Deficit zero não é apenas uma questão do
Tesouro
Correio Braziliense
A proposta de deficit zero embutida no novo
arcabouço fiscal está sendo ameaçada pela perda de arrecadação, decorrente de
uma série de benefícios e isenções concedida pelo Congresso
É grande a responsabilidade do Congresso
Nacional na aprovação do Orçamento da União de 2024. Essa afirmação seria até
uma tautologia, uma vez que é atribuição dos senadores e deputados estabelecer
as suas diretrizes e a lei orçamentária. Mas acontece uma disfuncionalidade na
relação entre o Executivo e o Legislativo na qual a aprovação das emendas
impositivas ao Orçamento da União beneficia diretamente seus autores, ao
atender interesses de suas bases eleitorais, mas não tem como contrapartida a
responsabilidade quanto aos seus resultados dos investimentos e políticas
públicas.
O descompromisso com o resultado é do debate
sobre a questão fiscal. A proposta de deficit zero embutida no novo arcabouço
fiscal está sendo ameaçada pela perda de arrecadação, decorrente de uma série
de benefícios e isenções concedida pelo Congresso, sem a necessária
compensação, com a ampliação da base de arrecadação e maior justiça tributária.
O relator da Reforma Tributária no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM),
Também terão regime diferenciados de tributos operações alcançadas por tratado ou convenção internacional, inclusive missões diplomáticas e representações consulares e de organismos internacionais; serviços de saneamento e de concessão de rodovias; operações que envolvam a disponibilização da estrutura compartilhada dos serviços de telecomunicações; serviços de agência de viagem e turismo; e transporte coletivo de passageiros rodoviários intermunicipal e interestadual, ferroviário, hidroviário e aéreo.
Com isso, foram contemplados alguns dos
lobbies mais poderosos do país, que fazem uma pressão direcionada aos
parlamentares que integram a Comissão Mista do Orçamento. Em contrapartida, os
interesses difusos da maioria da população, que não tem lobby institucional
organizado, é que serão confrontados pelo aumento da alíquota do novo Imposto
sobre Valor Agregado (IVA), que pode chegar a 27,5% do valor das mercadorias.
Ou seja, quem pagará a conta é o consumidor comum.
O outro lado dessa moeda vimos ontem, na
reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com os ministros da área de
infraestrutura. O recado foi o seguinte: "Para quem está na Fazenda,
dinheiro bom é dinheiro que está no Tesouro, mas, para quem está na
Presidência, dinheiro bom é dinheiro transformado em obras. É dinheiro
transformado em estrada, em escola, em escola de primeiro, segundo, terceiro
graus, em saúde", disse.
Para bom entendedor, o ministro-chefe da Casa
Civil, Rui Costa, responsável pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC),
ganhou a queda de braços com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em relação
à possibilidade de contingenciamento de recursos destinados às obras públicas
para chegar ao deficit zero, mesmo que arrecadação prevista não seja alcançada.
Nos bastidores do governo, Costa defende uma
meta com deficit de até 0,5% para evitar corte de gastos do governo federal num
ano de eleições municipais.
Desde a semana passada, quando, em entrevista
à imprensa, Lula admitiu que o deficit zero não será alcançado, a equipe
econômica está sendo atacada em três frentes: pelos ministros que querem tocar
suas obras, pelos setores que desejam mais privilégios e subsídios fiscais, e
pelo Congresso que pretende aumentar a fatia das emendas impositivas ao
Orçamento da União. É um pacto difícil de ser derrotado, porque também divide
os agentes econômicos e a sociedade.
A ordem é gastar o dinheiro previsto nos orçamentos da Esplanada: "Se o dinheiro estiver circulando e gerando emprego, é tudo que um político quer e que um presidente deseja", disse Lula, ao incentivar que seus ministros sejam "os melhores gastadores do dinheiro". O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) tem uma carteira de R$ 1,4 trilhão de investimentos em infraestrutura até 2026. Entretanto, a conta não fecha. Mesmo isolado dentro do governo, Haddad não pretende renunciar à meta de deficit zero no Orçamento de 2024. O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias, Danilo Forte (União-CE), também não. Mas a base governista já se move para derrubá-la. Não zerar o deficit público, porém, é financiar investimento com inflação.
