quinta-feira, 23 de novembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Inchaço do fundo eleitoral significa apenas desperdício

O Globo

Emendas parlamentares infladas também resultam em má alocação dos recursos do Orçamento

O Congresso Nacional tem consistentemente determinado gastos muito acima do razoável em campanhas eleitorais. Nas eleições do ano passado, a quantia disponível por eleitor era R$ 31, o triplo do estipulado no México, país com legislação de financiamento de campanha não muito diferente da brasileira. Para as eleições do ano que vem, o governo propôs gastos de R$ 940 milhões no Orçamento, um número sensato. A reação do deputado Danilo Forte (União-CE), relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), é promover o inchaço do fundo eleitoral.

Em suas declarações, ele tem defendido no mínimo R$ 2 bilhões, ou R$ 13 por eleitor (corrigido, o valor destinado à última eleição municipal equivaleria a R$ 2,5 bilhões). Mas poderá seguir o aprovado na Comissão Mista de Orçamento, repetindo os R$ 4,9 bilhões do ano passado. Seria um disparate, pois não dá para comparar eleições municipais às nacionais. Num momento em que a tecnologia digital reduz os custos de difusão, as campanhas deveriam ser mais baratas. Sobretudo num pleito em que o público é local. Outro risco sempre presente é a corrupção. Apesar de a Justiça Eleitoral fazer o possível para coibir irregularidades e condenar os infratores, e de não haver razão para generalização, há denúncias de desvios.

Na melhor hipótese, destinar tanto dinheiro a campanhas significará apenas desperdício de recursos que farão falta. Um exemplo é dado pelo próprio Forte, ao propor engordar o fundo eleitoral retirando verbas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O PAC tem histórico negativo e muitos defeitos, mas ainda assim seria um destino melhor para o dinheiro público do que campanhas eleitorais perdulárias.

Os fundos eleitoral e partidário não são os únicos recursos que os congressistas têm ao seu dispor. Com outro propósito, contam também com as emendas parlamentares em suas diversas variantes. Na origem, elas são um modo legítimo de os mandatários financiarem obras e projetos em seus redutos eleitorais. Fazem parte do jogo democrático. Mas nos últimos anos foram expandidas além de qualquer proporção. Os R$ 5,2 bilhões distribuídos em 2015 se tornaram, em valores atualizados, R$ 44 bilhões em 2020 e R$ 37,9 bilhões em 2021.

Mesmo com o fim das emendas do relator imposto pelo Supremo, deputados e senadores têm acesso a emendas individuais, de bancadas estaduais e de comissão. A valer a intenção de Forte, as individuais e de bancada — ambas impositivas, ou de pagamento obrigatório — serão aumentadas em 23% no ano que vem, chegando a R$ 37,6 bilhões — cada deputado terá direito a alocar R$ 37,8 milhões e cada senador R$ 69,6 milhões. Para as emendas de comissão, está prevista alta de 61%, para R$ 11 bilhões. Forte ainda quer criar um cronograma para garantir pagamento das individuais e de bancada e tornar as de comissão impositivas.

Emendas parlamentares tão alargadas têm resultado em alocação pior dos recursos. Investimentos públicos têm resultado melhor quando precedidos de análises técnicas sobre os problemas e locais onde são urgentes ou surtirão mais efeito. A lógica das emendas é outra. Deputados e senadores com maior poder ficam com mais verba, decisões são tomadas de forma pulverizada, e regiões necessitadas ficam desamparadas. A sanha com que os congressistas têm se lançado sobre as emendas traz ainda mais desperdício.

Lula tem de se convencer de seus próprios compromissos fiscais

O Globo

Como resumiu deputado Pedro Paulo em entrevista ao GLOBO: governo precisa acreditar na regra que criou

A despeito do empenho do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em convencer seus pares da necessidade de zelar pelas contas públicas, próceres petistas e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva volta e meia manifestam insatisfação com os compromissos fiscais. Lula chegou a desautorizar Haddad ao dizer que a meta de déficit primário zero em 2024 dificilmente seria cumprida. Por ora, ela foi mantida. Mas é evidente o incômodo que a responsabilidade fiscal tem provocado entre governistas.

