Folha de S. Paulo
Alocação de verbas federais por emendas
parlamentares gera crueldades
Embora as pessoas adorem gritar nas redes
sociais, na política real são as mudanças silenciosas que acabam se mostrando
mais decisivas. Um exemplo é o advento de emendas
parlamentares de execução obrigatória, que vão abrangendo
fatias cada vez maiores das verbas orçamentárias livres para investimentos. Já
comentei aqui como esse fenômeno reduziu os poderes da Presidência. Hoje quero
analisá-lo do ponto de vista dos eleitores.
A "emendização" tomou proporções tais que o caminho mais fácil para comunidades terem acesso a verbas federais é encontrar um deputado ou senador para apadrinhar a causa. O sistema até que funciona para as populações que conseguem eleger um representante. Só que nem todas obtêm sucesso nisso. Se olharmos para o mapa do Brasil, encontraremos extensas áreas de deserto parlamentar, isto é, de municípios e regiões que não contam com um patrono federal.
E o efeito disso, como
vêm mostrando reportagens da Folha, é dos mais cruéis. Há
cidades do Nordeste em que sobram cisternas, caminhões-pipa e outras
tecnologias contra a seca, enquanto, a poucos quilômetros dali, em localidades
desassistidas por legisladores, a população
precisa às vezes percorrer longas distâncias para conseguir um balde de água.
A expressão "indústria da seca",
que vinha fazendo aparições cada vez mais raras no vocabulário político
nacional, voltou a fazer sentido. E isso não vale só para o Nordeste nem só
para itens relacionados à água. Asfaltamento, obras em geral, equipamentos para
a saúde, educação, hoje quase tudo passa por emendas.
O problema da distribuição determinada por
legisladores é que o gasto sai pulverizado e perde eficácia em termos de
prioridades. Raramente quem precisa mais recebe antes. Quando candidato, Lula até
ensaiou uma rebelião contra certas modalidades de emenda, mas, depois que
chegou ao poder, preferiu evitar choques com o centrão. Coisas da política.
Coisas da política,é isto aí.
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