Valor Econômico
Proposta aprovada no Senado segue para a
Câmara e só avançará se o presidente da Casa decidir pautá-la
O dia seguinte à aprovação, pelo plenário do
Senado, da proposta de
emenda constitucional que limitou as prerrogativas monocráticas dos ministros
do Supremo Tribunal Federal, trouxe três desdobramentos: o
fortalecimento ainda maior do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a
necessidade de o governo Luiz Inácio Lula da Silva lançar pontes com a oposição
e um Supremo descalibrado em sua reação ao trâmite legislativo de uma proposta.
É claro que a PEC só avançará por obra e
graça da presidência da Câmara. Lira tem motivos para fazê-la andar. E para
segurá-la. Decisões monocráticas do Supremo têm obstruído inúmeras decisões do
Congresso.
Foi uma decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes que suspendeu trechos da nova Lei (mitigada) de Improbidade votada na gestão Lira. Foi igualmente por uma decisão liminar do ministro Luís Roberto Barroso que o piso da enfermagem, votado no Congresso, ficou, por meses, suspenso. E, finalmente, o ministro Luiz Fux, sentou em cima, por dois anos, na implantação do juiz de garantias criado pela reforma do Código Penal conduzida pelo Congresso.
O poder de um presidente de Casa Legislativa
vem, em grande parte, de sua prerrogativa de pautar, nomear presidentes de
comissões e relatores, decisões que acabam influenciando, em grande parte, o
desfecho de uma tramitação. Quando o Supremo atravessa o Legislativo e suspende
uma decisão que foi tomada em plenário é óbvio que isso afeta o poder de quem
comanda a Casa.
E por que Lira não vai pautar de imediato? Porque se o presidente da Câmara tem interesse em fazer a PEC avançar, também tem motivos ainda mais fortes para paralisar esta tramitação. Ao presidente da Câmara interessa ter em mãos recursos de barganha na sua relação com o STF. Não faltam exemplos. Foi uma decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes que enterrou a Operação Hefesto da Policia Federal.
Essa operação havia detectado desvios que
podiam chegar a R$ 8 milhões de recursos do FNDE destinados à compra de kits
robótica para as prefeituras. A operação identificou assessores de Lira numa
suposta transação suspeita de superfaturamento desses kits junto a prefeituras.
E Lira havia destinado quase R$ 40 milhões em emendas para esses kits. Pois o
ministro Gilmar Mendes colocou uma pedra nessa operação. A restrição a decisões
monocráticas aprovada pelo Senado é de controle de constitucionalidade. Não afeta
uma liminar de habeas corpus.
Sob anonimato, ministros do Supremo têm dito
que podem derrubar a constitucionalidade da PEC antes mesmo de a Câmara se
debruçar sobre o tema. Valem-se da mesma linguagem dos parlamentares que
ameaçam cassar seus mandatos. O mais enfático dos ministros, Gilmar
Mendes, chegou a chamar os defensores desta PEC de “pigmeus morais”.
A resposta do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foi acenar
com a votação de um
mandato para os togados.
Os ministros valem-se do argumento de que,
não fosse o Supremo, o país teria padecido de forma ainda mais amarga dos
efeitos da política armamentista do governo Jair Bolsonaro e do seu
negacionismo durante a pandemia. Eles têm razão, mas a pergunta que se faz é se
a PEC restringe as prerrogativas do STF ou aquelas monocráticas dos
ministros. Diego Arguelhes, um dos mais aplicados estudiosos do Supremo,
não subscreve a totalidade da PEC mas lembra que inovações trazidas pela Corte
nos últimos tempos, como o plenário virtual, hoje dão conta de responder com
agilidade a desafios colocados tanto pela pandemia quanto pelos ataques à
democracia do 8 de janeiro.
Muitos dos ministros que hoje se mostram
indignados com a perda de prerrogativas que foram essenciais na reação ao
bolsonarismo sustentaram até o fim a recondução de Augusto Aras à
Procuradoria-Geral da República. A irresponsabilidade de Jair Bolsonaro teve
em Aras um sócio majoritário. Parece ser este o modelo que se deseja perpetuar.
O de um PGR de baixo perfil conjugado a amplas prerrogativas para as decisões
monocráticas dos ministros.
Por fim, a reação do Supremo ao que é visto
como “corpo mole” do Executivo na votação da PEC, também parece
exagerada. Esta reação já teria protelado, por exemplo, a decisão do
Supremo sobre os precatórios, prioritária para a Fazenda. O Planalto exonerou o
ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, para que ele retomasse seu assento e
votasse contra a PEC. Além disso, o PT votou fechado para rejeitar a proposta.
O STF pode esticar a corda nessa queda de braço com o Executivo, mas arrisca
perder espaço nas nomeações que interessam à Corte na PGR, nos tribunais
federais e na própria Corte. O Executivo nomeia e o Senado sabatina.
O voto contra do líder do governo, Jaques
Wagner (PT-BA), tem duas leituras hoje no Senado. A primeira é de que ele
precisa manter as portas abertas com o presidente do Senado sob o risco de ter
inviabilizado seu poder de negociar a inclusão na pauta de votações de matérias
de interesse do governo. A segunda é de que também é preciso manter as
pontes com a própria oposição.
Não bastasse a vitória apertada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a mobilização da opinião pública brasileira em torno da eleição de Javier Milei demonstra a resiliência das pautas que movem a extrema direita no país. Se o Executivo acorda (tarde) para este fato, não custaria ao STF também fazê-lo. Pesquisa Quaest/Genial indica que apenas 17% dos brasileiros têm imagem positiva da Corte.
Eu gosto muito do Supremo.
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