No Orçamento, a única forma encontrada para cobrir a gastança gerada pela profusão de demandas — muitas justificadas, outras nem tanto — foi inflar a projeção de receitas com iniciativas que aumentam a arrecadação — incertas, por ainda dependerem do Congresso. Mas, sem cortes de despesas, é inverossímil que o governo cumpra as regras de seu arcabouço fiscal.

Quem definiu a situação com precisão foi um dos vice-líderes do governo na Câmara, o deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ). “O que falta no governo é acreditar na regra que ele próprio criou”, afirmou em entrevista ao GLOBO. O arcabouço fiscal estabelece crescimento de despesa acima da inflação. Se a arrecadação não corresponder ao esperado, prevê que entrem em ação os gatilhos de redução de gastos. “Não pode querer começar a criar agora um conjunto enorme de medidas para fugir da regra”, afirma Pedro Paulo.

O exemplo mais recente é a discussão em torno do contingenciamento. Parece inevitável que, logo no início do ano que vem, já se torne necessário segurar despesas para cumprir as regras fiscais. Para satisfazer às pressões partidárias, Haddad decidiu instaurar na lei orçamentária um bloqueio máximo de R$ 23 bilhões. Só que, nas contas de Pedro Paulo, dificilmente o contingenciamento será menor que R$ 53 bilhões. “Não dá para o governo a todo momento inventar teses para burlar a regra”, diz. O resultado seria, segundo ele, minar a credibilidade do arcabouço fiscal já no primeiro ano. “É preciso acreditar. A regra foi criada com gatilhos, com as penalidades. Tem de entrar um controle maior de despesa.”

Desde o início, sabe-se que o governo planeja cumprir as metas com forte aumento de arrecadação. Para isso, aposta em projetos que tramitam no Legislativo, mas por enquanto eles são apenas apostas. Pedro Paulo, relator do projeto que muda a tributação de fundos fechados e offshore, lembra que, como a agenda está atropelada, o Orçamento conjuga estimativas de arrecadação otimistas com despesas subestimadas. “É uma situação delicada.”

Desde a posse, Lula insiste na necessidade de investimentos sociais e nas obras de seu Programa de Aceleração do Crescimento. Mas dinheiro não cai do céu. E o sonhado aumento de arrecadação não passa de expectativa. Será preciso fazer escolhas. Ou a conta que não fecha resultará em inflação, juros altos, desemprego, endividamento — roteiro conhecido, que o governo parece esquecer. Mais do que convencer os brasileiros de que está comprometido com o equilíbrio fiscal, Lula precisa primeiro convencer a si mesmo.

País não pode arcar com benefícios do Judiciário

Valor Econômico

Propostas incluem volta do quinquênio, mais direitos a folgas e passagens aéreas na volta para Estados de origem e correção de benefícios extintos

A julgar por ações recentes do Três Poderes, há um movimento para melhorar a remuneração do Poder Judiciário, onde se alojam os maiores salários da República. Magistrados recebem R$ 41.650, o teto do funcionalismo, mas uma lista crescente de benefícios os leva a ultrapassar várias vezes o máximo vencimento mensal fixado. A mais recente ação a favor do Judiciário, e que não se originou de movimento corporativista próprio, partiu do Executivo. Ministros do Supremo Tribunal Federal poderão ter remuneradas pelo contribuinte diárias e passagens aéreas quando retornarem a seus Estados de origem.

O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias, Danilo Forte (União-CE), aceitou a ideia, com argumento peremptório: os salários do Judiciário são baixos - na verdade, são 13,9 vezes o que recebe a média da população do país. A iniciativa partiu do Executivo (e também beneficia seus ministros), algo estranho quando se considera que o presidente da República não aceita a ideia de zerar o déficit público, não deseja contingenciamentos e ainda procura elevar a arrecadação para aumentar gastos.

