Correio Braziliense
Para fechar com chave de ouro a LDO, os
recursos destinados às eleições municipais passaram de R$ 900 milhões para
surreais R$ 4,9 bilhões
Alguém já disse que a política é a economia
concentrada. Via de regra, acompanhamos a política econômica a partir das
decisões dos ministérios da Fazenda e do Planejamento, não damos muita atenção
às decisões de natureza econômica tomada pelo Congresso, muitas vezes no âmbito
das comissões técnicas da Câmara e do Senado, que deliberam em caráter
terminativo no caso de leis ordinárias, exceto quando há recurso ao plenário.
Damos mais atenção às articulações de bastidor e à trama política para ocupação
de espaços de poder na votação dessas matérias. A grande exceção é a aprovação
do Orçamento da União.
O Congresso aprovou, nesta terça-feira, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, que estabelece as regras para elaboração do Orçamento do ano que vem, que ainda será votado. Gastos e as metas são detalhados no Orçamento, mas as regras do jogo são estabelecidas pela LDO. A grande novidade deste ano não foi o avanço em relação aos investimentos do governo federal, que já vinha ocorrendo ano a ano, mas o calendário para excecução obrigatória dessas emendas pelo Executivo.
Até então, essa era uma prerrogativa do
Ministério da Fazenda, habilmente usada como moeda de troca pelo Palácio do
Planalto na aprovação de seus projetos. Entretanto, com o calendário, o governo
ficou ainda mais refém do Parlamento. O colégio de líderes e, portanto, o
próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também perderam poder de
intermediação das demandas do chamado “baixo clero” da Casa junto ao governo, o
que vai tornar ainda mais complexa a relação entre o Executivo e o Legislativo.
As emendas impositivas são as individuais, ou
seja, de autoria de cada deputado ou senador, e as de bancada são emendas
coletivas destinadas aos estados. De autoria do deputado Danilo Forte
(União-CE), agora a LDO prevê que o empenho (reserva) dos recursos deve ser
feito 30 dias após a divulgação das propostas.
Como 2024 é um ano de eleições municipais, o
pagamento deve ser feito no primeiro semestre de 2024, por meio de
transferências fundo a fundo, da União para os entes federados, nas áreas de
saúde e assistência social. Estão previstos R$ 48 bilhões para esses gastos,
que não têm nenhum compromisso com os projetos estruturantes do governo
federal, mas, sim, com os interesses imediatos da maioria dos parlamentares nas
suas bases eleitorais.
O governo poderá contingenciar o pagamento
apenas no caso das emendas de comissões da Câmara e do Senado, que não são
impositivas, porém, na mesma proporção das suas despesas discricionárias, que
não são obrigatórias. Ou seja, em vez de contingenciar, foi contingenciado a
não adiar o pagamento de emendas. Em vez de investir em projetos estruturantes,
terá de fazer um corte linear. Essas emendas foram “anabolizadas” após o
Supremo Tribunal Federal (STF) acabar com o chamado orçamento secreto,
considerado inconstitucional.
‘Fundo eleitoral
Segundo a LDO, pelo menos 0,9% da receita
corrente líquida (RCL) de 2022 será destinado às emendas de comissão, sendo
dois terços para a Câmara e um terço para o Senado. São mais R$ 11,3 bilhões
sob controle de deputados e senadores. Em 2002, foram R$ 329,4 milhões; neste
ano, R$ 6,9 bilhões. Agora, quase dobrou. Forte, porém, manteve a meta de
deficit zero para 2024, o que atende à narrativa da equipe econômica, mas
parece até cinismo diante da voracidade do Congresso em relação ao Orçamento da
União de 2024.
O fato de R$ 5 bilhões em investimentos do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) terem ficado fora da meta fiscal
das estatais federais corrobora a sensação de que a meta de deficit zero foi
mantida por mera formalidade, embora isso possa ter consequências muito sérias
para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se não for cumprida, em caso de
perda de sustentação no Congresso. Poderá até ser pretexto para um impeachment,
vide as famosas pedaladas fiscais do governo Dilma Rousseff, se a meta não for
alterada em caso de deficit fiscal.
Para fechar com chave de ouro a LDO, os
recursos destinados às eleições municipais passaram de R$ 900 milhões, o que
era irreal, para surreais R$ 4,9 bilhões, que serão administrados pela cúpula
dos partidos. A lei ainda não prevê a origem desses recursos, o que vai gerar
uma queda de braços entre o Executivo e o Congresso na hora de aprovar o
Orçamento de 2024: a Fazenda quer que o dinheiro saia das emendas de comissão,
os parlamentares pretendem pongar os recursos do PAC.
Haja dinheiro pra tanta gastança!
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