Valor Econômico
Agenda da sustentabilidade não pode ser mais
uma oportunidade perdida pelo Brasil
Brasil e Estados Unidos deveriam negociar
acordos de cadeias de fornecimento, disse a esta coluna o CEO da Amcham, Abrão
Neto. Ainda não há decisão a respeito. No entanto, ele considera que essa seria
a melhor forma de produzir resultados práticos a partir dos interesses comuns
aos dois países em áreas como segurança alimentar, preservação ambiental e
transição energética.
Além disso, os acordos facilitariam a empresas brasileiras ter acesso aos fartos recursos que a administração do presidente dos EUA, Joe Biden, colocou em suas políticas industriais. Em dez anos, serão investidos mais de US$ 1 trilhão, o que fortalecerá a produção norte-americana e elevará a demanda por novos fornecedores.
O Brasil poderia aproveitar essa oportunidade
para vender aos Estados Unidos produtos com valor agregado, como
biocombustíveis e equipamentos médicos, exemplificou.
Os acordos de cadeias de fornecimento
(“supply chain”) são diferentes de acordos comerciais. Podem ser memorandos de
entendimento entre os ministérios das áreas de interesse. Seu principal
objetivo é atuar como uma plataforma de coordenação entre governos na
identificação de projetos de investimento e geração de oportunidades para os
setores privados.
No caso de Brasil e Estados Unidos, um
exemplo óbvio é o das energias renováveis. Grande produtor de biocombustíveis,
potencial fabricante de combustível renovável para aviação, o SAF (sigla em
inglês para Sustainable Aviation Fuel), e de hidrogênio verde, o Brasil tem
muito a oferecer aos países que precisam descarbonizar suas economias, explicou
Abrão. Também há potencial em produtos médicos, baterias e minerais críticos,
entre outros.
Os Estados Unidos já fecharam acordos de cadeia de fornecedores com outros parceiros e até grupos de países. Semicondutores são objeto de parcerias com México, Canadá, Coreia do Sul e Índia, por exemplo. No caso do Japão, o acordo envolve minerais críticos, baterias e automóveis. Foi celebrado também um acordo com 14 países do Indo-Pacífico, em setores a serem definidos.
O Brasil busca se credenciar para acordos
semelhantes. A convergência de interesses dos dois países foi confirmada
durante o Diálogo Comercial Brasil-Estados Unidos, realizado nesta semana em
Brasília.
Uma oportunidade para anunciar um eventual
acordo de cadeias de fornecimento seria a reunião do Fórum de CEOs
Brasil-Estados Unidos, que deverá ocorrer no dia 15 de dezembro em Brasília,
comentou Abrão. É aguardada a vinda da secretária de Comércio, Gina Raimondo.
Trata-se de uma das vozes mais ativas no governo americano nas áreas de cadeias
energéticas e reindustrialização.
Na imensa lição de casa que o país precisa
fazer está a criação de marcos regulatórios. Tramitam no Congresso Nacional
propostas para regular hidrogênio verde, créditos de carbono, usinas eólicas
offshore e o “combustível do futuro”, o SAF. São pontos de partida importantes,
atesta Abrão.
É possível que esses projetos sejam votados
ainda neste ano, segundo informou o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur
Lira (PP-AL). Ontem, ele reuniu um grupo de jornalistas para divulgar um
projeto de lei do deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) que cria o Programa de
Aceleração da Transição Energética (Paten), com formas de financiamento para
projetos na área.
Na avaliação de Lira, a falta de recursos é o
problema em comum de todos os marcos regulatórios no campo da sustentabilidade
em discussão na casa. Estados Unidos e União Europeia prometem aportar o
equivalente a R$ 4,3 trilhões na transição energética. O Brasil não tem como
competir, avaliou.
O projeto cria o Fundo Verde, a ser formado
com créditos detidos por empresas contra a União. Esse fundo, administrado pelo
Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), daria aval a empréstimos
destinados a projetos de desenvolvimento sustentável. A expectativa, disse
Lira, é que tenha algo como R$ 400 bilhões. Em tese, seria o suficiente para
apoiar até R$ 4 trilhões em empréstimos. Como são créditos detidos contra a
União, as garantias são sólidas e propiciarão taxas de juros “abaixo do normal”,
disse o presidente da Câmara.
Em outra frente, o projeto permite que
dívidas de empresas com a União sejam negociadas com desconto,
independentemente da análise sobre a possibilidade de recuperação do crédito,
desde que o dinheiro seja destinado a projetos de sustentabilidade.
Lira apresentou o projeto ao ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, que o submeteu a análise de sua equipe técnica e
ainda não retornou.
A agenda da sustentabilidade atrai as atenções do mundo para o Brasil. No entanto, é preciso avançar com medidas concretas para que esta não seja mais uma oportunidade perdida.
A colunista entende do riscado.
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