Há em certas áreas o entendimento de que os juízes, além de ganharem pouco, trabalham muito, mesmo constituindo a única categoria funcional no país que tem direito a dois meses de férias. Resolução do Conselho Nacional de Justiça aprovou a equiparação de benefícios recebidos por juízes aos dos Ministério Público. Entre outras coisas, isso significa que os benefícios recebidos acima do teto remuneratório por promotores e procuradores seja estendido também aos juízes. Juízes terão direito a até 10 dias de folga por mês, ou o equivalente em dinheiro, no caso de acúmulo de função ou acervo. Há mais de 20 funções agraciadas pela equiparação, entre elas participar do próprio Conselho Nacional de Justiça.

É difícil imaginar que o acervo de ações não aumente quando os magistrados folgam 60 dias por ano e não supor que ele crescerá com o direito adicional de 10 folgas por mês, ou uma a cada três dias. O benefício é tão exorbitante que, se for exercido no limite, dará a um juiz o privilégio de usufruir de 6 meses de descanso remunerado por ano. Entretanto, boa parte dos juízes opta por receber em dinheiro parte das folgas dos dois meses concedidos.

Ainda assim, os magistrados se sentem extenuados, além de mal pagos. Sessenta e sete porcento deles consideraram-se insatisfeitos com o tempo de que dispõem para cuidar de seu bem-estar e de sua saúde mental, segundo pesquisa do CNJ realizada em 2022 (Bruno Carazza, Valor, 20 de novembro). Os números mostram que 95% dos juízes ganham mais que os ministros do Supremo Tribunal Federal (R$ 41.650) - logo, acima do teto constitucional - e que pelo menos 74% estão insatisfeitos com a remuneração que recebem.

Apesar de terem direito a mais férias de que os demais brasileiros e se queixarem de falta de tempo e excesso de trabalho, 12 mil juízes converteram parte dos dias de folga em dinheiro, a um custo para o contribuinte de R$ 772,5 milhões. Não é pouco e não é tudo. Ao longo do tempo, nascem ou renascem benefícios extras, os “penduricalhos”, que aumentam a remuneração do Judiciário, com a vantagem extra de não fazerem parte do subsídio (como se chama o salário dos juízes) e escaparem da incidência do Imposto de Renda. Segundo levantamento do CNJ, os membros dos tribunais receberam, entre 2018 e 2022, além de seus salários, R$ 26,7 bilhões pelos vários tipos de auxílio.

Quase tão difícil quanto impedir a criação de um novo penduricalho é extinguir os que já existem. O exemplo mais recente é o da correção monetária de um auxílio moradia do século passado, pago entre 1994 e 1999, a parcela autônoma de equivalência (PAE), antes ajustada pela TR. Os juízes federais receberam essa atualização monetária, mas, a cada novo entendimento do STF sobre indexadores, pleiteiam correções. A presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Maria Thereza de Assis Moura, está abismada com a reivindicação, tanto ou mais que os leigos no assunto. “É difícil compreender como um passivo referente a supostos valores devidos entre 1994 e 1999, que já foi pago e repago inúmeras vezes, gerando centenas de milhares de reais a cada magistrado beneficiário, pode, mais de 20 anos depois, admitir mais uma revisão de cálculo”. Se concedida a correção, cada um dos 995 magistrados envolvidos na ação receberá R$ 242 mil.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, patrocina nova investida para valorizar a carreira, ressuscitando os quinquênios, aumentos automáticos de remuneração de 5% a cada 5 anos, até o limite de 35%. A simples permanência na carreira dá direito ao benefício, independentemente da competência do magistrado. O benefício foi extinto no governo Fernando Henrique por bons motivos. Não há dúvida de que as carreiras de Estado deveriam receber remuneração adequada, mas a prática a que o Judiciário está acostumado é excessiva e torna o sistema de Justiça do país um dos mais caros do mundo, incompatível com a capacidade da maioria dos brasileiros de sustentá-lo.

