sábado, 11 de novembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Desmatamento em queda traduz rumo ambiental correto

O Globo

Ainda há muito a fazer para zerar o flagelo na Amazônia e no Cerrado, mas governo está no caminho certo

É excelente notícia a queda de 22,3% no desmatamento da Amazônia, divulgada na quinta-feira pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Entre agosto de 2022 e julho de 2023, a área devastada foi de 9.001 km2, segundo o relatório anual do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes). Foi a primeira vez, desde 2018, que a perda de vegetação ficou abaixo dos 10.000 km2.

O recuo seria ainda mais significativo se abarcasse apenas os dados de 2023, quando os números mostram inversão na tendência de dilapidação do patrimônio natural da Amazônia. Entre agosto e dezembro de 2022, último ano do governo Jair Bolsonaro, quando as “boiadas” passavam sem freio, houve aumento de 54% no desmatamento. De janeiro a julho de 2023, foi registrada queda de 42%.

Os resultados colhidos até agora traduzem o acerto das políticas de redução do desmatamento tocadas pela equipe da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Depois da gestão tóxica do governo Bolsonaro, que promoveu o desmonte dos órgãos ambientais, esvaziou a fiscalização, desdenhou dados científicos do Inpe sobre desmatamento e fez vista grossa para grileiros, garimpeiros e madeireiros ilegais, era esperada uma mudança de rumo. As multas aplicadas pelo Ibama aumentaram 104%. As do ICMBio, 320%. Sinal de que a fiscalização voltou.

O trabalho do ministério surtiu resultado apesar dos embates frequentes com integrantes do próprio governo em questões ambientais, como aconteceu com o projeto de exploração de petróleo na Margem Equatorial, em que Marina foi alvo do fogo amigo petista quando o Ibama negou licença para as pesquisas da Petrobras.

Não há dúvida de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua ministra do Meio Ambiente têm números positivos sobre desmatamento a apresentar neste primeiro ano de governo. Mas os resultados favoráveis não devem embotar o tamanho do desafio adiante. O êxito obtido na Amazônia infelizmente não se repete no Cerrado, onde a perda de vegetação bate recordes sucessivos. Segundo o Inpe, em outubro a área desmatada no bioma chegou a 683,2 km2, representando aumento de 203% em relação ao mesmo período do ano passado. Alegar que parte do problema ocorre por meio de autorizações dadas pelos estados não resolve. O governo precisa urgentemente dar respostas concretas para conter a devastação no Cerrado.

É indisfarçável também o inferno provocado pelos incêndios na Amazônia. Nem sempre propositais, têm deixado cidades da região envoltas numa densa nuvem de fumaça. Mesmo que a culpa seja da seca ou do El Niño, o governo dispõe de ferramentas que indicam a localização dos focos. Basta agir. O próprio presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, reconheceu, em reportagem do Estado de S.Paulo, que falta estrutura para combatê-los.

O governo precisa ter em mente que ainda há muito a fazer, dada a miríade de problemas — não só ambientais — que se entrelaçam na Amazônia. A queda no desmatamento é um alento, mas a questão só estará resolvida quando for atingida a meta com que Lula e Marina se comprometeram nos foros internacionais: desmatamento zero. É isso que o Brasil quer. É disso que o planeta precisa. Os resultados obtidos desde o início do ano mostram que voltamos ao caminho certo.

Criação de nova emenda partidária piora qualidade do Orçamento

O Globo

Desafio dos parlamentares é distribuir recursos com mais transparência, de acordo com critérios técnicos

O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, deputado Danilo Forte (União-CE), afirmou que criará um novo tipo de emenda parlamentar para ser controlado pelos líderes das bancadas na Câmara e no Senado. Já existem as emendas individuais por deputado e senador. Já existem as emendas de bancada por estado. Já existem as emendas de comissão. Agora a nova emenda será distribuída por partido. O novo produto da criatividade do Legislativo estabelece mais um gasto num Orçamento já estrangulado e deficitário.

É razoável, numa democracia, que os congressistas determinem o destino dos recursos orçamentários. Como quase 95% do Orçamento da União está engessado por despesas obrigatórias — a maior parte destinada ao pagamento de salários do funcionalismo e benefícios previdenciários —, as emendas parlamentares se tornaram o principal instrumento para eles tentarem influir no gasto público, destinando recursos a suas bases de apoio.

