O Estado de S. Paulo
A delegação de amplos poderes ao presidente é a chave da estabilidade do presidencialismo
De acordo com Peter Smith no livro “Democracy
in Latin America”, os países da América Latina tiveram pelo menos 167 quebras
de regimes democráticos no século 20. Uma média de 1,6 episódios autoritários
por ano ou 8,8 por país. Essa distribuição, entretanto, foi desigual: Bolívia,
experimentou 15 quebras democráticas no período; Haiti 14; Argentina 6; Brasil
2; Costa Rica 2; Uruguai e Chile apenas 1.
Nas primeiras duas décadas do século passado,
já haviam ocorrido 40 golpes na região. Por outro lado, desde o início do
século 21, só existiram 2 quebras democráticas na América Latina: Venezuela e
Nicarágua.
Por que as democracias na América Latina não quebram como costumavam quebrar no século 20? Qual “milagre” institucional foi capaz de gerar tamanha estabilidade em uma região até bem pouco tempo marcada por uma sucessão de crises de governabilidade? Essa foi uma das perguntas que motivou a conferência que celebrou quatro décadas da terceira onda de democratização na região latino-americana, realizada na Universidade Torcuato Di Tella, Buenos Aires, nos dias 27-28 de novembro de 2023.
Foram discutidos vários elementos que têm
contribuído para essa mudança radical. Por exemplo, fatores externos, como o
fim da Guerra Fria; períodos democráticos mais longos por meio de sucessivas
eleições livres e competitivas com alternância de elites políticas no poder;
maior crescimento econômico com inclusão social, diminuição de pobreza e
desigualdade; traumas coletivos de experiências anteriores de governos
autoritários e violentos; etc.
Argumentei que o fator chave para a robustez
democrática na América Latina foi o fortalecimento do executivo em um ambiente
multipartidário, por livre escolha do legislativo. A grande maioria dos países
da região já era presidencialista e multipartidário. Mas com uma diferença
institucional relevante. Os presidentes, além de minoritários, eram
constitucionalmente muito fracos e, não raro, tornavamse rapidamente reféns de
maiorias opositoras no Congresso.
Diante desse aprendizado institucional,
legisladores decidiram delegar uma ampla gama de poderes constitucionais,
orçamentários e de agenda para os chefes do executivo. Uma vez poderosos,
presidentes passaram a ter condições de atrair apoio legislativo sustentável
por meio de coalizões legislativas majoritárias e estáveis.
O que tornava, portanto, as democracias latino-americanas instáveis e frágeis não era o presidencialismo junto com multipartidarismo, como se costumava a acreditar. Mas quando essa combinação institucional era acompanhada de presidentes fracos.
Pois é.
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