Pausa necessária

Folha de S. Paulo

Trégua com Hamas deveria ser estendida, mas falta clareza aos planos de Israel

Na madrugada desta quarta-feira (22), o 47º dia da guerra entre Israel e Hamas, o Estado judeu aprovou uma trégua nas ações promovidas na Faixa de Gaza, governada pelo grupo terrorista palestino desde 2007. Não era sem tempo.

Após o choque com as atrocidades sofridas em 7 de outubro, na ofensiva que matou ao menos 1.200 pessoas e deixou 236 reféns, nas contas de Tel Aviv, Israel decidiu aniquilar o Hamas como grupo militar e estrutura terrorista.

O problema é que não se faz isso sem matar inocentes, particularmente em um ambiente de conflito urbano no qual o inimigo está misturado à população.

E a conta em sangue tornou-se impagável. Os israelenses mataram em média cerca de 300 pessoas por dia —desde que começaram a bombardear Gaza no mesmo dia em que foram atacados.

Na terça (21), quando o acordo mediado pelo Qatar foi costurado, havia 14.128 mortos, segundo o Ministério da Saúde do Hamas, cujos dados são pouco contestados. O que não se sabe, e aí mora a perversidade do conflito, é quantas dessas vítimas eram combatentes.

Por evidente, as imagens dizem o óbvio: há uma proporção enorme de crianças e mulheres, que não pegaram em armas.

A trégua, de quatro dias a partir desta quinta (23), também trata da questão dos reféns.

Eles começarão a ser trocados por prisioneiros palestinos. Em 2011, uma prática análoga levou 1.027 pessoas a serem soltas para que o Hamas libertasse 1 soldado israelense. Hoje, a proporção tende a cair a 3 presos para cada refém.

O acerto resulta da pressão externa sobre Israel, incluindo os aliados Estados Unidos, e do ambiente doméstico para o premiê Binyamin Netanyahu, pressionado por familiares dos sequestrados.

Do lado do Hamas, a pausa sugere a busca por sobrevivência política, pela liderança em confortável exílio no Qatar, já que militarmente o grupo está sendo trucidado.

O Irã, seu fiador, já havia se queixado do voluntarismo do grupo. Seu preposto libanês, o Hezbollah, negociou entrar na trégua sem nem sequer ser chamado.

Em nome dos civis e dos reféns, a trégua deveria ser estendida ao máximo, até chegar a um acordo final, mas Israel avisou que a guerra recomeça na hora em que ela cessar.

Politicamente, há pouco que o governo conservador possa fazer enquanto não for possível declarar o Hamas inabilitado.

O problema é quando isso irá ocorrer, dada a clara opacidade de Israel, criticada até pelos EUA, que questionaram a ação terrestre contra o sul de Gaza devido à ausência de planos para proteger os civis lá concentrados, enquanto os combates ocorrem no norte.

Terapia inócua

Folha de S. Paulo

Internação forçada de usuário, aventada por prefeito do RJ, contraria evidências

Quando se trata do consumo abusivo de drogas, autoridades brasileiras tendem a se esconder atrás de soluções mágicas e imediatistas que, não raro, acabam por infringir direitos humanos.

Caso recente é o anúncio feito pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), de que adotará as internações compulsória e involuntária de dependentes químicos como política pública.

Contudo, quando tal medida é implementada como panaceia, de modo açodado e generalizado, contraria evidências científicas e práticas. No pior cenário, descamba na ilegalidade; no melhor, é inócua.

Em 2013, na gestão do mesmo Paes, 99 usuários de crack foram recolhidos das ruas, mas o plano foi abortado devido a questionamento do Ministério Público, que viu irregularidade na medida.

A cidade de São Paulo também aventa essa solução de modo sazonal. Em junho de 2019, conforme reportagem da Folha, dos cerca de 10 mil dependentes químicos que passaram por internação psiquiátrica no projeto Redenção, criado por João Doria, então no PSDB, e mantido por seus sucessor e correligionário Bruno Covas, 56% haviam desistido do tratamento.

Em janeiro deste ano, foi a vez de Ricardo Nunes (MDB) propor novamente a internação de dependentes na capital paulista.

