Valor Econômico
Executivo tenta reduzir os danos colaterais
da declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Todo mundo sabia, em Brasília e no mercado,
que o debate sobre a revisão da meta fiscal de 2024 ocorreria em algum momento.
“Uma coisa é a meta, outra é o resultado”, diziam fontes oficiais e agentes do
setor financeiro, referindo-se ao ambicioso objetivo de zerar o déficit no ano
que vem. Esperava-se, contudo, um movimento mais organizado por parte do
governo. E que a discussão fosse conduzida de forma a assegurar a credibilidade
da política fiscal.
Mas até agora o Executivo tenta reduzir os danos colaterais da declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: “Nós dificilmente chegaremos à meta zero, até porque eu não quero fazer cortes em investimentos e obras. A gente não precisa disso [meta fiscal zero]”, disse Lula no dia 27 de outubro, em café com jornalistas no Palácio do Planalto. “Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo um corte de bilhões nas obras. Se o Brasil tiver o déficit de 0,5% o que é? 0,25% o que é? Nada. Vamos tomar a decisão correta e nós vamos fazer aquilo que vai ser melhor para o Brasil”, completou.
Como era de se esperar, a fala caiu como um
torpedo no Ministério da Fazenda. E abriu caminho para que surgissem forças
antagônicas no debate.
Algo parecido aconteceu em 2005. Vivia-se a
crise política do mensalão. E no front econômico, os ministérios da Fazenda e
do Planejamento formulavam um novo regime fiscal cujo principal alicerce era
zerar o déficit nominal das contas do setor público em um prazo de cinco a dez
anos. Obtido o almejado equilíbrio fiscal, argumentavam os defensores do plano,
seria possível reduzir os juros reais para um patamar parecido com o que se via
no restante do mundo, algo em torno de 2% a 3% ao ano.
A equipe econômica começava a reunir apoio no
Congresso e no meio empresarial. A abordagem agradava esses interlocutores por
também visar a redução de gastos, até que a então ministra da Casa Civil, Dilma
Rousseff, desautorizou a discussão.
No dia 9 de novembro daquele ano, Dilma
afirmou em uma impactante entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo” que a
proposta da equipe econômica era “rudimentar”. E mais: defendeu a expansão dos
gastos.
Sob a ótica de Dilma, a discussão nem ao
menos estava “posta” no governo. “O que foi apresentado foi bastante
rudimentar, nós não consideramos que essa discussão teve início e transitou no
governo.”
A chefe da Casa Civil afirmava que a ideia
sequer estava em andamento e tampouco havia sido levada ao conhecimento do
presidente. “O fato de eu e mais três ministros tomarem conhecimento não
significa que existe discussão. Não existe uma proposta concreta. Eu acho que
nem existe a colocação de um conceito de ajuste fiscal no Brasil”, sublinhou.
Para desespero de seus colegas de Esplanada,
ela completou: “Despesa é vida. Ou você proíbe o povo de nascer, de morrer, de
comer ou de adoecer, ou vai ter despesas correntes.”
Ninguém do governo contestou Dilma
publicamente. Embora ela tenha afirmado que a ideia não havia sido encaminhada
a Lula, compreendeu-se que a ministra cumpria, na verdade, uma missão que vinha
diretamente do gabinete presidencial. Ganhava força a ala do Executivo que via
na ampliação dos gastos uma forma de enfrentar a crise política, viabilizando,
inclusive, a reeleição do presidente no ano seguinte.
Saindo do túnel do tempo, desde a declaração
de Lula sobre a meta fiscal de 2024 auxiliares do presidente têm diferentes
interpretações sobre o contexto do episódio.
Um deles diz que a afirmação ocorreu no fim
do encontro com jornalistas, quando o presidente já estaria “de guarda baixa”.
Outro ministro acrescenta que era aniversário de Lula, e por isso seria preciso
relevar eventual excesso ou imprecisão.
Um terceiro integrante do alto escalão do
governo, amigo antigo de Lula, duvida. Segundo ele, a declaração é típica do
processo decisório do presidente. Esse petista lembra que o chefe gosta de
colocar ministros e assessores em lados opostos, fomenta o debate público de
ideias antagônicas para, só depois de testá-las, tomar uma decisão. “Ele sempre
fez assim.”
Diante da confusão, um ministro do PT chegou
a fazer troça. “O Haddad está certo em falar e puxar a corda. Se ele fala que o
déficit vai ser zero, o déficit pode ser de R$ 30 bilhões. Mas, se ele disser
que o déficit será de R$ 30 bilhões, ele será de R$ 60 bilhões. O Lula também
está certo em falar que não pode deixar de investir. O ano que vem é o primeiro
teste eleitoral desse governo e precisa haver entregas”, argumentou. “Só espero
que eles tenham combinado direitinho isso.”
Não parece. Nas últimas horas, cresce o
envolvimento dos ministros em torno desse assunto. Uma ala mais discreta
argumenta nos bastidores que o sucesso de Haddad será determinante para a
manutenção, a longo prazo, da credibilidade do governo perante o setor privado.
Outra parte do governo cobra, com cada vez
menos timidez, uma flexibilização imediata da meta. Está preocupada com as
eleições municipais do ano que vem. Ambos os grupos sabem que Lula está
observando e pode tomar uma decisão a qualquer momento.
Sei.
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