O Globo
Tumultos como o que antecede final da
Libertadores exigem atenção para preservar a segurança nos estádios
São preocupantes os sinais emitidos pelas
torcidas organizadas do Boca Juniors e
do Fluminense,
times que disputarão na tarde deste sábado, no Maracanã, a final da Copa Libertadores da
América. Desde o início da semana, torcedores das duas equipes se engalfinham
em Copacabana, cenário previsível diante da tensão que cerca partidas
decisivas, especialmente quando envolvem brasileiros e argentinos. A polícia
precisa levar em conta o potencial explosivo do jogo, e não só dentro do
estádio, pois sabe-se que muitos visitantes não têm ingresso e ficarão
circulando pelas ruas do Rio.
Na segunda-feira, quando ainda era pequeno o número de torcedores argentinos na cidade, houve tumulto em Copacabana entre apoiadores do Boca e do Fluminense. Ontem, quando o contingente já era maior, foi registrada mais confusão. A PM precisou usar bombas de efeito moral para conter os brigões. Pelo menos seis foram detidos. A temperatura voltou a subir com as ameaças feitas por chefes de torcidas organizadas. “Que esperem a gente chegar. E que os do Fluminense venham nos procurar”, desafiou um líder em áudio enviado à imprensa argentina. O clima de conflagração levou a Conmebol a fazer uma reunião de emergência para discutir a segurança do jogo.
Autoridades certamente não desconhecem os
riscos, mas isso não significa que tudo esteja sob controle. Medidas
administrativas foram tomadas com o objetivo de reduzir danos. A Prefeitura do
Rio proibiu a venda de bebidas alcoólicas no entorno do Maracanã, iniciativa
considerada excessiva pelo Sindicato de Bares e Restaurantes, sob a alegação de
que não foi adotada noutros jogos da Libertadores. Espera-se que o veto alcance
também os ambulantes, que costumam oferecê-las livremente, sem concorrência. A
Prefeitura também reservou áreas específicas para os torcedores argentinos,
como já fizera na Copa do Mundo de 2014, quando o Rio recebeu cerca de 100 mil
visitantes do país vizinho. O Sambódromo e o Terreirão do Samba, na região
central do Rio, serão enclaves dos torcedores do Boca.
A Polícia Militar diz estar preparada para a
chegada deles — estima-se que serão entre 50 mil e 100 mil argentinos — e para
o jogo no Maracanã. É verdade que a PM tem experiência em esquemas de
policiamento de grandes eventos, mas nem sempre eles se revelam bem-sucedidos.
Em março, antes de um jogo entre Flamengo e Vasco, cenas de selvageria tomaram
conta da região do Maracanã. No mês passado, brigas entre vascaínos e
rubro-negros deixaram pelo menos um morto e quatro feridos, uma lástima.
O Rio é uma cidade acostumada a grandes
eventos. Apesar dos problemas com a violência, tem plenas condições de sediar
uma final de Libertadores com mais de 60 mil torcedores no Maracanã e outras
dezenas de milhares nas ruas. Mas é preciso que as autoridades tenham a noção
exata dos riscos da guerra entre torcidas organizadas e tomem todas as
providências necessárias para que a partida transcorra normalmente. Não só
dentro da arena esportiva, mas também fora dela. É fundamental que o futebol
seja jogado num ambiente pacífico, civilizado. Disso também depende o sucesso
das competições. Afinal, quem irá com a família ao estádio se o lazer pode se
transformar em atividade de risco?