As internações involuntária e compulsória constam da lei 10.216, de 2001. A primeira se dá a partir do pedido de familiar ou responsável e com autorização de um médico; a segunda é solicitada pela justiça também a partir de laudo médico.

O texto faz a ressalva de que tal ação "só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes". Ademais, é usada apenas quando o paciente está em surto ou coloca a própria vida ou a de terceiros em risco.

Mas, segundo dados do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp, esses casos extremos representam só 3% dos cerca de 6.000 usuários atendidos anualmente na instituição.

Além disso, a desintoxicação é apenas o início de um longo trabalho com terapia e medicação.

Mais importante, a questão central do uso abusivo nas ruas é a vulnerabilidade social. Por isso, qualquer plano de governo deve ser interdisciplinar, com atenção a habitação, saúde, assistência social e geração de renda.

Soluções mágicas podem render visibilidade política, mas pecam por ignorar a experiência.

A conta do populismo com o ICMS chegou

O Estado de S. Paulo

Estados que se omitiram no ano passado, quando Bolsonaro e o Legislativo impuseram um teto ao ICMS, culpam a reforma tributária pelo aumento do imposto que acabam de propor

Seis Estados das Regiões Sul e Sudeste anunciaram nesta semana que vão propor, às suas respectivas Assembleias Legislativas, o aumento da alíquota modal do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para 19,5%. Segundo carta divulgada pelos secretários estaduais de Fazenda de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, a medida seria uma reação à reforma tributária sobre o consumo, que, segundo eles, reduzirá a autonomia dos entes federativos.

“Nesse sentido”, diz o documento, “a arrecadação dos Estados com o ICMS nos próximos 5 anos condicionará, em significativa medida, as suas receitas tributárias nos 50 anos subsequentes, configurando-se um forte incentivo para que aumentem a sua arrecadação entre 2024 e 2028, por exemplo, mediante a realização de programas de recuperação de créditos tributários ou aumentos de alíquotas modais de ICMS.”

É interessante observar o argumento tortuoso a que os secretários recorrem para justificar o aumento do imposto. Verdadeiros estadistas, estariam muito preocupados com a arrecadação que legarão aos Estados quando o ICMS for extinto e substituído pelo futuro Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Veem-se, portanto, obrigados a elevar os impostos agora para defender as futuras gerações desse possível ataque às contas públicas que pode vir a se materializar de 2033 a 2078.

É evidente que se trata de desculpa esfarrapada para aumentar tributos e gastar o dinheiro arrecadado desde já. Esse movimento era mais do que previsível. Mas a motivação desse ato não é a reforma tributária, que, por sinal, ainda nem entrou em vigor.

São as Leis Complementares 192 e 194, que alteraram a legislação do ICMS e impuseram um teto nas alíquotas aplicadas sobre combustíveis, energia e telecomunicações – historicamente a maior fonte de arrecadação dos Estados. Aprovadas no ano passado pela Câmara e pelo Senado, elas foram fruto da pressão do ex-presidente Jair Bolsonaro para baixar os preços dos combustíveis poucos meses antes da eleição.

A carta dos secretários estaduais de Fazenda até menciona esse contexto, mas de forma lateral. Sem culpar Bolsonaro e o Congresso, o documento cita uma “decisão federal alheia à vontade dos Estados” que promoveu “substantivas alterações na legislação do ICMS, as quais reduziram a sua capacidade de gerar receitas aos Estados”. “Tal intervenção provocou uma expressiva e insustentável redução das receitas tributárias estaduais”, afirma a carta.

À época em que as leis foram submetidas a votação no Legislativo, não se viu qualquer mobilização por parte dos governadores para barrar a medida. Pudera: Cláudio Castro, Renato Casagrande, Romeu Zema, Ratinho Jr. e Eduardo Leite ainda não disputariam a reeleição. O único que ainda não ocupava o cargo era Tarcísio de Freitas, mas já se sabia que o ministro da Infraestrutura de Bolsonaro seria candidato ao governo de São Paulo.

