Folha de S. Paulo
Em mundo que muda, país perde apoio e
argumentos com supremacismo no poder
É um sinal de que as coisas não andam bem no
mundo do sionismo real quando vemos porta-vozes de Israel se
desdobrando para tentar explicar a diferença entre o morticínio de crianças e
civis provocado pelo Hamas e o
morticínio de crianças e civis provocado por Binyamin
Netanyahu.
Lembro-me aqui de atrocidades do socialismo
soviético, vistas por intelectuais comunistas como efeitos colaterais da luta
inarredável contra os inimigos da grande revolução. Eram claros os sinais,
então, de que havia algo de podre no reino do socialismo real.
Já escrevi que Israel não é um Hamas às avessas, mas o país e seus aliados precisam querer manter essa diferença. Não borrá-la, no final das contas, a favor do antissemitismo e das desconfianças consideráveis que rondam a criação de um estado judeu na Palestina. A colonização acintosa da Cisjordânia é outro parafuso central dessa engrenagem ideológica que gira em falso.
Sob o fundamentalista e autocrático Bibi, o
aperto metódico do cerco aos palestinos tem provocado reações expressivas mesmo
na opinião pública judaica. A deriva radical e inescrupulosa para a extrema
direita, que não poupa nem mesmo hospitais, vem erodindo o que restava de
consenso moral em torno da defesa de Israel. Os tempos estão mudando e
argumentos tradicionais estão em crise.
A "rua árabe" que se abriu no
Ocidente, as periferias influentes do Sul Global e as desigualdades no coração
do sistema chamam ao mínimo de realismo governos que dormitavam no piloto
automático com Israel. Até Biden sentiu o bafo, baixou uma oitava em sua
retórica, passou a falar em pausa humanitária no Vietnã
de Bibi e agora aprovou
uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que basicamente repete a
proposta brasileira, que estava na vanguarda, vetada por eu país.
O entendimento dessa guerra se inscreve no
contexto de um anunciado "turning-point" da geopolítica
internacional; ela é apenas mais um capítulo do rearranjo em curso das relações
de força globais, a falada e perturbadora transição para um mundo multipolar.
As reivindicações que embasaram a defesa da
criação do Estado de Israel são respeitáveis e se tornaram incontrastáveis
depois do Holocausto e do histórico sinistro de perseguições que antecedeu a
atrocidade nazista. Tudo então parecia fazer muito sentido para grande parte da
opinião humanista do século 20.
Hoje, com a eternização do conflito, ganha
mais projeção uma revisão historiográfica consistente do sionismo e de suas
associações com o projeto colonialista inglês de criar um país judeu naquela
parte do mundo. As evidências de que se procedeu a uma prévia limpeza étnica na
região, entre outros episódios sombrios, são um segredo de polichinelo.
Bem, diante de tudo isso, caberia também
perguntar: que Estado nacional não tem atrás de sua formação um rastro de
violência? Guerras, colonialismo, escravidão, genocídios ou barbáries outras? O
nosso querido Brasil? Os Estados Unidos? O Irã? La France? Por que Israel
deveria ter uma história impoluta? Porque são judeus?
Na juventude intelectual, um filho de rabino
chamado Karl Marx viu no seu ainda recente século 19 uma humanidade se
debatendo com a pré-história. Eu adoraria ter nascido no futuro. Mas o que
veria? Judeus e palestinos pescando e fazendo crítica literária no reino da
sociedade sem classes? Ou o triunfo distributivo do capitalismo pós-financeiro
numa pós-Los Angeles sem barracas nas ruas? Sabe-se lá.
Agora, Israel está perdendo a guerra que
importa. Não será mais possível sustentar esse estado de coisas. Podemos
esperar pelo milagre de uma mudança política profunda? Só me arrisco a dizer,
neste final acaciano, que o caminho será longo e tortuoso.
Excelente! Destaco: "porta-vozes de Israel se desdobram para tentar explicar a diferença entre o morticínio de crianças e civis provocado pelo Hamas e o morticínio de crianças e civis provocado por Binyamin Netanyahu." A diferença de QUANTIDADE é óbvia.
ResponderExcluirIsrael matou 10 VEZES mais civis neste período que os mortos pelo Hamas. Esta é a proporção rotineira de mortes provocada pelas vinganças de Israel nas últimas décadas!
Israel matou 4.800 crianças palestinas nestas 5 semanas de ataques CRIMINOSOS contra civis em Gaza. Os terroristas do Hamas mataram 31 crianças israelenses em 7/10. Portanto, Israel matou 150 VEZES mais crianças palestinas que as crianças israelenses mortas pelo Hamas.
Os porta-vozes de Israel (diplomatas MENTIROSOS e cúmplices do CRIMINOSO DE GUERRA NETANYAHU) apresentam Israel como o BEM combatendo a barbárie... Mas a barbárie maior é o próprio governo Netanyahu, TERRORISTA E CRIMINOSO!
Maria disse:
ResponderExcluir" O Sr. tem razão em perguntar 'que Estado nacional não tem atrás de sua formação um rastro de violência?'. Porém, 1) o estado de Israel foi fundado *por causa do antissemitismo e do Holocausto*. Esta seria minimamente uma razão moral para que Israel não repetisse as atrocidades cometidas contra judeus, como o faz agora. E 2) O judaísmo condena mortes inocentes, mais uma razão para um estado que abriga em seu princípio aqueles que comungam dessa religião não cometer as atrocidades que está cometendo agora". Maria disse e escreveu, mas ela copiou as ideias de rabinos e intelectuais judeus, não foi ela quem teve essas ideias, não. Estão na internet.