A liberação desses recursos sempre foi usada pelo Executivo como meio de conquistar apoio no Congresso. Em 2015, porém, o Parlamento começou um movimento para assumir o controle da execução dessa parcela do Orçamento. Primeiro, instaurou na Constituição a obrigatoriedade de pagamento das emendas individuais, ao torná-las impositivas. Depois estendeu o mecanismo às emendas de bancada. Ao mesmo tempo, aumentou o valor das emendas. De R$ 5,2 bilhões distribuídos em 2015, elas alcançaram, em valores atualizados, R$ 44 bilhões em 2020 e R$ 37,9 bilhões em 2021.

O maior avanço do Parlamento sobre os recursos orçamentários foi propiciado pelas emendas do relator, que irrigavam o orçamento secreto, parcela distribuída pelas lideranças do Congresso sem transparência nem critério técnico. O balcão das emendas do relator servia não só para acertos políticos, mas também para negociatas. Até que, no ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou com elas. Ainda assim, as emendas parlamentares somaram R$ 26,7 bilhões em 2022 e chegarão a R$ 27,7 bilhões neste ano.

A criação do novo tipo de emenda parlamentar, afirma Forte, permitirá que as bancadas “influam diretamente na construção orçamentária”. É uma alegação sem sentido. A criação das novas emendas partidárias prova apenas que o fim das emendas do relator não acabou com a sanha dos congressistas por mais recursos públicos, nem com a visão míope de que o Estado tem capacidade inesgotável de gastar.

No início dos anos 1990, a eclosão do escândalo dos Anões do Orçamento — em que parlamentares cobravam propina para incluir gastos na lista de despesas da União — revelou a necessidade de contenção e mudanças na forma como o Congresso promove a consolidação orçamentária. O desafio ainda é o mesmo: alocar recursos de maneira transparente, de acordo com critérios técnicos, de modo que não haja desperdício. Ao longo dos anos, ficou evidente que a distribuição mais generosa de emendas aos parlamentares não é a melhor forma de fazer isso.

Obras do acaso

Folha de S. Paulo

Lula se dispõe a sacrificar meta fiscal para investimentos de baixa eficácia

A obsessão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o gasto em obras motiva a ofensiva contra o plano formalmente defendido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de perseguir o equilíbrio entre despesas e receitas em 2024.

O presidente não quer bloquear esses recursos do Orçamento, como provavelmente teria de fazer com a meta zero. "Para quem está na Fazenda, dinheiro bom é dinheiro no Tesouro. Para quem está na Presidência, dinheiro bom é transformado em obras", disse Lula na semana passada.

Na quinta-feira (9), Haddad afirmou, em contraponto a seus colegas gastadores da Esplanada, que elevar despesa pública não é o melhor caminho para sustentar o crescimento econômico. Dias antes dissera que é preciso saber gastar, considerando a taxa de retorno dos investimentos.

Esse cálculo deveria começar com a premissa de que o recurso que o setor público toma, por meio de impostos ou dívida, para bancar uma obra teria destino diferente se continuasse no bolso dos cidadãos. É preciso provar o benefício de deixar o governo decidir sobre essa despesa.

Manifestações reiteradas do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a gestão de projetos financiados com verba federal têm confirmado a inaptidão do Executivo nessa função. Há neste momento nada menos que cerca de 8.600 obras públicas paralisadas, de um total de 21 mil existentes.

Isso significa que a probabilidade de um investimento federal começar e ser interrompido é de 41%, o que representa uma alta estarrecedora diante dos já elevados 29% apurados em 2020.

O montante previsto para os projetos paralisados, R$ 32 bilhões, é próximo do que deputados federais e senadores poderão definir como emendas de execução obrigatória no ano que vem.

O diagnóstico do TCU não é o de que falta dinheiro para as obras. A deficiência se localiza na coordenação, no planejamento, na definição de prioridades e na avaliação dos projetos. O tribunal não identificou melhoras nesses fatores na mais recente auditoria realizada.

Um gestor de recursos na iniciativa privada dificilmente canalizaria dinheiro de seus clientes para um tocador de obras tão relapso e perdulário como o governo federal do Brasil. O contribuinte não tem escolha, e o mercado credor do Tesouro Nacional só o faz mediante juros elevados.