Naquele momento, todos optaram pelo silêncio. Não era hora de testar o humor do eleitorado e opor-se à redução de impostos, mas de aprovar reajustes salariais para o funcionalismo, realizar concursos públicos e afrouxar os gastos. A conta finalmente chegou. Nos primeiros seis meses deste ano, a arrecadação caiu 8,73% em termos reais, segundo o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) do Ministério da Fazenda.

Saliente-se que os governadores do Sul e Sudeste não foram os únicos a adotar a medida. Segundo o Estadão, 17 Estados já elevaram as alíquotas modais de ICMS desde o fim do ano passado. A diferença é que eles não culparam a reforma tributária por seus atos.

É cômodo, mas falso, responsabilizar a reforma tributária pelo aumento dos impostos. É fácil para os governadores se esconderem atrás de uma carta assinada por seus secretários estaduais de Fazenda para se livrarem dos danos causados por uma decisão impopular.

Mas a medida anunciada nesta semana é mera consequência da omissão destes mesmos Estados no ano passado, quando as propostas foram discutidas e aprovadas sem qualquer resistência. Estão, agora, colhendo o que plantaram.

Enfim, uma trégua

O Estado de S. Paulo

Pausa aliviará reféns israelenses e civis palestinos. Mas será explorada pelo Hamas para perseguir suas metas jihadistas e precisa ser explorada por Israel para pavimentar caminho da paz

A pós seis semanas, o combate mais sangrento da história do conflito israelo-palestino foi interrompido. As partes pactuaram uma pausa de cinco dias condicionada à troca de 50 mulheres e crianças reféns do Hamas por 150 mulheres e adolescentes palestinos prisioneiros em Israel. Israel também concedeu a ampliação do número de caminhões que entram em Gaza com suprimentos e combustível, de 45 para 300 por dia. Depois disso, o acordo prevê um dia adicional de pausa a cada 10 reféns liberados. A primeira vitória da diplomacia deve ser celebrada, mas com precaução.

As negociações tomaram semanas e envolveram escolhas duras para Israel. Desde que o Hamas iniciou a guerra, os objetivos de Israel – extirpar o governo do Hamas em Gaza e resgatar os 240 reféns – entraram frequentemente em conflito. Seus estrategistas estavam convencidos de que a pressão por ar e por terra era crucial para avançar no primeiro objetivo, mas também para forçar a libertação dos reféns. Contudo, os ataques também punham em risco a vida dos reféns, que podiam ser atingidos na ofensiva. Além disso, havia o risco de que, pelo uso desproporcional da força, Israel incorresse em crimes de guerra, degradando o seu moral e sua legitimidade com a comunidade internacional. Agora, há o risco inverso: conforme for conduzida, a pausa pode comprometer a meta de neutralização militar do Hamas e, assim, a segurança de Israel.

A pausa dará condições ao Hamas de se reagrupar, escapar de posições vulneráveis e armar emboscadas para as forças israelenses. O acordo salvará reféns, mas ao custo de vidas dos soldados israelenses. De resto, quase 200 reféns continuarão cativos do Hamas. O seu destino está condicionado aos cálculos dos terroristas. Só pessoas decentes, no plano individual, e democracias liberais, no plano coletivo, enfrentam dilemas morais. Celerados como os terroristas do Hamas enfrentam apenas dilemas estratégicos. Eles roubarão os suprimentos e combustíveis para fortalecer seus planos terroristas e, à sua conveniência, podem acusar Israel de quebrar o acordo para retomar as hostilidades ou tentar prolongar a pausa.

Antes da votação que autorizou o acordo, o premiê Benjamin Netanyahu anunciou: “Quero deixar claro. Estamos em guerra. E vamos continuar a guerra”. Como disse um comandante na semana passada: “Uma conquista militar abrangente não será possível sem uma operação no sul”. Mas Israel enfrentará uma pressão internacional crescente contra essa operação. Ademais, a sociedade israelense está dividida sobre como articular os dois desafios de libertação dos reféns e obliteração do Hamas. Os terroristas tentarão explorar essas pressões e conflitos a seu favor.