Vacinação anual contra Covid exigirá
mobilização da sociedade
O Globo
Governo acerta ao incluir vacina no
calendário anual, mas só isso não garante imunização satisfatória
Foi acertada a decisão do Ministério da
Saúde de incluir a
vacinação contra a Covid-19 no Programa Nacional de Imunizações (PNI) a partir
do ano que vem. Isso significa que o país terá condições
melhores de manter sob controle o vírus mais ameaçador que surgiu no planeta
desde a gripe espanhola no início do século passado. Mas não basta incluir o
imunizante no calendário anual de vacinas e oferecê-lo à população nos postos
de saúde. O desafio é ampliar as taxas de vacinação, ainda insuficientes para a
população imunizada deter a circulação do vírus.
Para as crianças, a vacinação estará no
calendário obrigatório. A parcela restante da população precisará ser
mobilizada para se imunizar. O Ministério da Saúde continua a orientar os
maiores de 18 anos, mesmo os já vacinados, a tomar a vacina bivalente,
que protege contra as variantes mais recentes do coronavírus. É preciso mais.
O ministério promete para breve uma nova
campanha com a finalidade de destacar a importância da vacinação, da testagem e
do tratamento contra a Covid-19. Precisará ir além, em busca de canais mais
diretos de comunicação com grupos específicos. O monitoramento de postos e
centros de saúde com busca ativa dos não vacinados também será imprescindível.
Não se pode relaxar. A vacinação anual de crianças a partir de 6 meses, de
idosos e de quem tem imunidade baixa, entre outros grupos, é a única maneira de
evitar os principais danos de um vírus que continua em circulação e ainda mata
todo dia em torno de 42 pessoas no Brasil.
Jamais se deve esquecer o dano causado no
governo Jair Bolsonaro pela protelação na compra de vacinas e pela campanha
negacionista contra os imunizantes. Sem tanto obscurantismo, dificilmente um
país que concentra algo como 2% da população mundial teria somado 14% dos
mortos da pandemia — atingindo a cifra macabra de mais de 700 mil.
Não há, sempre é bom lembrar, nenhuma questão
técnica em aberto sobre a eficácia da vacina contra a Covid-19. Ainda em 2021,
foi constatado que mortes pela doença se concentravam primordialmente entre os
não vacinados — 96,3% do total, segundo pesquisa da USP e da Unesp. Num estudo
que se tornou clássico para desmentir os negacionistas, o Instituto Butantan
vacinou a população adulta de Serrana, no interior paulista, e acompanhou a
evolução. Os casos sintomáticos caíram 80%, as internações retrocederam 86% e
as mortes 95%. É este o objetivo de qualquer vacinação: evitar mortes e deixar
vagas nos hospitais para atender quem de fato precisa. Deve-se ter consciência
da importância da vacinação e não se deixar levar por discursos que ecoam a
Idade Média.
Condenado de novo
Folha de S. Paulo
TSE pune Bolsonaro mais uma vez, agora com
inelegibilidade também a Braga Netto
Beiram o inexplicável os votos dos dois
membros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que não viram, nas famigeradas
comemorações do 7 de Setembro de 2022, atos despudorados de campanha praticados
por Jair Bolsonaro (PL) e Walter Braga Netto (PL).
Menos mau que os ministros Kassio Nunes
Marques e Raul Araújo tenham terminado sem o apoio dos demais colegas, com o
que o TSE
decretou, por 5 a 2, a inelegibilidade da dupla derrotada em
segundo turno na corrida presidencial do ano passado.
Também pudera: o Bicentenário da
Independência, organizado com verba pública, adquiriu as feições típicas de um
comício bolsonarista, no qual se proferiram grosserias, ataques contra
adversários e ameaças golpistas.
Dado que o ex-presidente já tinha sofrido a
mesma punição em outro processo eleitoral, o principal impacto prático da nova
decisão diz respeito a Braga Netto.
Ex-ministro de Bolsonaro, o general da
reserva que concorreu a vice-presidente vinha sendo cotado por seu partido para
disputar a prefeitura do Rio de Janeiro em 2024, mas agora está proibido
de se candidatar a cargos eletivos até as vésperas do pleito de 2030.