O fato é que o dinheiro que Lula quer preservar para investimentos —estando para isso disposto a abandonar a meta de equilíbrio orçamentário e a impulsionar o endividamento público— alimenta operações de baixíssima eficácia. Financia obras do acaso.

Agro é clima

Folha de S. Paulo

Mitigar o aquecimento global não é incompatível com incremento da produtividade

Imprevistos meteorológicos são contingências inerentes à agropecuária, que jamais impediram o crescimento dessa atividade no Brasil. Com as mudanças climáticas, a incerteza põe em risco a segurança alimentar, alerta a FAO, agência da ONU para o setor.

Relatório da organização, noticiado pelo jornal Valor Econômico, estimou em US$ 3,8 trilhões (cerca de R$ 19 trilhões) as perdas mundiais no campo, entre 1991 e 2021, por catástrofes climáticas —tal valor é quase o dobro do PIB brasileiro em 2022 (R$ 9,9 trilhões).

O cálculo baseou-se em quebras de safra geradas por secas, inundações, ciclones e ondas de calor, que todo ano reduzem a colheita de cereais em 69 milhões de toneladas, e a produção de carnes, laticínios e ovos em 16 milhões de toneladas.

A cada 12 meses, em média, a agropecuária global teve prejuízo de US$ 123 milhões (R$ 600 milhões). Isso equivale a ceifar 5% do PIB agrícola mundial em cada um dos 30 anos do período analisado.

Tais cifras constituem um alerta urgente para produtores: não há incompatibilidade entre combate ao aquecimento global e produção agropecuária. O campo é um dos maiores interessados na mitigação do efeito estufa e na adaptação do negócio ao aumento inaudito da imprevisibilidade atmosférica.

Eduardo Assad, pesquisador da FGV, informa que a mudança climática já cortou três semanas do período chuvoso no país, estreitando a janela de plantio. Altas temperaturas, ademais, tornam mais frequentes déficits hídricos em épocas decisivas para as culturas.

O agronegócio brasileiro tem grande contribuição a dar no enfrentamento da crise climática. Embora seus rincões mais atrasados defendam o desmatamento, há que estancar essa queima de florestas para abrir pastagens e novas áreas agricultáveis, nossa maior fonte de emissões de carbono.

Não faltam boas práticas que tanto reduzem os efeitos nocivos do agro quanto melhoram produtividade e rentabilidade —como recuperação de pastos degradados, consórcio de pecuária e floresta para dar sombra ao gado, redução da idade de abate, plantio direto, manejo adequado do solo etc.

A FAO estima que cada real investido na implementação dessas medidas mitigadoras pode trazer outros sete para a renda de famílias rurais. Chegou a hora da agricultura de baixo carbono, para alimentar um mundo cujo clima se deteriora a olhos vistos.

O País precisa de melhores polícias

O Estado de S. Paulo

Aprovação de leis orgânicas das polícias civis e militares é ocasião para profunda reforma desses órgãos de Estado, o que inclui melhorar seu treinamento e os mecanismos de controle

Recentemente, o Congresso aprovou dois Projetos de Lei (PLs) que, se bem aplicados, podem contribuir para melhorar a segurança pública no País: o PL 4.363/2001 – que institui a Lei Orgânica Nacional das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares dos Estados – e o PL 1.949/2007 – que cria a Lei Orgânica das Polícias Civis. Oriundos de propostas do Executivo, eles estão à espera da sanção presidencial.

Segundo as competências federativas, as polícias civis e militares estão submetidas ao governo estadual. Mas compete à União, diz a Constituição, legislar sobre normas gerais de organização das polícias. Ou seja, cada Estado deve ter suas regras, alinhado a um marco jurídico geral – que deve ter o seguinte objetivo: assegurar que as polícias vão realizar o seu trabalho e somente o seu trabalho.

É correta, portanto, a medida do PL 4.363/2001 de proibir que policiais militares participem, “ainda que no horário de folga, de manifestações coletivas de caráter político-partidário ou reivindicatórias, portando arma ou fardado” ou que se manifestem “em ações de caráter político-partidário, publicamente ou pelas redes sociais, usando imagens que mostrem fardamentos, armamentos, viaturas, insígnias ou qualquer outro recurso que identifique vínculo profissional com a instituição militar”.

