Folha de S. Paulo
Presidente eleito por ora não dá sinal de
governo de coalizão e mantém núcleo duro de seu programa
Javier Milei disse
a uma rádio que não vai ser chantageado por sindicatos ou movimentos sociais em
geral. Mais específico, disse que não vai ser "chantageado pelos
violentos" nas ruas —para estes, "a lei", para o que conta com o
apoio das forças de segurança.
Seria uma obviedade sem significado maior se
não fosse a situação do país, o plano de "ajuste" que virá e a longa
e ainda forte tradição argentina de
movimentos sociais na rua.
De mais recente sobre o futuro do governo, está se vendo que Milei nomeou e pretende nomear gente sua para os poucos (oito, parece) ministérios que restarão. Já o fez para três cargos ministeriais e para a chefia de gabinete, entre outros cargos de primeiro nível (para alguns dos quais nomeou gente sem experiência alguma). O pessoal do aliado e ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) ficaria no apoio técnico, como "subs". Para o Banco Central vai Emilio Ocampo, guru da dolarização de Milei.
Gente da "Libertad Avanza",
coalizão vitoriosa, vaza para os jornalistas argentinos que não haverá governo
de coalizão, embora o grupo de Milei conte com apenas 38 dos 257 deputados da
Câmara. Mesmo com o pessoal de Macri e da direita normal, não faz maioria.
O presidente eleito da Argentina tem dito
também que o ajuste não será pago pelo povo comum. Seria pago pela casta de
privilegiados da política.
É uma velha ficção demagógica, que cola
também no Brasil —se não fossem os privilégios dos "políticos", o
excesso de ministérios e tolices tristes assim, haveria dinheiro para tudo. É
espantoso, mas é uma opinião comum de tanta gente que jamais deu uma olhada nem
em resumos jornalísticos do que é o orçamento do governo, tanto faz se
argentino ou brasileiro.
Milei disse também que os primeiros seis
meses de seu governo serão "duros", uma espécie de obviedade
otimista, se por mais não fosse porque já afirmou que pretende controlar
a inflação no
prazo de um ano e meio a dois anos. Prevê-se
outro ano de recessão em 2024.
Seja lá qual for o seu plano, haverá
sofrimento social grande, mais ou menos inevitável a depender da inteligência e
viabilidade política do que vá fazer.
Mas é inevitável que a conta seja paga por
trabalhadores, pois a inflação ainda vai longe; por quem recebe subsídios em
tarifas de serviços públicos (como energia); por quem vai sofrer os impactos
mais agudos da grande desvalorização do peso que virá, que vai bater
diretamente no preço da comida (carne inclusive) e combustíveis.
Será paga por quem não tem dólares ou ativos
reais em que teria podido preservar o dinheiro da inflação.
Tendo conseguido quase 56% dos votos, parece
que Milei teria alguma base social para seguir seus planos, sem governo de
coalizão e fazendo desde já ameaças aos movimentos sociais e aos peronistas
mais esquentados. De início, pode ser. No entanto, 46% dos eleitores de Milei
de segundo turno nele não votaram na primeira rodada da eleição presidencial.
Votaram contra o desastre peronista.
Não se sabe quem será o ministro da Economia,
motivo daqueles chutes e especulações pré-governo que conhecemos tão bem. Mas
talvez se possa especular quanto vai durar esse incógnito ministro da Economia
em um país que passará por um ajuste duro (ou caos sem ajuste) e por quanto
tempo Milei poderá governar "sem coalizão". Pouco.
Ao menos em público e mesmo em análises de
jornalistas e de consultorias econômicas argentinas, não há sinal de algum
acordo político maior de Milei, que tampouco largou o núcleo do seu programa,
ao menos da boca para fora.
Por enquanto, Milei vai à luta tal como é.
Suscitou comparações com Jair
Bolsonaro. Corre o risco de ser uma variante de Fernando Collor.
Pois é.
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