No âmbito federal, nada muda. Esta segunda
inabilitação de Bolsonaro não se soma à primeira, mas se sobrepõe a ela, de
modo que os cálculos políticos e as acomodações partidárias em curso desde o
julgamento de junho seguem na mesma toada.
Tampouco se vislumbram alterações na chamada
guerra de narrativas. Se os adversários do ex-presidente já dispunham de farto
arsenal retórico para admoestá-lo, seus apoiadores parecem imunes a qualquer
artilharia proveniente do Poder Judiciário ou dos veículos de jornalismo
profissional.
Ainda assim, não se ignora o peso que a nova
sentença possa ter sobre a percepção difusa do mundo político e judicial. Da
mesma forma que o TSE talvez não inabilitasse um Bolsonaro reeleito, a dupla
condenação funciona como respaldo a outros processos que tenham o ex-presidente
como alvo.
Muitos deles, não custa lembrar, correm fora
da Justiça Eleitoral e podem resultar inclusive em prisão. Há, entre outras,
suspeitas sobre omissões e irregularidades variadas durante a pandemia de
Covid-19, venda de joias presenteadas por autoridades estrangeiras e incitação
do levante golpista de 8 de janeiro, em Brasília.
É preciso avançar em todas essas frentes, com
imparcialidade, celeridade e respeito às garantias do devido processo legal e
da ampla defesa. São os primados básicos do Estado democrático de Direito
—justamente aquele que Bolsonaro tentou destruir.
Reformar o funcionalismo
Folha de S. Paulo
Passa da hora de o governo apresentar sua
plano para melhoria do serviço público
"De onde menos se espera, daí é que não
sai nada." A frase, do jornalista Apparício Torelly (1895-1971), conhecido
como Barão de Itararé, cai como uma luva no que concerne às intenções do
governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de reformar o serviço público
brasileiro.
Desde que assumiu, sua administração não
tomou nenhuma iniciativa concreta para levar adiante mudanças que poderiam
tornar o Estado mais eficiente, aumentando os benefícios à população.
Pesquisa Datafolha recente revelou que a
maioria dos brasileiros (56%) avalia
que o funcionalismo não conhece os desafios dos cidadãos. Outros 55%
acham que a minoria ou nenhum servidor têm boas condições para atender a
sociedade, o que exigiria sua valorização e melhora no atendimento.
O levantamento mostra o rompimento entre a
percepção e as aspirações da população, que banca o funcionalismo com impostos,
e o que ela recebe em troca.
No Brasil, o gasto com salários de
servidores, considerando União, estados e municípios, equivale a 8,9% do PIB,
segundo o Fundo Monetário Internacional. O percentual é maior que o de muitas
economias do G20 —que reúne os países mais ricos e com melhores serviços
públicos que o Brasil—, como França (8%), Reino Unido (7,3%) e Alemanha (5,9%).
Outro estudo, do Banco Mundial, mostrou que,
também na comparação internacional, os rendimentos dos servidores municipais
não apresentam discrepâncias. Nos estados, porém, o prêmio salarial pago no
Brasil é 30% maior.
Mas é na União, que reúne Executivo,
Legislativo e Judiciário, onde aparecem as maiores diferenças salariais, que
chegam a 100% em alguns casos, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada.
A única esperança de uma reforma partiu, em
agosto, do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), quando
cobrou publicamente avanços no tema. Ele lembrou que há, inclusive,
Proposta de Emenda à Constituição (32, de 2020) pronta para ser votada, e que
ela não interfere em direitos adquiridos, mas somente nas regras para novos
contratados.
Em resposta, o Ministério da Gestão e da
Inovação em Serviços Públicos informou que o governo não apoia a PEC, mas que
trabalha na "modernização" da atividade.
Passado quase um ano, já é hora de a gestão Lula detalhar o que tem em mente, em vez de seguir confirmando a máxima do barão.