Essas vedações não ferem a liberdade de expressão. São limitações do próprio cargo. Agentes estatais não devem usar os postos de trabalho para a promoção de ideias políticas.

Os dois PLs estabelecem princípios gerais de funcionamento das polícias, que podem e devem servir de guia para a necessária reforma dessas instituições em cada Estado. Os princípios das polícias militares e bombeiros são: hierarquia; disciplina; proteção, promoção e respeito aos direitos humanos; legalidade; impessoalidade; publicidade, com transparência e prestação de contas; moralidade; eficiência; efetividade; razoabilidade e proporcionalidade; universalidade na prestação do serviço; e participação e interação comunitária. Nesses princípios, vislumbra-se um potente panorama axiológico alinhado com a Constituição e apto a orientar a atividade policial.

Na Lei Orgânica das Polícias Civis, elencam-se 19 princípios institucionais. Os cinco primeiros são: proteção da dignidade humana e dos direitos fundamentais no âmbito da investigação criminal; discrição e preservação do sigilo necessário à efetividade da investigação e à salvaguarda da intimidade das pessoas; hierarquia e disciplina; participação e interação comunitária; e resolução pacífica de conflitos.

O fundamental é que tudo isso não fique só no papel. É necessário que os três mecanismos de controle das polícias funcionem corretamente: as corregedorias (de caráter interno), o Ministério Público (de caráter externo) e as ouvidorias.

Uma das críticas feitas ao PL 4.363/2001 é a previsão de subordinação da ouvidoria ao comandante-geral da polícia. Certamente, deve-se estar atento para que isso não retire a funcionalidade da ouvidoria. O dever de vigilância é especialmente grave no caso do Ministério Público. Foi a própria Constituição que lhe atribuiu essa tarefa. Não há como fechar os olhos: a situação de muitas polícias no País é sintoma de que, muitas vezes, tal atribuição não tem sido realizada adequadamente. As duas novas leis orgânicas devem levar a um controle mais efetivo por parte do Ministério Público.

Outro objeto de crítica foi o trecho dizendo que as polícias militares se subordinam aos governadores, como se isso esvaziasse as Secretarias de Segurança Pública. Ora, são coisas diversas. A responsabilidade, em último termo, é sempre do chefe do Executivo estadual, mas isso não significa, por óbvio, que não deva existir uma organização interna da administração estadual para dirigir e coordenar a atuação das polícias.

As leis orgânicas das polícias não são perfeitas, mas podem trazer bons frutos. É tempo de despolitizar o que foi politizado e de prover polícias competentes – que sejam parte da solução, e não do problema.

Lições do caos em São Paulo

O Estado de S. Paulo

Eventos climáticos extremos têm sido muito frequentes e não são exclusividade da capital paulista. É preciso enfrentá-los de forma mais efetiva, menos midiática e sem oportunismo político

O caos que se instalou em São Paulo desde as tempestades da semana passada é inaceitável. Milhões de pessoas ficaram sem energia elétrica em suas casas por dias. A Defesa Civil registrou cerca de 100 desabamentos, e ao menos 8 pessoas perderam suas vidas.

A quantidade de municípios atingidos corrobora a versão da Enel, para quem os eventos da última sexta-feira tiveram magnitude incomum, muito acima do que os institutos meteorológicos previam. Segundo a empresa, rajadas de vento de até 105 km/h derrubaram mais de 100 quilômetros de cabos de média tensão.

Os danos são múltiplos e incalculáveis e, para as famílias que perderam parentes, irreversíveis. Não basta lamentar. É preciso atuar em múltiplas frentes, priorizando a recomposição dos serviços, a investigação das causas, a apuração de responsabilidades e a elaboração de soluções que reduzam o impacto e a recorrência de eventos trágicos como este.

É muito comum, infelizmente, que este tipo de episódio seja terreno fértil para o mais rasteiro oportunismo político e para o nascedouro de ideias ruins, rapidamente abandonadas quando uma nova tragédia passa a dominar o noticiário. Para evitar perda de tempo, é preciso lembrar que a Constituição atribuiu à União a competência privativa para legislar sobre energia elétrica.

