Folha de S. Paulo
Oposição radical a aborto, jogo e drogas
revela inconsistências do pensamento conservador
Lula e Paulo Gonet se identificam na oposição
ao aborto; o Congresso ficou a um triz de não regulamentar os cassinos online,
o que teria significado abrir mão de arrecadação para países menos moralistas;
até o STF, aí mais por razões pragmáticas, preferiu adiar sine die o julgamento
que descriminalizaria o uso de drogas.
Eu entenderia a posição dos conservadores se existissem iniciativas para tornar aborto, jogo e drogas obrigatórios para todos. Mas esse está longe de ser o caso. Quem é contra essas atividades sempre será livre para não praticá-las. Uma outra situação em que eu compreenderia a atitude conservadora é se a descriminalização/regularização trouxesse claros efeitos antissociais adicionais. Não me parece que seja o caso.
Se as mulheres forem livres para decidir
quando terão filhos, a sociedade ficará mais e não menos organizada. No caso
dos cassinos online, a posição da bancada da Bíblia é comicamente burra. Já é
possível jogar de quase qualquer ponto do território nacional e sem violar
leis, bastando acessar sites lotados no exterior. A recusa em regulamentar
essas apostas apenas faz com que outros países se apropriem dos impostos
gerados pelos jogos feitos aqui.
A questão das drogas é mais complexa. É óbvio
que um maior consumo de drogas geraria mais ônus sociais. Mas a experiência de
vários países que descriminalizaram/legalizaram mostra que a mudança de
paradigma não provocou uma explosão de consumo. Na maioria deles, o álcool, que
a sociedade tolera sem maiores dramas de consciência, continua sendo um
problema maior que outras substâncias.
Há, por fim, as objeções religiosas. Não sou
teólogo, mas elas me parecem quase blasfemas. Se existe um Deus e ele é
onipotente e radicalmente contra aborto, jogos e drogas, não necessita de ajuda
humana para punir aqueles que considera faltosos. Apenas imaginar que precise
já deve configurar algum tipo de pecado.
A pior droga que temos é a cerveja.
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