Israel precisa extrair da pausa o máximo de ganhos. Enquanto seus soldados consumam as expedições de neutralização e reconhecimento no norte, agora sob seu controle, os estrategistas precisam preparar com o máximo cuidado a campanha no sul, onde as milícias do Hamas estão entocadas sob mais de 2 milhões de civis palestinos.

Para sustentar sua legitimidade, Israel precisa se preparar para minimizar os danos a estes civis, planejando unidades médicas de emergência, campos de refugiados e corredores para auxílio humanitário em Gaza. Além disso, precisa mostrar comprometimento com um processo de paz após o fim da guerra.

Israel não pode consumar a eliminação militar e muito menos política do Hamas sozinho. No longo prazo, precisará da colaboração dos palestinos sensatos e de países árabes amistosos para conquistar esses objetivos. Mas isso só acontecerá se os palestinos enxergarem perspectivas críveis de uma vida digna e bem-estar econômico. Os alicerces dessa credibilidade precisam ser fundados agora: enquanto combate os carniceiros do Hamas, que mantêm dezenas de israelenses e milhões de palestinos como reféns, Israel precisa se mostrar comprometido com o alívio do sofrimento dos civis em Gaza e na Cisjordânia. Se conseguir, essa pausa poderá ser lembrada no futuro como o passo decisivo para a destruição definitiva do Hamas e o triunfo da paz.

Provocação barata

O Estado de S. Paulo

À deselegância de Milei de convidar Bolsonaro para sua posse, Brasil responde com serenidade

Sem demonstrar a mínima noção de sua responsabilidade como futuro chefe de Estado da Argentina, o presidente eleito Javier Milei emitiu o pior sinal sobre o rumo de sua diplomacia com o Brasil ao convidar o ex-presidente Jair Bolsonaro para sua posse na Casa Rosada, em 10 de dezembro. O gesto deselegante – para dizer o mínimo – sugere que o “anarcocapitalista” ainda não percebeu que as relações bilaterais não se regem por diferenças ideológicas ou simpatias naturais entre governos, mas pelo diálogo e a concertação sobre interesses legítimos de ambos os Estados. Seria desejável que, a esta altura, já tivesse começado a entender a diferença.

Milei agiu como se ainda estivesse em campanha eleitoral, ocasião em que se comportou como incendiário irresponsável. Nesse primeiro atrito grosseiro e gratuito de “El Loco” com uma nação vizinha, com a qual a Argentina mantém historicamente relações produtivas, a boa notícia foi a reação até aqui serena do governo brasileiro, a começar pelo presidente Lula da Silva, pessoalmente ofendido por Milei ao longo da campanha argentina. Ao que parece, a determinação brasileira é a de apostar na diplomacia – por mais difícil que seja controlar o fígado diante da perspectiva de ver Bolsonaro, suspeito de envolvimento em uma tentativa de golpe contra o governo de Lula, sendo tratado com honras de chefe de Estado na posse de um presidente argentino.

Ao convidar Bolsonaro, Milei não insulta apenas Lula. Ele ofende as instituições e tripudia da Justiça brasileira, a mesma que condenou Bolsonaro à inelegibilidade por oito anos por abuso de poder político e que poderá julgar sua eventual responsabilidade pela intentona de 8 de Janeiro. A atitude de claro desrespeito à democracia do Brasil e aos brasileiros não deixa de ser observada como sinal de risco para os próprios argentinos. Milei ainda não demonstrou até que ponto está comprometido com o Estado de Direito. Mas Victoria Villarruel, sua vice-presidente, foi bastante franca na semana passada ao afirmar que “só a tirania” salvará a Argentina da crise.

Está muito claro que “El Loco” quer reduzir a relação Brasil-Argentina à esfera de uma disputa ideológica que desmoraliza os reais interesses dos argentinos. Cabe ao Brasil não se deixar levar por essa armadilha e manter as portas abertas ao diálogo. A esperada ausência de Lula na posse será uma resposta mais que suficiente à diatribe de Milei. Não há necessidade de mais sinais de descontentamento.

