quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Christopher Garman* - As duas lições de 2023, e o que elas sugerem para 2024

Valor Econômico

O Congresso não será um obstáculo intransponível a novas medidas para aumentar as receitas

2023 está terminando e, com ele, o primeiro ano do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na economia, os resultados pegaram muitos analistas de surpresa: estimativas de crescimento surpreenderam para cima, e a inflação ficou abaixo do esperado. Mas, em termos políticos, o balanço traz algumas lições - e duas, principais, dão pistas sobre 2024.

A primeira diz respeito ao modus operandi do presidente Lula; a segunda, à atuação do Congresso. A combinação delas sugere que a equipe econômica estará mais na defensiva em 2024, mas, ao mesmo tempo, que o Congresso não será um empecilho intransponível para novas medidas de receita.

No início do ano, muito se especulava sobre qual seria o Lula deste terceiro mandato: o presidente mais pragmático visto em seu primeiro governo, ou um mais afeito às políticas adotadas pela ex-presidente Dilma Rousseff, que geraram as bases para a catástrofe econômica de 2015-2016. O que se viu em 2023 não foi nem um nem outro.

O presidente certamente mostrou uma dose de pragmatismo. Ele defendeu a posição de seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de manter a meta de inflação inalterada em 3% e endossou tanto a reforma fiscal quanto a estratégia de focar na aprovação de uma reforma do IVA com potencial de aumentar a produtividade da economia e adiar uma reforma da tributação sobre a renda. Mas Lula também surpreendeu, no início do mandato, pela sua fala belicosa contra o setor privado (os ‘ricos’), pelos ataques ao Banco Central e sua política de juros, e por um aumento de gastos maior que antecipado pela PEC da Transição.

Assim, a primeira lição de 2023 é que ficou claro que o “novo” Lula nasce de um país muito mais polarizado, dividido, e de um eleitorado fortemente desencantado com o “sistema”. Ele, e boa parte da cúpula de seu partido, enxerga a oposição bolsonarista como uma ameaça não só ao seu governo, como ao estado democrático de direito. Esse temor acaba influenciando muitas de suas decisões.

Neste contexto, é mais fácil entender por que o governo aumentou tanto os gastos em 2023 para depois aprovar uma regra fiscal que limita as despesas no futuro. A lógica de fazer um ajuste fiscal no primeiro ano e perder aprovação popular para depois crescer à frente não vale se o custo for abrir as portas para uma oposição “antidemocrática”. O governo evidentemente paga um preço com essa estratégia, ao prejudicar a capacidade do Banco Central para reduzir juros. Mas o raciocínio político é guiado pelo temor de criar condições para que oposição se mobilize.

Esse mesmo receio explica por que o presidente Lula abriu as portas para um debate sobre a meta fiscal do próximo ano: foi só uma queda modesta em seus índices de aprovação e dificuldades econômicas dentro e fora do país que o levaram a criar um vendaval de discussões sobre a meta fiscal para o próximo ano, gerando um desgaste para sua equipe econômica.

Isso sugere que o ambiente será mais adverso para o time de Fernando Haddad em 2024, já que é provável que o presidente perca apoio popular nos próximos seis a oito meses. A grande surpresa política do ano foi a aprovação do presidente Lula, que segue quase idêntica à de quando foi eleito: ao redor de 50%-52%, em média, no aprova/desaprova. A taxa subiu entre março e setembro com a queda no preço de alimentos, e recuou levemente nos últimos dois meses.

Em um país dividido e polarizado, uma queda para entre 41%-45% é completamente natural e esperada. Foi esse o patamar em que o ex-presidente Jair Bolsonaro navegou boa parte de seu mandado, assim como Trump e Biden nos Estados Unidos. Na América Latina, são raros os presidentes com aprovação acima de 50%. O recuo nos preços dos alimentos evitou uma queda da aprovação no primeiro ano. Mas a desaceleração da economia e a falta de um “choque positivo” devem puxá-la para baixo em 2024.

Logo, a dúvida é como Lula reagirá a essa queda. Com apoio popular em queda, ele deve pedir à sua equipe medidas para manter apoio popular. É provável que ele pressione sua equipe econômica no debate vindouro sobre as metas fiscais de 2025 e a redefinição da meta de 2024 caso a receita frustre as expectativas de seu governo. O tensionamento entre a política monetária e o Palácio do Planalto também devem voltar à tona quando o Banco Central parar de cortar juros.

A segunda lição política do ano veio do Congresso, com um balanço misto. De um lado, o governo conseguiu aprovar quase toda sua agenda econômica prioritária: a nova regra fiscal, a reforma estruturante do IVA e, quase sem exceção, todas as medidas de aumento de receita - mesmo que todas tenham sido diluídas. Incluem-se aí preço de transferência, mudanças no Carf, fundos exclusivos e offshore, juros sobre capital próprio e a redução do uso das subvenções sobre o ICMS. A previsão de que o congresso seria uma barreira para medidas de aumento de carga tributária não se cumpriu.

O Congresso, no entanto, se provou um empecilho a matérias de interesse do governo fora da agenda econômica. O Legislativo aprovou medidas como o marco temporal, transferiu competências do Ministério do Meio Ambiente para outras pastas, rejeitou a tentativa do governo de voltar atrás na reforma do saneamento e, por fim, aumentou ainda mais seu controle sobre o Orçamento. O Congresso se mostrou mais conservador, mas bastante cooperativo nos assuntos econômicos.

Em 2024, uma versão desse padrão deve se manter, mas em termos mais difíceis. A equipe econômica estará ansiosa por receitas, e o Congresso terá caminho aberto para aprová-las. A regulamentação do IVA deve avançar. Mas, com Lula perdendo um pouco de apoio popular, a oposição estará mais mobilizada, e o “custo” de aprovar essas medidas deve crescer.

*Christopher Garman é diretor-executivo para as Américas do grupo Eurasia.

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