O Globo
Uma possível mudança da meta fiscal está
sendo tratada de forma desastrada e tem poder destrutivo contra o próprio
governo
A questão do déficit de 2024 não está ainda
resolvida mas, sobretudo, não está entendida. Mais do que um número, entre zero
e meio, o que se discute é que força terá o ministro da Fazenda para conduzir
seu projeto. Como resultado de todo esse ruído, a mediana do mercado para o
resultado primário no Boletim Focus saiu de 0,78% de déficit para 0,80%. A
previsão de inflação em 2024 saiu de 3,90%, para 3,91%. Noves fora, nada.
Mudança insignificante. Engana-se quem conclui que as consequências serão só
essas.
Mais do que a mudança, a maneira desastrada como tem sido executada tem poder destrutivo. Olhando o panorama inteiro, o que se vê é que o ministro Fernando Haddad começou o governo sob enormes dúvidas de como exerceria o cargo. Desde o início, no entanto, ele mostrou saber para onde ir. Reduzir o déficit, aprovar um arcabouço fiscal para substituir o Teto de Gastos que fora desmoralizado pelo governo anterior, fazer andar a reforma tributária, combater a erosão da base tributária através de um trabalhoso exercício de fechar os buracos da evasão e da elisão fiscal. Esse é o programa e ele tem executado com persistência.
Nada é fácil na vida de um ministro da
Fazenda que queira colocar ordem na casa. Recentemente criou-se uma celeuma,
com muitas críticas de economistas de mercado, porque ele anunciou que estava
decidido a pagar antecipadamente a dívida de precatórios que o governo
Bolsonaro caloteou e jogou, como bomba de efeito retardado, para 2026. A
proposta vinha com a ideia de contabilizar como despesas financeiras os juros
que incidem sobre o pagamento das dívidas judiciais, isso foi tratado como um
absurdo. Curioso é que alguns economistas que não se escandalizaram com a
pedalada dos precatórios dada no governo Bolsonaro, acusaram essa proposta de
ser um truque fiscal.
Quando não está sob esse tipo de crítica
idiossincrática do mercado, o ministro está sob fogo amigo como agora.
Normalmente quando quer por ordem às contas,
um ministro da Fazenda enfrenta esses momentos de fogo cerrado. No PT, isso é
muito comum e é o que está acontecendo agora. Há uma vertente do partido
convencida até hoje que estabilidade nas contas públicas é algo contra o
desenvolvimento social. Como se não fossem muitas as lições da história,
inclusive recentes, em que a desordem fiscal provocou inflação, recessão,
empobrecimento e aumento do desemprego.
O dia de ontem foi de novo cheio de
demonstrações da ambiguidade do governo. O ministro Fernando Haddad lembrou que
buscar o melhor resultado fiscal não vem da cabeça do ministro ou da vontade do
presidente. E voltou a se queixar, com razão, de decisões pretéritas que estão
agora tendo impacto nas contas públicas. Poderiam ter sido corrigidas
anteriormente. Mas não foram.
O vice-presidente Geraldo Alckmin avisou que
o governo “tem compromisso com a meta fiscal”. Disse que pode demorar, mas o
esforço será nessa direção. Informou também que o debate continua entre 0% e
0,5%.
O mais importante é esse compromisso de
chegar ao equilíbrio no período do governo, tendo começado o mandato com 2,3%
de déficit projetado para 2023. O debate não é sobre o número deste ano, nem do
próximo. É sobre que autonomia terá o ministro da Fazenda para escolher um
caminho na administração das contas públicas. É evidente que tudo se constrói
com debate interno no governo, mas não é o mesmo que a fritura de um ministro
porque isto tem consequências desorganizadoras na economia.
Quem vencer o ministro Fernando Haddad dentro
do governo terá uma vitória de Pirro. Porque se ele parecer fraco, aumentarão
as pressões por mais gastos, será mais caro aprovar projetos no Congresso, será
mais difícil vencer os lobbies setoriais que sempre se organizam muito bem.
O governo precisa iniciar um projeto de
redução de danos, e encontrar uma forma correta de discutir as possibilidades
fiscais do próximo ano. O ministro, por sua vez, que venceu outras batalhas
internas, precisa entender que a imprensa tem sido o canal pelo qual ele tem
comunicado o seu projeto desde o começo, e que perguntas insistentes são parte
do exercício normal da profissão. Mais serenidade no debate e mais visão
estratégica farão bem ao governo.
''Perguntas insistentes'' tem limite.
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