A natureza de Lula
O Estado de S. Paulo
Sempre que teve de escolher entre a
responsabilidade e a popularidade, Lula nunca titubeou. Haddad é o sacrificado
da vez no altar do populismo lulopetista, outros certamente virão
Os exegetas de Lula estão tendo trabalho
dobrado desde o dia 27/10, quando o presidente resolveu queimar seu ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, e dizer que a meta de déficit nas contas públicas
“não precisa ser zero”. Ruim de conta, mas bom de lábia, o petista argumentou:
“E se o Brasil tiver déficit de 0,5%, de 0,25%, o que é? Nada”.
Houve quem dissesse que Lula apenas
reconheceu a realidade. Houve quem sugerisse que Lula quis ajudar Haddad ao
livrá-lo do fardo de ter que reconhecer essa realidade. Houve quem atribuísse a
fala de Lula aos tropeços do improviso. E houve também quem considerasse que
Lula foi, na verdade, apenas ingênuo, como se ele ou não soubesse o que estava
falando ou não fosse capaz de perceber a mancada. Ou seja, há interpretações
para todos os gostos, todas dependentes de boa vontade.
A coisa toda, no entanto, é muito mais
simples: Lula da Silva funciona permanentemente no modo eleitoral. É como sua
segunda pele. Tudo o que diz e faz está diretamente relacionado a esse mister.
Isso significa que Lula, no momento em que se observa queda de sua
popularidade, perda de confiança de consumidores e empresários e uma notável
dificuldade de articulação no Congresso, percebeu que tinha de virar a chave de
seu governo.
Durante dez meses, o ministro Haddad vendeu a
fantasia do controle das contas públicas e se impôs a ousada meta de déficit
zero, sinalizando disposição de pelo menos tentar fazer a coisa certa, ainda
que pela via de aumento de receitas, e não do corte de despesas. Mas Lula não
quis nem isso: mesmo estando em começo de governo, momento ideal para propor
sacrifícios, aproveitando a legitimidade conferida pelas urnas, o presidente
refugou. Nenhuma surpresa: sempre que teve de escolher entre a responsabilidade
e a popularidade, Lula nunca titubeou. Haddad é o sacrificado da vez no altar
do populismo lulopetista, e outros certamente virão. Ao contrário do que pensam
os exegetas de Lula, o presidente não é sincero nem ingênuo – é apenas
calculista.
E nesse cálculo não cabem nem respeito aos
limites fiscais nem preocupação com a sustentabilidade da política econômica,
como ficou claro desde o segundo mandato de Lula e cujo estado da arte foi o
desastre de Dilma Rousseff – aquela que disse que “gasto é vida” e que
classificou de “rudimentar” o projeto de zerar o déficit nominal, proposto pela
equipe econômica do primeiro mandato de Lula. Como se vê, não é de hoje que o
lulopetismo sabota os que tentam impor racionalidade no manejo do dinheiro do
contribuinte.
E o inimigo também permanece o mesmo: o
mercado. “Eu acho que muitas vezes o mercado é ganancioso demais e fica
cobrando a meta que eles acreditam que vai ser cumprida”, disse Lula, ignorando
o fato de que questionar o déficit zero significaria comprometer a meta
proposta por seu próprio ministro da Fazenda e o clima favorável para a redução
dos juros pelo Banco Central.
A bem da verdade, o discurso do petista foi
apenas a reiteração do que ele havia proferido há um ano, ainda no período de
transição de governo, com críticas ao finado teto de gastos e à inexistência de
um regime de metas de crescimento, em contraponto ao de metas de inflação.
É um discurso inaceitável para um presidente
da República, que deveria saber da importância da estabilidade econômica para o
País. Não é preciso ir longe para imaginar as consequências da gastança
desenfreada na economia. Somente agora o País começou a colher os frutos da
desaceleração da inflação após a pandemia de covid-19 – e nem todo o dinheiro
que Jair Bolsonaro injetou na economia foi capaz de reelegê-lo.
