terça-feira, 28 de novembro de 2023

Joel Pinheiro da Fonseca - A desoneração na folha é uma péssima medida

Folha de S. Paulo

Lula acerta no imposto e erra na outra ponta da equação fiscal, o gasto

A desoneração da folha de pagamentos era uma política ruim quando foi criada por Dilma, continuou ruim sob Temer e Bolsonaro e segue ruim agora. Lula está correto em vetar sua prorrogação.

A política foi criada em 2011, ainda no governo Dilma, e chegou a beneficiar 56 setores. Hoje, depois de cortes sucessivos, sobraram 17 beneficiados, cujo desconto (eles pagam uma pequena taxa sobre a receita em vez dos 20% de contribuição previdenciária sobre os salários) custa cerca de R$ 9 bilhões anuais aos cofres públicos.

A lista dos 17 pode servir de ilustração no dicionário do conceito de "arbitrariedade". Proteína animal tem desoneração. Pães e massas, não. Transporte coletivo rodoviário tem. Aéreo, marítimo ou fluvial, não. Na prática, quem soube fazer seu lobby direitinho levou; quem não soube ficou sem. E são representantes desses lobbies que têm tomado a imprensa nas últimas semanas. Juram que, caso a desoneração não seja prorrogada, virão uma catástrofe econômica e demissões em massa.

Todo mundo tem o direito de defender seu interesse, mas vamos deixar claro que é daí que vêm as previsões catastrofistas. Pesquisadores têm se debruçado sobre o impacto da política de desoneração nos últimos anos e chegam a outra conclusão.

A medida foi criada originalmente como um incentivo para que as empresas beneficiadas contratassem mais mão de obra, reduzindo assim o desemprego. É razoavelmente intuitivo: se você baratear a contratação de mão de obra, a empresa tenderá a contratar mais.

Mas mesmo esse benefício simples e intuitivo não veio. É o que mostra um estudo do Ipea deste ano: "Enquanto empresas privadas de outros setores expandiram em 6,3% seus empregos com carteira (+1,7 milhão) entre 2012 e 2022, os desonerados encolheram os seus em 13% (-960 mil)". (Marcos Hecksher, "Os Setores que Mais (des)Empregam do Brasil", Ipea, 2023.)

A política não cumpriu o que prometeu. Foi por isso que Dilma se arrependeu dela anos depois. Só que, além de não entregar o prometido, ela distorce a economia. Com tratamento especial a alguns setores, investimentos deixam de ir para onde eles seriam mais eficientes em atender à demanda da sociedade e são destinados para onde eles conseguem um tratamento tributário mais benéfico. Ou seja, temos perda de produtividade.

O governo está desesperado para reduzir o rombo, e para isso está fechando todas as exceções tributárias; a desoneração na folha é uma delas. Ao fazer isso, deixa claro aquilo que já sabíamos: a carga tributária brasileira é gigante e prejudica o crescimento econômico e a geração de empregos. A verdade dói, mas o analgésico da desoneração está nos matando em silêncio.

Tudo o que a desoneração faz, do ponto de vista fiscal, é aumentar o déficit das contas públicas, que pesa sobre todos nós. Isso é o que os lobistas não dizem: a conta dos R$ 9 bilhões é paga por alguém, ou seja, por todos os que estão fora da lista dos 17.

O governo Lula está mais do que certo em vetar a prorrogação de um privilégio de poucos que distorce a economia e piora as contas públicas. Onde ele precisa ser criticado é na outra ponta da equação fiscal: o gasto, que só aumenta.

A redução de impostos só será possível quando o governo reduzir gastos. Quando —e se— isso acontecer, ela terá que ser para todos, não para quem fizer o melhor lobby. Só assim teremos uma economia mais livre e eficiente. Liberais no Congresso: não nos decepcionem.

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