Valor Econômico
Avanço do país rumo à normalidade
institucional foi vitória maior do que a longa lista de propostas aprovadas no
Congresso, segundo ministro
“Estou precisando cortar o cabelo”, brincou o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na manhã da última sexta-feira. Foi uma
forma de expressar como havia sido intensa a rotina dos dias anteriores, no
esforço de aprovar propostas até o último minuto antes do início do recesso do
Legislativo.
O ministro da Fazenda estimou que, naquela
semana, havia telefonado para “uns 40” senadores para explicar a Medida
Provisória (MP) 1.185, a das subvenções, com a qual pretende reforçar o caixa
em R$ 35 bilhões no ano que vem. São recursos decisivos para o objetivo de
alcançar o déficit zero nas contas públicas em 2024.
Depois que a medida provisória foi aprovada,
na quarta-feira (20), alguns especialistas refizeram suas projeções para o
resultado fiscal do ano que vem, comentou e repetiu Haddad com uma ponta de
satisfação. Não contavam que passaria.
A negociação da MP foi tão difícil que não deixou tempo para celebrar a promulgação da reforma tributária, possivelmente o maior feito econômico deste mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Logo após a cerimônia, Haddad e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), saíram às pressas para se reunir. Pouco depois, o ministro estava no plenário do Senado ajudando nas articulações finais.
Havia discussões sobre pontos técnicos, mas
um negociador que trabalhou contra a MP comentava que a motivação para a
resistência era outra: senadores queriam a liberação de mais recursos de suas
emendas ao Orçamento.
A aprovação da MP 1.185, por difícil e
importante que tenha sido, não é o principal saldo do ano, na visão do
ministro.
Para ele, a grande vitória de 2023 é o avanço
do país rumo à normalidade institucional. Mais do que a longa lista de
propostas aprovadas no Congresso, que buscam modernizar a economia, ele
considera que a marca deste ano foi a reconstrução de pontes. “Termino o ano
olhando para trás e dizendo: poxa vida, nós avançamos.”
Nunca será demais lembrar que na véspera do
Natal de 2022 um apoiador do então presidente Jair Bolsonaro tentou explodir um
caminhão de combustível nas proximidades do aeroporto de Brasília. Outros
integrantes do grupo tentaram derrubar torres de transmissão de energia. No dia
8 de janeiro, invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso
Nacional e a sede do Supremo Tribunal Federal.
Houve o risco de Lula “não levar” a
Presidência da República, comentou o ministro. Hoje, porém, o Brasil é “um país
normal”.
As pontes criadas com o Legislativo abriram
caminho para a aprovação das reforma tributária, do arcabouço fiscal e de
outras propostas. Com o Judiciário, foi possível desatar nós bilionários.
A pacificação ocorreu também na relação com o
Banco Central, que começou o ano tensionada.
Roberto Campos Neto, que em fevereiro foi
chamado por Lula de “esse cidadão”, chegou ao fim de dezembro comendo churrasco
na Granja do Torto, integrado aos demais convidados, segundo relatos colhidos
pelo repórter Renan Truffi, deste jornal.
“Herdamos uma institucionalidade
desafiadora”, comentou Haddad, referindo-se ao fato de o atual presidente do
Banco Central, escolhido pelo governo anterior, ter mandato até o fim de 2024.
Na sua visão, o relacionamento evoluiu porque houve diálogo respeitoso e os
argumentos do Ministério da Fazenda puderam sensibilizar a diretoria da
autoridade monetária.
“Não significa convergência de perspectivas
teóricas”, ressalvou. “Talvez a gente se mantenha diferente.”
Por exemplo: o ministro pontuou na
sexta-feira que o único indicador negativo da economia ao final de 2023 é a
Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF). O investimento privado seguiu
negativamente influenciado pelos juros elevados. A Fazenda era de opinião que
os cortes na taxa Selic podiam ter começado em junho, logo após a aprovação do
arcabouço pela Câmara, e não em agosto.
Por outro lado, dizer que os cortes na Selic
poderiam ter começado há mais tempo não é crítica à autonomia do Banco Central,
disse Haddad. Da mesma forma, os alertas do Comitê de Política Monetária
(Copom) quanto à necessidade de avançar no ajuste fiscal não são ataque direto
a ele.
A relação do Executivo com o Congresso, por
sua vez, vive um “novo normal”, comentou o ministro. Ele avaliou que a
aprovação de sua pauta ocorreu com base em explicações e bons argumentos.
Reconheceu, porém, que foi necessário fazer concessões.
Não é questão de dizer se é bom ou ruim, mas
uma realidade com a qual será necessário lidar “com sensibilidade”, comentou.
Um sinal do crescimento do poder do Congresso
é o volume recorde de R$ 53 bilhões destinados a emendas de parlamentares ao
Orçamento. A margem de manobra do Executivo é cada vez menor.
Tal como ocorreu neste ano, não serão poucos os desafios a serem enfrentados por Haddad e sua equipe em 2024. Sobretudo, será necessário reafirmar o compromisso do governo com o arcabouço fiscal e prosseguir com reformas. O fato de esses debates ocorrerem em um ambiente democrático e institucional é algo a ser celebrado.
Pois é.
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