Sem uma âncora crível, a inflação voltará a
subir e os juros também, não por capricho do mercado, mas porque a necessidade
de financiamento da dívida pública exige um altíssimo patamar de juros. Eis a
importância de buscar atingir o déficit fiscal zero: sinalizar um limite, ainda
que frouxo, para o avanço do endividamento. E se Lula ignora essas condições,
não é por desconhecimento ou amor à democracia, mas por apego ao poder.
A urgência de uma nova segurança pública
O Estado de S. Paulo
Este jornal defende uma tomada de consciência
a respeito do problema, seja por parte do Estado, seja pela própria sociedade.
O que foi feito até aqui é escandalosamente insuficiente
O País precisa urgentemente de uma política
de segurança pública responsável, apta a enfrentar os sintomas e as causas
dessa violência que ameaça de maneira aterrorizante a população – como a
barbárie impetrada por milicianos no Rio de Janeiro no dia 23 de outubro,
incendiando dezenas de ônibus. Até agora, as respostas do poder público foram
provisórias, imediatistas e insuficientes, com efeitos nulos ou mesmo
prejudiciais.
Goste ou não o presidente Lula da Silva do
tema, a segurança pública é uma prioridade nacional. Trata-se de uma
necessidade vital da população, que o governo federal e os estaduais não podem
ignorar - o que inclui admitir a natureza e a exata dimensão do problema, em
suas várias camadas. Por exemplo, não é possível vislumbrar um futuro de paz
sem uma educação pública de qualidade. Investir em educação é, portanto, cuidar
da segurança pública. Mas não basta educar melhor. A segurança pública envolve
medidas, atividades e tarefas específicas de prevenção, contenção e punição da
violência e da criminalidade.
Este jornal defende uma nova tomada de
consciência a respeito do problema da segurança pública, seja por parte do
Estado, em suas várias esferas, seja pela própria sociedade. O que foi feito
até aqui é escandalosamente insuficiente. Não é possível continuar fingindo que
o problema está sendo enfrentado. Não está.
Sem a pretensão de oferecer soluções mágicas,
que não existem, mencionam-se abaixo quatro aspectos referentes a uma política
de segurança pública responsável.
O primeiro aspecto é, na verdade, uma
condição: a necessidade de um novo compromisso do poder público com a segurança
pública. Como o problema é difícil e complicado – as causas são antigas e o
enfrentamento delas ultrapassa o tempo do mandato –, os governantes atuam como
se não fossem responsáveis pelo tema.
Trata-se de uma situação disfuncional e
desesperadora: todo mundo sabe que existe um problema grave, mas ninguém o
enfrenta. No máximo, tenta-se escondê-lo com medidas imediatistas e
espalhafatosas. Infelizmente, exemplos ineficazes não faltam. Caso paradigmático
foi a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro decretada em
2018, que “não fez nenhuma diferença no crime organizado”, como lembrou a
economista Joana Monteiro, coordenadora do Centro de Ciência Aplicada à
Segurança da FGV.
Segundo aspecto: toda e qualquer política de
segurança pública passa por reformar as polícias. Não basta injetar mais
recursos. Em muitos lugares, setores da polícia são parte central do problema
de segurança pública, não havendo separação entre polícia e bandido. Há
experiências positivas de recrutamento, formação e acompanhamento de agentes
policiais. O que não tem cabimento é buscar o retrocesso – por exemplo,
retirando as câmeras dos uniformes dos policiais.
Um terceiro ponto se refere aos presídios.
Muitos deles são territórios dominados por organizações criminosas – várias
nasceram lá dentro –, sendo utilizados para recrutamento de novos integrantes
das facções. É preciso melhorar as condições de controle das prisões, o que
inclui infraestrutura minimamente condizente com a dignidade humana, e repensar
seriamente quais crimes merecem ser punidos com pena de prisão. É um debate que
não pode ser adiado.