Assim, qualquer lei ou iniciativa estadual ou municipal que invada essa competência e imponha novas obrigações às empresas, como o enterramento obrigatório dos cabos, não terá qualquer validade e será facilmente derrubada na Justiça – como já foi no passado recente.

A antipática sugestão do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, de criar uma contribuição voluntária para custear a medida, não tem chance de prosperar, tanto que ele mesmo voltou atrás. Mesmo que proposto pelas vias adequadas, enterrar toda a fiação é economicamente inviável. Pode ser um recurso a ser adotado em regiões mais críticas, mas não é infalível nem imune a blecautes. Requer um investimento vultoso, até nove vezes maior que o cabeamento aéreo, e resultará em contas de luz muito mais elevadas.

Se o prefeito Ricardo Nunes quer ser realmente útil e até revolucionário, poderia muito bem cumprir sua função de cuidar adequadamente da zeladoria da cidade. Mais de mil árvores caíram na rede elétrica. Poda e manejo são tarefas exclusivas do município, não da concessionária de energia, que pode, inclusive, ser responsabilizada judicialmente caso o faça sem autorização.

Por óbvio, o serviço de distribuidoras de energia como a Enel SP está sujeito a intempéries fora de seu controle. Entretanto, uma vez que eventos como este se materializam, as empresas têm a obrigação de recompor a eletricidade o mais rapidamente possível, com total prioridade ao transporte público e às regiões onde há maior concentração de hospitais.

Há que reconhecer que a empresa conseguiu restabelecer a energia nas escolas em que foi aplicado o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Dito isso, não é razoável que parte considerável da população atendida pela distribuidora fique cinco dias inteiros sem luz.

O transtorno foi público e notório, mas cabe unicamente à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) apurar se a Enel SP foi negligente no restabelecimento do serviço. O caso deve ser alvo de processo público de fiscalização, assegurando à empresa o amplo direito de defesa. A aplicação de sanções e multas só pode ocorrer ao final da tramitação desse processo.

Como sugeriu a Aneel, a criação de um plano de contingência para garantir o pronto restabelecimento de energia em momentos de crise, com cooperação de distribuidoras de grupos diferentes e compartilhamento de equipes técnicas que atuam em campo, pode ser uma boa solução. Investimentos em tecnologias que modernizem as redes e sua forma de operação podem ampliar a resiliência do sistema de forma mais ampla, eficaz e barata.

Eventos climáticos extremos têm sido frequentes e não são exclusividade de São Paulo. É preciso se antecipar a eles e unir esforços para enfrentá-los de forma mais efetiva e menos midiática.

Um fôlego para a Amazônia

O Estado de S. Paulo

Redução no desmatamento melhora a imagem do Brasil; sustentar o ritmo ainda é desafio

Aqueda do desmatamento na Amazônia a níveis pré-Bolsonaro, anunciada a poucos dias da Conferência do Clima (COP28) de Dubai, tem o dom de lapidar a imagem do Brasil no encontro internacional, a despeito dos estragos expostos pela estiagem e incêndios na região, potencializados pelo El Niño mais rigoroso dos últimos anos. Pela primeira vez, desde 2019, o patamar de desmate reportado ao mundo equivale a uma área abaixo dos 10 mil km². Um troféu ainda modesto, é verdade, mas que, ao menos, comprova o freio ao desmoronamento ambiental promovido pela gestão anterior.

A redução de 22% do desmatamento em 12 meses, constatada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é o resultado de uma equação que combina o avanço de 54% entre agosto e dezembro de 2022 com a queda de 42% de janeiro a julho de 2023. Um saldo que dá à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, cacife extra no governo Lula e fôlego maior nas discussões internacionais. Ciente disso, a ministra fez questão de atribuir o resultado positivo às ações de fiscalização e combate a ações irregulares na floresta e, claro, dividir os louros com Lula da Silva.

É inegável que a imagem do Brasil em relação ao monitoramento da Amazônia Legal mudou para melhor. Mas não a ponto de diminuir o impacto das imagens recentes de devastação das áreas atingidas pelos mais de 80 mil focos de incêndio que correm o mundo. Para angariar confiança internacional, o governo brasileiro terá de comprovar meticulosamente que a meta de desmatamento zero até 2030 é factível. Afinal, embora tenha diminuído, 9 mil km² de área desmatada ainda é muita coisa.

