quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Merval Pereira - Estímulo à radicalização

O Globo

Lula e Bolsonaro continuam estimulando a radicalização

O que aconteceu ontem no plenário da Câmara, na solenidade de promulgação da reforma tributária, retrata o nível de polarização de nossa política, que impossibilita avanços democráticos sólidos. Saudado pelos seus como “guerreiro do povo brasileiro”, o presidente Lula foi agredido pelos bolsonaristas: “Lula, ladrão, seu lugar é na prisão”.

Nenhum dos dois grupos poderia ter usado a cerimônia para ação partidária tão mesquinha, já que se comemorava uma reforma que há dezenas de anos é buscada por diversos governos e foi afinal alcançada por meio de negociações e concessões com o Congresso, cujos líderes assumiram para si, justamente, o sucesso da empreitada. Até mesmo as excessivas concessões devem-se a ele.

Não foi uma vitória simplesmente do governo, que não tinha maioria para isso, nem dos bolsonaristas, que não superaram o Centrão no controle das negociações. A expectativa de sucesso é tão grande que o plenário da Câmara estava extemporaneamente lotado, todos ávidos por tirar uma “casquinha” do momento, às vésperas das eleições municipais.

Se houve um vencedor, foi o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que sempre acreditou na possibilidade de acordo. Ele conseguiu manter uma relação civilizada com os presidentes da Câmara, deputado Arthur Lira, e do Senado, senador Rodrigo Pacheco, criando um ambiente propício às negociações. O governo do presidente Lula ficará marcado como o que aprovou a reforma tributária, e não será uma bazófia das que Lula gosta de contar.

Mas o PT, que tentou derrubar a meta de déficit zero e brigou tanto quanto o Centrão por concessões, não deveria arvorar-se em vitorioso com a reforma tributária. O Centrão querer tirar vantagens do governo é do jogo. O PT colocar-se como obstáculo a projetos oriundos do governo que deveria sustentar politicamente é reflexo do velho hábito de disputar a hegemonia interna do partido, sem ligar para as questões nacionais que não sejam “politizáveis”.

A reforma tributária é difícil de explicar, não trará resultados imediatos, nem fará com que os eleitores sintam no bolso tão cedo as consequências da aprovação. Só quem se bateu de verdade por ela foi Haddad, que tem visão política mais de longo prazo que a maioria de seus colegas de esquerda. Sorte sua que a maioria do Congresso é conservadora e reformista. Conseguiu unir a tendência ideológica a interesses fisiológicos que marcam esta legislatura e tirou daí uma reforma tributária que, se não é a ideal, é um grande passo na direção da simplificação que fará bem aos investimentos, internos e externos.

Longe dos radicalismos, o presidente da Câmara, Arthur Lira, aparentava grande desconforto na mesa diretora. Os mais apressados poderiam achar que estava incomodado com o protagonismo de seu par do Senado, Rodrigo Pacheco, que, por ser presidente também do Congresso, era o centro da cerimônia. Que nada, Lira é do tipo pragmático, que não perde tempo com esses detalhes, a não ser que lhe atrapalhem os planos.

Desta vez, ele estava irritado com os gritos contra Lula, muitos dos quais de seus aliados. Lira sabe que existe hora de antagonizar e hora de comemorar, mesmo que as alianças sejam eventuais. Passou uma carraspana em seus companheiros, com a autoridade de quem os defende sem temor, e não alimentou uma crise inútil.

Quem levou às últimas consequências o embate foi o petista Washington Quaquá, que deu um tapa na cara do bolsonarista Messias Donato, depois de chamá-lo de “veadinho”. Uma amostra de como a polarização política continua a todo vapor, estimulada tanto por Lula quanto por Bolsonaro.


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