Está claro que o Brasil não terá com a Argentina a parceria azeitada de quando as contrapartes de Lula eram os Kirchners ou o atual presidente, Alberto Fernández. Este lado da fronteira haverá de lidar com um chefe de Estado que, conforme suas declarações em campanha, jamais se preocupou com a importância estratégica do Brasil para a Argentina. Será preciso paciência do governo brasileiro até Milei entender que já passou o tempo de agir como “El Loco”.

Investir em educação fortalece a economia

Correio Braziliense

Ao longo deste século, o Brasil triplicou os investimentos por estudante nos ensinos infantil, fundamental e médio. Porém, está longe de se aproximar de países como Coreia do Sul, Portugal e Austrália

Embora haja maior esforço do governo federal para elevar a qualidade da educação, o Brasil ainda está entre os países com o menor investimento por aluno no ensino básico — US$ 3,5 mil dólares/ano, enquanto a média é de US$ 10,9 mil, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A situação era bem pior no século passado. Ao longo deste século, o Brasil triplicou os investimentos por estudante nos ensinos infantil, fundamental e médio. Porém, está longe de se aproximar de países como Coreia do Sul, Portugal e Austrália, que aplicam entre US$ 10 mil e US$ 14 mil em cada aluno, e enfrenta o desafio de impulsionar o ensino profissionalizante.

No momento, há entendimentos divergentes sobre a carga horária da educação profissional e tecnológica no ensino médio. O tema está entre as prioridades do Ministério da Educação (MEC). Mas na revisão do Novo Ensino Médio, a equipe atual da pasta flexibilizou a carga horária, como parte do conteúdo a ser escolhido pelo estudante. No projeto encaminhado ao Congresso Nacional, o ensino profissional ficou com 2,1 mil horas para disciplinas básicas e 900 horas para as técnicas, ao longo de três anos. No ensino médio regular, a formação básica ficou com 2,4 mil horas.

O deputado federal Mendonça Filho (União -PE), relator do projeto, questiona a flexibilização e a redução da carga horária. Segundo ele, cursos na área de tecnologia da informação e saúde exigem pelo menos 1,2 mil horas. Com a redução para 900 horas, essas formações tornam-se inviáveis. O MEC, por sua vez, defende que os estados invistam em ensino integral para oferecer modalidades técnicas que demandam maior carga horária.

Em meio aos debates e à falta de consensos, estudo do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) mostra que o aumento de estudantes em cursos de ensino médio técnico teria impacto positivo no Produto Interno Bruto (PIB). Quando formados, os alunos teriam mais chances de conquistar uma vaga no mercado de trabalho, o que resultaria em maior produção para a economia, com reflexo no crescimento do PIB.

Para alguns especialistas, a educação em tempo integral, ainda que eleve o custo por aluno, se faz necessário para aprimorar a formação dos estudantes do ensino médio, bem como para capacitá-los para disputar vagas no mercado de trabalho. Reconhecem que estados e municípios têm orçamento insuficiente para custear tamanho investimento, o que exigiria uma contrapartida maior da União. A longo prazo, entretanto, haveria um retorno aos cofres públicos.

Ante a realidade de mais de 30% da parcela da sociedade entre 18 e 24 anos sem ocupação, hoje, a partir das 14h30, o Correio Braziliense promove o debate CB Fórum Educação Profissional e Primeiro Emprego, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial do Distrito Federal (Senac-DF). O evento terá a participação de especialistas, autoridades e políticos, que tratarão de temas como O atual mercado de trabalho e a demanda por educação profissional; Por que investir em educação profissional?; e Combatendo desigualdades e gerando oportunidades por meio da educação profissional.

Diferentemente do que supõe grande parte da sociedade, o ensino profissionalizante não é direcionado só para alunos de famílias de baixa renda. Também não é obstáculo à continuidade dos estudos por aqueles que almejam ter formação universitária. A formação em nível médio tem sido comum em outros países que atingiram um patamar de desenvolvimento superior ao do Brasil.


 

 

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