sábado, 4 de novembro de 2023

Hélio Schwartsman - O mundo é um lugar perigoso

Folha de S. Paulo

Imprensa deve ser cuidadosa ao divulgar material problemático, mas não pode se tornar censora

Em sua coluna do domingo passado, o ombudsman José Henrique Mariante fez algumas reflexões interessantes sobre imagens e não imagens que são utilizadas como propaganda de guerra e como a imprensa deve lidar com isso. O terreno é dos mais pantanosos. O jornalismo precisa equilibrar-se entre objetivos muitas vezes contraditórios. Um exemplo? A imprensa não pode deixar de veicular informações relevantes que tenha conseguido confirmar, por mais chocantes que sejam, mas deve tomar muito cuidado para não se deixar manipular, servindo de megafone para agentes políticos interessados em promover agenda própria.

É relativamente fácil descrever os princípios que estão em jogo e bem mais difícil resolver os casos concretos que surgem no dia a dia. Um vídeo-manifesto de teor moralmente questionável (racista ou terrorista) cujas imagens sejam autênticas deve ser disponibilizado na íntegra ou sofrer edições para eliminar seu caráter apologético?

Não tenho uma solução pronta para essas questões, mas tenho algumas ideias. Uma coisa que os jornalistas não têm é mandato divino para decidir o que é certo e o que é errado. Quando eu assino um veículo, estou comprando uma curadoria, isto é, delego aos editores a cada vez mais árdua tarefa de selecionar o que é importante e de organizar esse material. Mas não dou a eles o direito de determinar o que eu posso ou não posso ver. Se o jornalista teve condições de assistir a um vídeo altamente problemático e chegar às conclusões moralmente corretas, não há nenhum motivo para achar que o leitor não possa fazer o mesmo.

Até o mais infame dos livros, o "Minha Luta", de Adolf Hitler, embora não deva ser distribuído nas escolas e estações de metrô, também não pode desaparecer das bibliotecas e outros registros públicos, porque fazê-lo configuraria censura à história e bloquearia pesquisas perfeitamente legítimas.

O mundo é um lugar perigoso.

 

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