Para zerar – apenas na Amazônia, sem contar outros biomas importantes, como o Cerrado – seria necessário, no mínimo, manter a mesma intensidade de redução ano a ano pelos próximos sete anos, um trabalho que inclui não apenas combate, mas prevenção. É esse caráter sustentável que vai definir o peso no País na comunidade internacional, não apenas no aspecto ambiental, mas especialmente nas iniciativas econômicas que dependem de uma posição mais firme do Brasil na questão da sustentabilidade, que tem sido uma exigência – ou uma desculpa – usada de forma corrente para atrasar acordos comerciais, como o da União Europeia com o Mercosul.

A contenção da degradação florestal é, decerto, um dos pontos positivos a serem celebrados. É de extrema importância a mostra que o governo está dando de que ficou para trás a época de assistir passivamente à destruição da Amazônia. A própria sobrevivência do Inpe esteve sob ameaça durante o governo bolsonarista. Mas, como disse ao Estadão a ex-presidente do Ibama Suely Araújo, os esforços para elevar o ritmo de contenção dos desmates dependem de novas medidas e colaboração parlamentar. É muito difícil fechar essa conta com a fragilidade política do Executivo no Congresso. E, como é inviável impor soluções, o caminho é buscar a elaboração conjunta de propostas, trazendo ao debate Estados, municípios, Câmara e Senado.

Hipótese de terrorismo deve ser investigada com cautela

Correio Braziliense

Segundo o ministro da Justiça, Flávio Dino, a Polícia Federal realiza "uma investigação em torno da hipótese de uma rede terrorista buscar se instalar no Brasil"

Desde o veto dos Estados Unidos ao projeto de resolução do Brasil aprovado pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que propunha um imediato cessar-fogo na Faixa de Gaza, aprovado por 12 votos a favor, um contra e duas abstenções (Rússia e Inglaterra), existe um mal-estar entre o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O comportamento do governo de Israel em relação aos brasileiros que aguardam repatriamento na fronteira com o Egito e a atuação do embaixador israelense no Brasil, Daniel Zohar Zonshine, refletem essa tensão.

Na quarta-feira, o ex-presidente Jair Bolsonaro compareceu a uma recepção oferecida pela Embaixada de Israel a cerca de 300 parlamentares e posou para fotografias com Zonshine. Imediatamente, nas redes sociais circularam fake news que atribuíam ao ex-presidente a entrada dos brasileiros na lista de refugiados que deveriam ter saído de Gaza ontem, o que não aconteceu. Na verdade, o resgate dos brasileiros é objeto de longas negociações com as autoridades de Israel e Egito conduzidas pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e os embaixadores brasileiros nos dois países e na Cisjordânia.

A posição do Itamaraty diante da questão é não perder o foco nas negociações para resgatar os brasileiros que ainda correm risco de vida na Faixa de Gaza. Ou seja, não aceitar provocação. Na diplomacia, sabe-se que nenhum embaixador se comporta como Zonshine sem orientação de sua chancelaria — no caso, o governo de Israel. É nesse contexto que devemos examinar a suposta interferência do Mossad, o serviço secreto de Israel, nas investigações que estão sendo realizadas pela Polícia Federal sobre a suspeita de preparação de um atentado terrorista contra sinagogas e outras instituições judaicas no Brasil.

Em 10 de setembro, ou seja, antes do atentado terrorista do Hamas de 7 de outubro, o Federal Bureau of Investigation (FBI) alertou as autoridades brasileiras que pessoas suspeitas de ligação com o grupo islâmico Hezbollah planejavam cometer atos terroristas no Brasil. Na quarta-feira, a Justiça Federal foi acionada e autorizou a prisão de dois suspeitos e o comprimento de 11 mandados de busca e apreensão. Tanto a PF quanto o Ministério da Justiça e Segurança Pública tem evitado associar os alvos da operação policial à milícia xiita do Líbano.

A Operação Trapiche é resultado de investigações que a Divisão de Enfrentamento ao Terrorismo da PF instaurou após o FBI encaminhar às autoridades brasileiras uma lista de brasileiros natos ou naturalizados cujas identidades não foram reveladas até o momento e que estão sendo investigados, supostamente ligados a organizações terroristas. A Polícia Federal atua em cooperação com a Interpol e outros órgãos policiais, como o FBI.

