Em verdade, enquanto o Executivo vale-se da maioria absoluta de representantes dos seus partidos de sustentação, na Alta Corte; no Judiciário, esses ministros em "lua de mel" com o Planalto, valem-se da tramitação de denúncias de malversação de fundos, fraudes nas campanhas eleitorais, mal uso de emendas orçamentárias - recursos do Tesouro destinados a cada deputado e senador - que tramitam, por anos, nas gavetas dos seus ministros passando de mãos em mãos. E, não é pouco o dinheiro público aplicado por esta via, envolvendo parlamentares, governadores e prefeitos de várias gestões. Para o Orçamento de 2024 estão previstos R$37, 4 bilhões para serem distribuídos aos 600 congressistas.
Ao despedir-se do STF, Rosa Weber, informou que por ali tramitam atualmente cerca de envolvendo parlamentares 22 mil processos. Ao longo deste ano, foram proferidas 87.983 decisões, das quais 75.351 (85,64%) foram monocráticas e 12.632 colegiadas (14,36%). Sob a sistemática da "repercussão geral, cinquenta e dois novos temas foram examinados pelo Supremo, sendo confirmada a jurisprudência da Corte em apenas dez. Além disso, 9.602 processos foram devolvidos à origem para aplicação da sistemática da "repercussão geral".
Como se vê, decisões monocráticas - que alimentam uma enorme quantidade de recursos, a corrupção e a desobediência aos princípios constitucionais - ganham no STF, formas próprias, cujos vestígios de uma "lua de mel" com o Planalto, envolvem, não apenas os parlamentares, mas governadores e prefeitos. Prato cheio para a imprensa, que não tem como esconder dos cidadãos esses rituais e comportamentos imaginados como invisíveis nas instâncias administrativas e de fiscais do Estado.
Depois de tantas ameaças e desqualificações contra o Legislativo, Lula indicou para o Supremo " amigos e partidários e companheiros"- atitude que na campanha foi condenada por ele. Lá está Cristiano Zanin, seu advogado particular, e agora tenta emplacar Flávio Dino um militante político com vocação inclusive autoritária, com o propósito de assegurar a maioria na Corte. Os escolhidos foram festejados, prematura e inconstitucionalmente, por ministros do STF, antes da sabatina no Senado. Para completar, o desafio claro à imprensa e à Constituição, o Supremo decidiu estender às empresas jornalísticas suas retaliações, desengavetando um processo de 1968, em pleno regime autoritário, para tentar amordaçar a mídia convencional.
Mantida a autonomia individual desses ministros em decisões monocráticas sobre políticas públicas (85,64%) temas que, em sua maioria, não lhes dizem respeito, seria ajudar a pavimentar uma via para o desconhecido. O governo do Partido dos Trabalhadores, há quase vinte anos no Poder, já detém a maioria dos votos no Supremo. Sete dos 11 ministros foram nomeados por Lula e Dilma: Carmen Lúcia, Dias Toffoli, Luís Fux, Cristiano Zanin, Luiz Carlos Barroso e Édson Fachin. Se aprovado pelo Senado, Flávio Dino, vai ocupar a vaga de Lewandowski. Se não houver redução do tempo de exercício dos ministros no Supremo, em exame no Congresso, Zanin, que combateu abertamente a Lava Jato, e Dino, que se exibe ideologicamente até nos carnavais, vão permanecer no STF até 2050.
Sem qualquer constrangimento, alguns dos atuais ministros convivem explicitamente no mundo empresarial, indiferentes a um código de conduta, frequentando, encontros em resorts de luxo, a título de fazer palestras. São esses os primeiros a justificar as decisões monocráticas. O atual Presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, em suas palestras por aí, denuncia a baixa representatividade e o alto custo do Parlamento Brasileiro. Menos de 5% dos deputados, segundo ele, são eleitos por votos dados diretamente a eles. Os demais, elegem-se com votos dos não eleitos. Sisudo, impreciso e teatral, Gilmar Mendes, também inconformado com o encaminhamento, no Congresso, do fim das decisões monocráticas, ufana-se de ser um dos que barrou a Lava Jato - aquele julgamento sobre um rombo de bilhões de reais contra o Tesouro Nacional. Adverte sinistramente aos parlamentares, como se fosse já o seu algoz. Soa como uma ameaça ao Parlamento: "Não façam isso!" Já foi feito, no Senado (58 a 18). Agora é com a Câmara dos Deputados.
A ministra Carmen Lúcia dá materialidade à questão lembrando duas teses capazes de incomodar as lideranças políticas regionais. Fala em nome de uma tal “moralidade constitucional", com a qual pretende-se acabar com as pensões vitalícias dos governadores e seus dependentes, decisão que deveria passar antes pelo Tribunal de Contas da União, uma extensão do Senado Federal, e pelo próprio Congresso.
É isso. Chega-se ao final de 2023, exercício dedicado a combater intensamente o bolsonarismo: uma promoção. O Executivo está ansioso. Quer aprovar facilidades para o ano eleitoral de 2024, no Orçamento da União e na Reforma Tributária. Lá estão os tais Fundos de Compensação”, pelos quais o governo federal assumiria o controle político (gestor) de todo o dinheiro arrecadado no País, reduzindo a autonomia financeira dos estados e municípios. Em "lua de mel" ainda com o Executivo, os ministros do Supremo acompanham silenciosos a questão, que está nas mãos do Congresso. Trata-se de um tema constitucional, que pode parar lá no STF.
Então, provavelmente, a partir de 2024, não haverá mais soluções monocráticas de ministros do STF, a menos que surjam agrados políticos e financeiros nesse fim de ano, atravessando o exame do assunto na Câmara. Tudo isso faz sentido, mas, na maioria das vezes, sentidos ocultos, cujo acesso só é alcançado por quem entende de "piscadelas"...Para o próximo ano, já se fala na retomada da CPI da Lava Toga, apagada da agenda em 2019.
*Jornalista e professor
Que nome e sobrenome!
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