O Globo
Lula está errado. Só pode haver dinheiro para
obras, educação e saúde se houver dinheiro no Tesouro e essa é a função da
Fazenda
Um vento refrescante veio do exterior para
dar a impressão de que o fogo que o presidente Lula está ateando à estabilidade
econômica não vai provocar estragos. Nos Estados Unidos, na sexta-feira, os
juros futuros caíram porque houve um sinal de fraqueza no mercado de trabalho.
Bolsas no mundo inteiro subiram e dólar caiu porque o maior temor da economia
mundial é o preço desses títulos de dez anos do Tesouro americano que anda
disparando. É um erro achar que o Brasil está blindado contra a extrema incerteza
que Lula está contratando.
O grande mistério é porque Lula decidiu fazer desse jeito. Ele poderia ter mudado a meta sem expor Haddad. No mercado financeiro a aposta generalizada é a de que o déficit zero não seria mesmo atingido, tanto que a mediana de rombo nas previsões do Boletim Focus está em 0,78%. Mas isso é diferente de ver o ministro da Fazenda sendo torpedeado.
Todo governo tem uma disputa entre gastadores
e os controladores do gasto. Os protagonistas da luta entre gastar ou não
gastar costumam ser o chefe da Casa Civil de um lado e o ministro da Fazenda do
outro. Não foi diferente desta vez, mas o que não se esperava era que os tiros
contra o Tesouro partissem do próprio presidente. Na sexta, 27 de outubro, ele
levantou dúvidas sobre a meta e fortaleceu o grupo interno que atirava em
Haddad. Na sexta, 3 de novembro, ele afirmou que a Fazenda quer dinheiro no Tesouro,
mas quem está na presidência quer dinheiro transformado em obras em educação e
saúde. É um erro. Só pode haver dinheiro para esses projetos se houver dinheiro
no Tesouro. Essa é a função da Fazenda.
No governo se diz que Lula está diferente
neste terceiro mandato. É uma convicção geral. Mais distante, mais fechado em
um círculo com pouquíssimas pessoas. Recentemente ele promoveu um churrasco
para um grupo maior de ministros. Uma pessoa presente notou que todos o
chamavam de presidente. “Acabou aquela época em que um ministro podia dizer,
“passa a carne, Lula”. Em parte isso se deve ao fato, avalia essa fonte, de que
há uma mudança geracional. Nos primeiros governos, Lula teve pessoas com as
quais havia estado durante o período da construção do PT. Agora a maioria dos
ministros é de outra geração e não tem liberdade para chamá-lo de “Lula”.
O ministro Rui Costa assumiu então o papel de
“chefe do staff”. É assim nos Estados Unidos, mas não aqui. Em março virou
notícia o momento em que Costa deixou Haddad esperando 45 minutos num chá de
cadeira. Certo dia Rui Costa chamou o ministro Fernando Haddad e fez perguntas
e cobranças de chefe. Haddad respondeu que prestaria contas ao presidente, seu
único chefe. Houve outros desencontros. Não é segredo na Esplanada que eles não
se dão bem.
O problema é que a Junta de Execução
Orçamentária tem Rui Costa como um dos integrantes, ao lado dos ministros
Haddad, Simone Tebet e Esther Dweck. De Rui, Haddad espera pressão por mais
gastos, mas ele conta com Simone Tebet. Ela de fato sempre se alinha à Fazenda.
Só que Tebet desde o início teve dúvidas se a meta de déficit primário zero era
factível. E admitiu isso a alguns interlocutores.
Mudar a meta não seria um grande problema, se
fosse feito sob o comando do ministro e com motivos sólidos. Mudar a meta desta
forma escolhida pelo presidente Lula tem sido muito ruim. Há uma semana ele
está deixando o ministro da Fazenda na chuva. E vamos ser claros, parte
fundamental do sucesso do governo Lula até o momento se deve ao trabalho do
ministro Fernando Haddad.
O que temos na conjuntura? Inflação chegando
no intervalo da meta, PIB crescendo 3%, arcabouço aprovado, reforma tributária
sendo votada, desemprego em queda, população ocupada chegando a 100 milhões de
brasileiros, o melhor número da série. Se o ministro da Fazenda tivesse
assumido dando sinais ambíguos e expansionistas, o cenário seria outro.
Todo esse ruído da mudança da meta pode
afetar nossos juros futuros, os que realmente são pagos pela economia. Isso
fará com que o efeito de estímulo ao crescimento do aumento do gasto seja
anulado pela contração monetária que ocorrerá na prática.
Lula está atirando em seu próprio pé ao
arbitrar tão mal esse velho conflito. Se a economia se desorganizar é o governo
que se enfraquece. Não se trata do futuro de Haddad, mas do futuro do terceiro
governo Lula. É isso que está em jogo.
Verdade.
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