Folha de S. Paulo
Déficit zero continua; governo pode cuidar de
imposto mais justo e desenvolvimento verde
Não vai haver mudança na meta de equilibrar
receitas e despesas em 2024, diz o governo. Vai levar um tempo para consertar o
estrago feito pela hipótese de cancelar o "déficit zero", aventada
pelo próprio presidente da República. Mas é uma boa notícia, que se soma à
possibilidade agora maior de que as taxas de juros nos
EUA não fiquem tão salgadas por tanto mais tempo.
O governo promete se dedicar a atividades
úteis. No ano que vem, vai propor a reforma do imposto de renda, mudança com a
qual pretende reduzir desigualdades gritantes. Antes disso, vai apresentar
medidas que cancelam privilégios tributários. Em breve, diz que vai mostrar o
plano de desenvolvimento econômico "verde".
E daí?
É provável que, no atacadão de dinheiro, as
taxas de juros de todos os prazos fiquem enfim abaixo do nível em que estavam
no início de agosto, quando a Selic começou
a baixar da altura de 13,75%. Taxas menores diminuem o custo de financiar
déficits e dívidas do governo, dos investimentos produtivos das empresas, do
crédito nos bancos.
Também importante, a manutenção da meta não
incentiva (ainda mais) a abertura das porteiras de gastos nos outros Poderes.
Isto é, o Supremo fica menos inclinado a tomar decisões que ignorem a realidade
_o governo tem conversado a respeito com os ministros do STF. O Congresso fica
menos animado a aprovar despesas impagáveis, muita vez para bancar interesses
particularistas e privilégios. O Executivo continua com o argumento de que se
esforça para conter dívida e déficit, para o que precisa de aumento de impostos.
Houve danos. Em março do ano que vem, o
governo federal faz sua primeira revisão oficial de receitas e despesas. Até
lá, vai ficar a suspeita de que possa mudar a meta a fim de evitar cortes em
despesas tais como investimento em obras, equipamentos etc.
A suspeita tem custo real. Enquanto ficar no
ar a hipótese da mudança da meta apenas para evitar corte de investimentos, os
juros serão algo mais altos do que poderiam ter sido.
O pessoal do governo diz que
"nunca" discutiu mudança de meta. Ahã. Se tivesse sido o caso, teria
bastado soltar uma nota incisiva no 27 de outubro em que Luiz Inácio Lula da Silva
levantou tal hipótese, em público.
A meta de "déficit zero" é um
reforço do arcabouço fiscal, o teto móvel de gastos meio relaxado do governo
Lula 3. O arcabouço prevê um limite para o crescimento da despesa, que
provavelmente será sempre menor do que o aumento da receita (desde que a
receita cresça mais do que 0,6% em termos reais, por ano). Assim, em algum
momento haveria superávit primário (receita maior do que a despesa, afora gasto
com juros).
Mas isso vai acontecer a perder de vista. As
metas fiscais do governo para os próximos anos procuram antecipar o superávit,
necessário para conter o crescimento da dívida pública. Caso não sejam
cumpridas, a lei impõe restrições adicionais ao aumento do gasto. Mudar a meta
é adiar "sine die", até a tarde do dia de São Nunca, o controle da
dívida. Aí, vamos para o vinagre, devagar e sempre, com risco maior de
revertério feio.
É quase impossível cumprir a meta de 2024, de
fato. Mantê-la, porém, vai impor disciplina e expectativas de que as metas
sejam cumpridas nos anos seguintes.
Vai haver corte, então, de gasto em obras etc. em 2024? Quase certamente sim. Será ruim, se os investimentos previstos sejam prestantes (um enorme "SE"). O outro lado da moeda de não conter gastos, na situação atual, é fazer com que as taxas de juros fiquem mais altas e, assim, investimento privado e crédito sejam prejudicados. O investimento federal é mínimo em relação ao total do investimento privado. Lula ouviu isso de Fernando Haddad.
''Muita vez'' ou muitas vezes?
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