O que foi apresentado foi bastante rudimentar, nós não consideramos que essa discussão teve início e transitou no governo.”

A chefe da Casa Civil afirmava que a ideia sequer estava em andamento e tampouco havia sido levada ao conhecimento do presidente. “O fato de eu e mais três ministros tomarem conhecimento não significa que existe discussão. Não existe uma proposta concreta. Eu acho que nem existe a colocação de um conceito de ajuste fiscal no Brasil”, sublinhou.

Para desespero de seus colegas de Esplanada, ela completou: “Despesa é vida. Ou você proíbe o povo de nascer, de morrer, de comer ou de adoecer, ou vai ter despesas correntes.”

Ninguém do governo contestou Dilma publicamente. Embora ela tenha afirmado que a ideia não havia sido encaminhada a Lula, compreendeu-se que a ministra cumpria, na verdade, uma missão que vinha diretamente do gabinete presidencial. Ganhava força a ala do Executivo que via na ampliação dos gastos uma forma de enfrentar a crise política, viabilizando, inclusive, a reeleição do presidente no ano seguinte.

Saindo do túnel do tempo, desde a declaração de Lula sobre a meta fiscal de 2024 auxiliares do presidente têm diferentes interpretações sobre o contexto do episódio.

Um deles diz que a afirmação ocorreu no fim do encontro com jornalistas, quando o presidente já estaria “de guarda baixa”. Outro ministro acrescenta que era aniversário de Lula, e por isso seria preciso relevar eventual excesso ou imprecisão.

Um terceiro integrante do alto escalão do governo, amigo antigo de Lula, duvida. Segundo ele, a declaração é típica do processo decisório do presidente. Esse petista lembra que o chefe gosta de colocar ministros e assessores em lados opostos, fomenta o debate público de ideias antagônicas para, só depois de testá-las, tomar uma decisão. “Ele sempre fez assim.”

Diante da confusão, um ministro do PT chegou a fazer troça. “O Haddad está certo em falar e puxar a corda. Se ele fala que o déficit vai ser zero, o déficit pode ser de R$ 30 bilhões. Mas, se ele disser que o déficit será de R$ 30 bilhões, ele será de R$ 60 bilhões. O Lula também está certo em falar que não pode deixar de investir. O ano que vem é o primeiro teste eleitoral desse governo e precisa haver entregas”, argumentou. “Só espero que eles tenham combinado direitinho isso.”

Não parece. Nas últimas horas, cresce o envolvimento dos ministros em torno desse assunto. Uma ala mais discreta argumenta nos bastidores que o sucesso de Haddad será determinante para a manutenção, a longo prazo, da credibilidade do governo perante o setor privado.

Outra parte do governo cobra, com cada vez menos timidez, uma flexibilização imediata da meta. Está preocupada com as eleições municipais do ano que vem. Ambos os grupos sabem que Lula está observando e pode tomar uma decisão a qualquer momento.

 

 

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