Folha de S. Paulo
País passa por fase acirrada e
particularmente burra de conflito distributivo
O Brasil passa por uma daquelas fases
acirradas de disputa por dinheiros públicos. Está pior também porque o
Orçamento está quase esgotado e há limite, econômico e/ou político,
para o aumento da carga de impostos.
Sem solução, esse conflito já terminou em inflações medonhas. Mas pode se arrastar a perder de vista, como em tantas outras questões, o que temos visto nas últimas quatro décadas de quase estagnação. Um "casamento com a mediocridade", como escreveu o economista Samuel Pessoa, em sua coluna de sábado nesta Folha. Não que o país fosse melhor antes. Preparava o impasse socialmente bárbaro em que está metido.
O conflito aparece como delírio,
desinformação, propaganda, sectarismo e desfaçatez de classe, o que costuma
passar por debate público. O grau de descaramento ora parece exorbitante.
A Reforma
Tributária e o "déficit
zero" são os ringues da vez.
Empresários costumam se juntar nesses
seminários de associações de classe ou similares, quando não raro chamam
autoridades para ressaltar o evento de propaganda. Falam de
"reformas", do "manicômio tributário", "alternativas
para o Brasil", essas papagaiadas.
Na Reforma Tributária, boa dessa gente e
profissionais liberais ricos fazem lobby para cavar favores, dinheiros. É um
caso maior do comportamento
habitual de enfiar jabutis em leis, de obter graças da Justiça, de
governador, de prefeito. Tais favores arrombam a situação fiscal e pioram o
"manicômio tributário". Acontece também em outras reformas e em
privatizações. O descaramento está grande.
Alguns pedem de fato um Orçamento mais
racional ou eficaz. No conjunto, dinamitam fundações de um prédio que, dizem,
precisa de reformas em alguns andares.
Se pudessem, empurrariam a conta toda para
quem recebe benefícios da Previdência e assistência social, para a saúde, para
servidores (sim, parte da elite dos servidores saqueia o Orçamento). Etc. Boa
parte desse empresariado não está nem aí para a razia do bem público: achando
que fariam dinheiro, apoiaram até o plano golpista de Jair
Bolsonaro.
Pode-se e se deve mexer no Orçamento, mas os
ganhos de eficiência teriam de voltar para a despesa. O país é pobrinho,
desigual e carece de investimentos.
A esquerda acha ou finge que o problema
inexiste. De acordo com a propaganda oficial, diz que o governo vai colocar o
"pobre no Orçamento e o rico no imposto". Os ricos driblam o imposto,
muita vez com ajuda do governo, e o Orçamento explodiu.
Quando se sugere a contenção do déficit,
dizem que se quer dar esse dinheiro da redução da despesa a ricos e à finança,
um delírio. Óbvio que MAIS DÉFICIT é que dá mais dinheiro a quem empresta ao
governo, os mais ricos. A alternativa seria o calote e o confisco, explícito ou
via inflação.
Sugiram isso, então.
Há triste ignorância, como dizer que metade
do Orçamento federal é gasta com juros ou com
dívida. A receita do governo paga parte das despesas primárias (como há
déficit, é preciso tomar dinheiro emprestado para pagar a conta toda). Mas a
dívida que vence e seus juros são "pagos" com novas dívidas.
O aumento da dívida, por sua vez, eleva os
pagamentos de juros (pelo passivo maior e por causa de taxas de juros maiores).
A maior parte do governo, do PT, da esquerda e dos raros economistas agregados
acha que isso não é problema.
O pobre não caberá nem em um Orçamento justo.
Mesmo entre os 20% mais pobres, mais de 60% do rendimento familiar vem do
trabalho (uns 18% de previdência e outros rendimentos). É fácil perceber que,
para se dar conta da miséria, é preciso mais crescimento: mais trabalho e
salário.
O Bolsa Família já
é 46% do salário mínimo. O mínimo equivale a 48% do salário médio. Mas metade
das pessoas ocupadas ganha menos do que uns R$ 1.800. Logo, o mínimo equivale a
uns 73% do salário mediano. Mesmo um aumento enorme de imposto ou de déficit
não arranharia o problema.
O país precisa, sim, de mais impostos, mas há
limites também para isso. O dinheiro novo não cobrirá parte relevante do
déficit total (primário mais juros). Assim a dívida e seus efeitos negativos
sobre o crescimento continuarão a aumentar.
É um impasse grave que aparece na conversa
como esse monte de ideologia, ignorância e propaganda.
Pois é.
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