O Globo
Duas frentes vinham funcionando relativamente
bem neste terceiro mandato de Lula:
o Ministério da Fazenda e a Polícia
Federal (PF). Enquanto Fernando
Haddad negociava com o Congresso novas leis e reformas para
organizar as finanças, numa narrativa de responsabilidade fiscal que emplacou
entre os parlamentares como no mercado financeiro, a PF investigava os crimes e
abusos cometidos pelo governo anterior contra a democracia e suas instituições.
Além de cumprir sua missão, a PF produzia
notícias em série durante todo o ano para lembrar à opinião pública a principal
razão que fez Lula vencer Jair
Bolsonaro em 2022.
Sem a Fazenda convencendo o Congresso e o mercado de que tinha um plano, e sem a PF alimentando o noticiário com novidades anti-Bolsonaro, teriam sobrado mais holofotes para as incongruências entre o discurso e a prática ambiental do governo ou a falta de coordenação entre as políticas sociais – alvo, aliás, de queixas do próprio Lula.
As peripécias do Centrão na Codevasf e os
lobbies que rondam o Planalto, o BNDES,
a Petrobras e
as agências reguladoras poderiam ter tido mais atenção. Talvez, ainda, houvesse
mais espanto com a barbeiragem dos aplicadores do Enem, que colocaram 50 mil
estudantes para fazer prova em escolas distantes até 200 quilômetros de suas
casas.
Só que Lula começou a mudar de rumo. Nos
últimos dias, vem se dedicando a desmontar o discurso que levou Haddad a
insistir no déficit zero e a convencer o Banco Central a iniciar o ciclo de
queda dos juros.
Mesmo no momento em que todos esperavam algum
afago público em seu ministro mais importante, sacou uma frase no melhor estilo
“gasto é vida” e afirmou que "para quem está na Presidência, dinheiro bom
é transformado em obras", ao contrário do pessoal da Fazenda, que, segundo
Lula, acha que "dinheiro bom é dinheiro do Tesouro".
Lula não está enganado ao dizer que não faz
tanta diferença assim que o déficit seja déficit zero, 0,25% ou de 0,5%.
Estamos falando, afinal, de cerca de R$ 60 bilhões – pouco perto do déficit da
Previdência, calculado em R$ 270 bilhões, ou dos R$ 600 bilhões em renúncias
fiscais que Haddad chamou de "caixa-preta", mas que continuam aí,
firmes e fortes.
Ninguém tinha a ilusão de que o déficit zero
seria factível. Até a ministra do Planejamento, Simone Tebet,
que vem sendo leal a Haddad, achava muito arriscado insistir nessa meta, mas
Haddad insistiu, pela simbologia da coisa. Está em alta criticar essa opção
agora, mas, quando teve chance de arbitrar a questão, Lula manteve a bola com a
Fazenda.
Agora, segundo interlocutores próximos,
abraçou a versão da Casa Civil de Rui Costa e
anda dizendo que Haddad está alinhado demais com a Faria Lima – esse pessoal
"ganancioso" que, em sua visão, só dá "porrada" no governo.
Com a PF, o enrosco é outro. Lula não gostou
nem um pouco de ter que decretar Garantia da Lei e da Ordem (GLO )
contra o crime organizado, colocando Marinha e Aeronáutica para fazer
patrulhamento ostensivo em portos e aeroportos, hoje pontos de embarque e
desembarque de drogas e armas ilícitas.
Ficou incomodado por ter tido de aceitar o
"prato feito" apresentado pelo ministro da Justiça, Flávio Dino,
e pelo diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues. Preferia ter tido à mão soluções
que não o empoderamento dos militares logo no primeiro grande desafio de
segurança pública de seu governo.
Mas, de acordo com alguns auxiliares, ficou
sem opções diante da informação de que a PF não teria condições estruturais de
atuar como é preciso para ajudar a fechar os canais de transporte de drogas.
Lula, porém, não ignora que o chefe da PF vem
tentando manter o moral de sua tropa, apesar da disputa interna com o
Ministério da Gestão por recursos para aumentar os salários da categoria.
Enquanto a queda de braço não se resolve, peritos e
agentes fazem uma espécie de "greve branca" que está
atrasando algumas investigações, incluindo as relacionadas ao governo
Bolsonaro.
O presidente parece ansioso por fazer o
governo deslanchar, mesmo que precise impor derrotas aos auxiliares que mais
lhe deram tranquilidade para atravessar este primeiro ano.
Por ora, a PF continua tocando suas
operações, e a Fazenda ainda busca uma forma de descartar o déficit zero sem
ser completamente desmoralizada. Ninguém que conheça Andrei ou Haddad consegue
imaginá-los se rebelando ou deixando o governo. Tudo indica que assimilarão o
desgaste e seguirão em frente sem marola. O risco maior, afinal, é de Lula. É
ele quem tem mais a perder se suas apostas não derem o resultado esperado.
Andrei Rodrigues... Tantos nomes!
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