Entretanto, as investigações são realizadas de acordo com a legislação e a orientação da Justiça brasileira. Por isso mesmo, a nota divulgada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu na qual afirma que a operação foi realizada com a cooperação do Mossad e frustrou "um ataque no Brasil promovido pela organização terrorista Hamas" se inscreve na tentativa de Israel de pressionar o Brasil a apoiá-lo na guerra com o Hamas. A posição do governo brasileiro é a favor da paz e da ajuda humanitária aos civis palestinos.

Fez bem o ministro da Justiça, Flávio Dino, ao reagir de forma cautelosa e esclarecer que a PF realiza "uma investigação em torno da hipótese de uma rede terrorista buscar se instalar no Brasil". Com razão, afirmou que "nenhum representante de governo estrangeiro pode pretender antecipar resultado de investigação conduzida pela Polícia Federal, ainda em andamento".

O ódio está entre nós

Revista Veja

É preciso grandeza, tolerância e ponderação para que conflitos como o que incendeia o Oriente Médio sejam resolvidos

“Nada une tão fortemente como o ódio — nem o amor, nem a amizade, nem a admiração.” A frase, dita pelo escritor russo Anton Tchekhov (1860-1904), tem marcado a política mundial nos últimos anos. Impulsionadas pelas redes sociais e pelo imediatismo do universo digital, qualidades como o diálogo, a reflexão, o respeito ao diferente têm sido trocadas por reações como raiva, impulsividade e impropérios destinados aos seus inimigos. Não raro, esse comportamento belicoso busca o aplauso rápido de uma claque — mas traz, claro, a consequente resposta adversa da turma do outro lado. O sucesso efêmero, o fato de chamar atenção com curtidas e joinhas, faz com que mais e mais pessoas se juntem a essa horrenda dinâmica. Indivíduos que eram razoáveis no trato pessoal, doces muitas vezes, se transformam em selvagens digitais protegidos pelo distanciamento do seu celular.

Infelizmente, esse desvario não fica restrito à realidade virtual. Ele transborda para o mundo de verdade e traz consigo consequências nefastas. A força do ódio tem sido utilizada por líderes políticos em todo o planeta, gerando atos execráveis como o 6 de Janeiro nos Estados Unidos, obra da pregação de Donald Trump, e o 8 de Janeiro no Brasil, fruto da verborragia incontrolável do ex-presidente Jair Bolsonaro. Resultado dos ataques à democracia travestidos de mobilização popular: mortes, prédios públicos destruídos e pessoas presas. Quando os líderes, aqueles que deveriam organizar e comandar esse processo, preferem o caminho da discórdia, a situação sai de controle e as massas enfurecidas entram em ação. Afinal de contas, existe uma revolta, uma decepção da população com a própria incompetência e contra tudo-isso-que-está-aí, o que acaba atirando ainda mais gasolina nesse paiol, restringindo o espaço do entendimento e da harmonia.

Levado ao paroxismo, esse ódio resulta naquilo que vemos hoje no conflito entre o grupo terrorista Hamas e o governo de Israel pela Faixa de Gaza. A repulsa entre os dois povos, palestinos e judeus, é histórica. No princípio, era a religião. Há muitos séculos, trata-se apenas da vaidade de poderosos, da expansão territorial e da manipulação orquestrada por líderes sanguinários. A falta de humanidade por parte de quem deveria buscar uma convergência mínima vem multiplicando o número de mortes, exacerbando a dor de todos que perdem um ente querido, e garantindo ainda mais munição e “combatentes” para essa eterna jihad (guerra santa). O cenário fica ainda mais abominável ao se perceber que políticos do mundo inteiro (assim como influencers ou apenas os imbecis, como tão bem classificou o escritor Umberto Eco) se alinham aqui e ali, alimentando um novo antissemitismo ou reforçando a islamofobia para se “posicionar” frente ao seu público. Lamentável. Triste. Ignóbil. Não é com fanatismos ou condutas que lembram selvagerias futebolísticas que conflitos dessa natureza podem ser resolvidos. É preciso grandeza, tolerância e ponderação. Tudo o que os grandes líderes mundiais não têm demonstrado nos últimos tempos.

Publicado em VEJA de 10 de novembro de 2023, edição nº 2867

 

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