Valor Econômico
Novo arcabouço fiscal pode ser desmoralizado
logo na estreia
Antes mesmo de o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva colocar em xeque a estratégia econômica do seu próprio governo, ao
afirmar que o resultado fiscal de 2024 não precisa ser zero, era de apreensão o
clima nos bastidores do Ministério da Fazenda. No jovem time do ministro
Fernando Haddad, a habitualmente alta disposição para enfrentar desafios já
vinha cedendo lugar para o reconhecimento das grandes dificuldades que há pela
frente. A declaração de Lula foi a cereja amarga do bolo.
“Depois de tudo o que aconteceu, a Selic recuou um ponto. Um ponto!”, comentou um integrante do Ministério da Fazenda um dia antes da fala do presidente. A taxa, completou, segue muito alta. Está em 12,75%, ante 13,75% em janeiro. É um fator que estressa a vida de pessoas e empresas. “As pessoas acham que está tudo bem, mas não está”, avaliou.
Pelo roteiro traçado por Haddad no início do
ano, era para o ambiente econômico estar mais desanuviado a essa altura do
campeonato. Aprovado o novo arcabouço fiscal e retomada a capacidade do governo
de desempatar, a seu favor, as disputas com contribuintes no Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), esperava-se que as dúvidas sobre a
política fiscal estivessem dissipadas e o Brasil, visto como um país que entrou
novamente nos eixos.
Não foi o que aconteceu. Depois de um fim de
primeiro semestre bem-sucedido, o clima continuou azedo.
O início do segundo semestre confirmou o
cenário ruim. A arrecadação federal iniciou uma sequência de quedas. Em termos
reais, os recuos em relação a igual mês de 2022 foram de 13,73%, em junho,
4,20% em julho, 4,14% em agosto e 0,34% em setembro.
Até a semana passada, os dados preliminares
de outubro não eram alentadores. No entanto, é um quadro que pode ter mudado
ontem, último dia do mês.
Mais grave ainda foi a piora no cenário
externo. A subida dos juros nos EUA e a perspectiva de sua manutenção em nível
elevado por mais tempo do que o esperado (meados de 2024) trazem dois grandes
problemas para o país.
O primeiro é na atração de investimentos. O
Brasil, com seu sistema tributário caótico e sua estabilidade macroeconômica
ainda por se consolidar, não consegue competir com os Estados Unidos na
preferência dos gestores de fundos internacionais.
O segundo foi apontado pelo secretário de
Política Econômica, Guilherme Mello, em entrevista ao Valor. Se os juros
nos Estados Unidos forem mantidos em nível elevado, isso atuará como um
limitador para a queda das taxas no Brasil. Há risco de atividade econômica
ficar mais limitada.
Na visão de integrante da equipe econômica, o
Banco Central “está doido” para desacelerar os cortes nas taxas de juros. Na
sua visão, a dificuldade do governo em avançar com propostas no Congresso
Nacional pode dar o pretexto que falta.
Na mais recente ata do Comitê de Política
monetária (Copom), é ressaltada a importância de o governo implementar a agenda
de ajuste fiscal que ele próprio propôs.
Nas contas da equipe econômica, diferença
entre chegar ou não o déficit zero em 2024 está na Medida Provisória (MP)
1.185/2023, a que trata do impacto de subvenções estaduais na base de cálculo
de tributos federais. A proposta enfrenta resistência das bancadas regionais e
das grandes empresas, que temem a elevação de sua carga tributária.
Importante parceiro de Haddad na aprovação de
propostas econômicas ao longo deste ano, o presidente da Câmara dos Deputados,
Arthur Lira, (PP-AL) tem dito que, para destravar a tramitação dessa proposta,
é preciso convencer os congressistas de seu mérito.
Ao lado de Lula, o ministro reuniu-se ontem
com deputados para discutir essa e outras medidas que têm por objetivo elevar
as receitas.
Tudo somado, o atingimento do déficit zero em
2024 já parecia, antes mesmo da fala de Lula, mais difícil do que quando a meta
foi traçada. O terreno para o seu descumprimento estava em preparação. Por
exemplo: em entrevista ao Valor no início de outubro, o secretário do
Tesouro Nacional, Rogério Ceron, disse que a meta zero era o objetivo - mas o
resultado poderia ser diferente.
Na prática, a fala de Lula mudou a meta para
um déficit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano que vem. A questão é
se e quando isso será formalizado.
Presente à reunião com Lula e Haddad, o
deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) disse aos repórteres Marcelo Ribeiro e Raphael Di
Cunto, deste jornal, que a mudança da meta parece estar decidida. Serviria para
acomodar as frustrações pelo lado das receitas. No entanto, haveria um
compromisso de não expandir despesas.
Descumprir a meta em 2024 implica uma
“punição” ao governo. Segundo as regras do arcabouço, as despesas de 2025 só
poderão avançar ao ritmo de 50% do aumento das receitas em caso de
descumprimento, e não 70%, como é o padrão. Não se trata de cortar despesas, e
sim de conter o aumento delas.
Ainda assim, o governo caminha para fazer um
“gol de mão” e driblar essa regra, num episódio que lembra os inúmeros “furos”
no teto de gastos. O novo arcabouço fiscal pode ser desmoralizado logo na
estreia.
Pois é.
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