Quarto aspecto: segurança pública não é
teoria. É policiamento ostensivo, é controle sobre armas de fogo, é iluminação
pública, é resolução efetiva dos homicídios, entre outras muitas tarefas, nas
quais o Estado brasileiro tem sido manifestamente falho. No Rio, nove em cada
dez casos de homicídios não são responsabilizados depois de cinco anos. A paz e
a ordem públicas não são objetivos impossíveis, mas o poder público tem de
trabalhar.
Não urge que haja mais populismo ou que os
mesmos erros sejam repetidos. A urgência é de responsabilidade, para
desenvolver políticas de segurança pública baseadas em evidências, coordenadas
entre os diversos entes da Federação e estáveis, que não sejam trocadas a cada
novo mandato.
Banco Central cumpre roteiro
O Estado de S. Paulo
Para alívio de todos e até do governo, BC
decidiu ignorar, por ora, declaração de Lula contra a meta fiscal
Em meio a discussões no governo para alterar
a meta fiscal de 2024, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central
(BC) seguiu o roteiro esperado e reduziu a taxa básica de juros para 12,25% ao
ano. O comunicado reforçou também as apostas dos investidores sobre novos
cortes de 0,5 ponto porcentual nas duas próximas reuniões.
A decisão do Copom não surpreendeu. Há
indicadores suficientes a delinear um quadro de desaceleração da inflação e da
própria atividade econômica nos últimos meses. E, ainda que esteja em ciclo de
queda, a Selic permanece em terreno contracionista, tanto que o País retomou a
liderança no ranking mundial dos juros reais.
Para alívio de todos, inclusive do governo, o
BC decidiu ignorar, por ora, a declaração de Lula da Silva menosprezando a
importância de atingir o déficit zero no ano que vem. A despeito das
turbulências que o próprio presidente criou para si mesmo, o compromisso, ao
menos oficialmente, permanece o mesmo, o que permitiu ao BC manter inalterada a
menção à importância da “firme persecução” das metas fiscais para a ancoragem
das expectativas da inflação.
“Tendo em conta a importância da execução das
metas fiscais já estabelecidas para a ancoragem das expectativas de inflação e,
consequentemente, para a condução da política monetária, o Comitê reafirma a
importância da firme persecução dessas metas”, disse o BC.
A trégua, no entanto, tem tudo para ser
temporária. Se a frase dita por Lula não modificou a trajetória da Selic no
curto prazo, ela já alterou as expectativas sobre a inflação e a curva de juros
futuros. Segundo a última edição do Boletim Focus, a previsão para a inflação
no fim do ano que vem subiu de 3,87% para 3,90%. A projeção para a taxa básica
de juros no fim de 2024 aumentou de 9% para 9,25%, e algumas instituições
financeiras já elevaram suas projeções para um nível superior a 10%.
Não há como deixar de relacionar esses
movimentos às declarações de Lula, uma vez que a projeção para a Selic, no
Boletim Focus, permanecia inalterada há 11 semanas. Assim, todas as atenções se
voltam agora para a ata da reunião, a ser divulgada na próxima semana. O
documento, bem mais longo que o comunicado, trará mais detalhes sobre a
avaliação dos diretores sobre a conjuntura econômica.
O cenário externo tampouco tem colaborado.
Além das tensões geopolíticas, o BC mencionou que o processo desinflacionário
tem sido mais lento do que o esperado em diversos países do mundo. O Federal
Reserve (Fed) manteve a taxa básica de juros norte-americana no patamar entre
5,25% e 5,5%, o maior em 22 anos, e não descartou a possibilidade de elevá-la
em dezembro.
Nesse contexto, o governo ajudaria muito se fizesse sua parte e parasse de alimentar incertezas, mesmo porque o risco fiscal costuma ser mais relevante do que o cenário externo na definição da política monetária. Ninguém acredita que o governo conseguirá atingir o déficit zero no ano que vem, o que em nada diminui a importância de articular ações e esforços na busca pelo melhor resultado possível.
São tantos assuntos que é melhor não comentar nenhum,rs.
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