Folha de S. Paulo
Com alertas, anos de demora e peso político,
caso não pode ser chamado de acidente
Parte de uma capital com quase 1 milhão de
habitantes pode virar
uma cratera. A prefeitura de Maceió montou
uma operação para retirar moradores dos arredores de uma mina que entrou em
risco de colapso. A região afundou quase 1,5 metro e, até a noite de sexta
(1º), ainda baixava ao ritmo de um centímetro por hora.
É um daqueles desastres em câmera lenta, que não podem ser descritos como acidentes. A Braskem começou a retirar sal-gema das minas da cidade na década de 1970. A atividade se mostrou lucrativa e duradoura. A empresa e o poder público demoraram a se interessar pelo impacto dessas décadas de exploração.
Há mais de dez anos, pesquisadores publicaram
alertas sobre o risco da mineração em áreas de Maceió. Em 2018, um tremor de
terra provocou o afundamento de cinco bairros e obrigou 60
mil moradores a saírem da região. A Braskem só começou a fechar as
minas um ano depois.
O estrago tinha sido feito, mas ainda estava
longe do fim. A empresa declarou que iniciou "ações para mitigação de
riscos e reparação" em 2019. Faltou explicar por que, então, tantas
famílias passaram a última semana expostas ao risco de colapso.
A Braskem tentou rachar a conta com as
autoridades. Disse que a exploração de sal-gema sempre foi "fiscalizada
pelos órgãos públicos competentes e com todas as licenças necessárias para sua
operação".
A empresa não vai se livrar da
responsabilidade, mesmo que seja impossível aliviar a barra dos governantes. Em
todas essas décadas, Alagoas foi comandada por alguns dos grupos políticos mais
poderosos do país. A Braskem financiou campanhas de muitos desses clãs
—incluindo Lira, Calheiros, Collor e Caldas.
A influência dos políticos pode acelerar um
socorro tardio à capital, ao custo de uma briga por protagonismo. Prefeitura e
governo do estado, controlados por grupos diferentes, montaram gabinetes
separados para lidar com a crise. Em entrevistas nos últimos dias,
representantes concorriam para saber quem falava
mais grosso contra a Braskem.
Pois é.
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