segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Violência na Amazônia exige ação federal

O Globo

Não será possível cumprir metas de redução no desmatamento sem combater crime organizado na região

Não apenas as motosserras e dragas do garimpo ilegal ameaçam a preservação da Amazônia. Revólveres, pistolas e fuzis das quadrilhas do narcotráfico também põem a região em risco. Isso fica evidente nas estatísticas divulgadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública no estudo “Cartografias da violência na Amazônia”. No ano passado, houve 9.011 assassinatos nos nove estados que compõem o bioma, ou 36,5 por 100 mil habitantes (45% acima da média nacional). Em relação a 2011, o crescimento foi de 77%.

São números preocupantes, que revelam o tamanho do desafio das autoridades. A despeito das diferentes realidades encontradas nos estados da Amazônia Legal, todos apresentam taxas de violência acima da média nacional. Os casos mais gritantes são Amapá (50,6 mortes por 100 mil habitantes), Amazonas (38,8) e Pará (36,9).

Quando o foco é dirigido aos municípios, a situação é ainda mais alarmante: 15 cidades apresentaram taxa superior a 80 mortes por 100 mil habitantes entre 2020 e 2022, a maioria nos estados do Pará e Mato Grosso. As mais violentas (com taxa superior a 120 mortes por 100 mil) foram Floresta do Araguaia (PA) — palco de conflitos fundiários —, Cumaru do Norte (PA) — cobiçada pelo garimpo — e Aripuanã (MT) — que combina exploração madeireira e garimpo. Os crimes se entrelaçam.

A violência na Amazônia já vinha chamando a atenção do país. Em junho do ano passado, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips desapareceram numa expedição pelo Vale do Javari, no Amazonas. Depois de buscas e investigações exaustivas, descobriu-se que haviam sido vítimas de um crime bárbaro, ao que tudo indica praticado por quadrilhas que exploram a pesca ilegal. Foram assassinados a tiros, e seus corpos esquartejados, queimados e enterrados na floresta. Os suspeitos estão presos.

Nada menos que 22 facções criminosas, entre elas as principais do Sudeste, atuam na região, disputando as rotas do tráfico e contribuindo para aumentar os índices de criminalidade. O estudo evidencia que falta aos estados — responsáveis pela segurança pública, de acordo com a Constituição — estrutura para combater a violência crescente, insuflada pelo poder de fogo do narcotráfico. Há escassez de delegacias — especialmente as unidades especializadas, essenciais para a investigação de crimes —, policiais e equipamentos, deficiências agravadas pela extensão territorial. De acordo com o levantamento, há por lá um policial para cada 339 quilômetros quadrados (no Brasil, a relação é de um para 93 quilômetros quadrados).

A crise da segurança na Amazônia Legal reforça a necessidade de colaboração do governo federal. Os estados sozinhos não dispõem de recursos financeiros, humanos e materiais para enfrentar o crescimento do crime organizado, comandado por organizações armadas com atuação nacional e internacional. Há um evidente desequilíbrio de forças. É fundamental que a União apresente um plano de segurança robusto para a região, em auxílio aos estados. Será difícil para o país cumprir as metas para reduzir o desmatamento anunciadas em fóruns internacionais sem combater a violência. Tudo faz parte da mesma calamidade.

Reforma tributária não é pretexto para aumento de ICMS nos estados

O Globo

Motivo real é outro: compensar isenção eleitoreira adotada em 2022 em áreas como combustíveis e energia

O ano de 2024 começará com aumento da alíquota básica do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em seis estados do Sul e do Sudeste — Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul. A justificativa alegada pelos governadores são as regras criadas pela reforma tributária, que substituirá o ICMS e o Imposto sobre Serviços (ISS), municipal, pelo futuro Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Para calcular a alíquota do IBS, o texto da reforma usa como referência a arrecadação entre 2024 e 2028. Aumentar o ICMS agora é uma tentativa de aumentar a alíquota que será estipulada para o IBS.

A manobra é compreensível, mas não faz sentido, informa a Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, comandada por Bernard Appy, principal responsável pelas ideias que a guiam. Em reação a nota dos secretários de Fazenda dos seis estados, a secretaria afirma que o texto da reforma mantém a autonomia dos estados para fixar a alíquota do IBS. Se qualquer governador considerar que a arrecadação, entre 2024 e 2028, não reflete a participação histórica de seu estado na arrecadação do ICMS, poderá elevar a alíquota do IBS. Poderá também esperar até 2029, quando o novo imposto corresponderá a 90% do ICMS, ou até 2033, quando a substituição estará concluída.

A razão mais plausível para o aumento do ICMS é outra: compensar as isenções eleitoreiras concedidas pelo governo anterior nas alíquotas de combustíveis, energia elétrica e comunicações, rubricas que sustentam parte relevante da arrecadação dos estados. No início de dezembro, o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) informou ter divulgado uma pesquisa que calculava a alíquota básica do imposto “para que os estados tenham as mesmas capacidades fiscais de prestar os serviços públicos essenciais às suas populações nos níveis que vinham antes dos recentes ataques às bases de incidência do ICMS”. Quer dizer: antes das isenções.

Quando o governo passado fez populismo com o ICMS, não se ouviu tanta crítica. Agora, por motivos políticos, os estados que elevaram a alíquota-padrão do ICMS preferem justificar a medida alegando incertezas criadas pela reforma tributária. A Secretaria da Reforma lembra, ainda, que os 17 estados que elevaram o ICMS desde o final de 2022, antes da divulgação do texto da reforma, justificaram a decisão com base na perda de arrecadação causada pelas isenções. O Estado brasileiro é voraz na coleta de impostos. Os políticos deveriam aproveitar a reforma tributária para, no mínimo, dar transparência às decisões tomadas sobre tributos.

Congresso quer mais emendas e dificulta aumento das receitas

Valor Econômico

Projetos do governo ficaram para o fim do ano legislativo e estão sendo diluídos

É um erro, e tem sido uma sina, o Congresso deixar para os últimos dias antes do recesso legislativo decisões vitais, como a lei orçamentária e o orçamento da União. Na definição de prioridades nacionais, para onde fluirão os recursos dos contribuintes, está uma das mais importantes funções do Executivo e dos representantes do povo. Mas as relações entre os dois Poderes mudaram, com a perda de poder relativo do Executivo e empoderamento do Congresso, que afeta distribuição dos recursos orçamentários. A pressa na votação pressiona o governo a aceitar barganhas políticas para as quais talvez pudesse oferecer alternativas melhores se tempo houvesse.

Deixar de votar o orçamento no prazo obriga o governo a conter a despesa no exercício seguinte à razão de um doze avos por mês do orçamento anterior, até que o novo seja votado. O arranjo não serve hoje aos interesses do Executivo e do Legislativo, especialmente em um ano em que novos prefeitos serão eleitos e os deputados precisam antecipar o envio de recursos para melhorar as chances dos candidatos de seus partidos até o fim de junho, para não ferir restrições da legislação.

As negociações deste ano são especialmente mais trabalhosas porque o governo quer encontrar um jeito de garantir gastos maiores que as receitas - o que o novo regime fiscal permite - sem que tenha de fazer o esforço de contenção necessário para obter a meta de déficit zero. Essa manobra está cada vez mais difícil de ser executada. O novo regime obriga à postergação de até 25% das despesas obrigatórias para que se tente atingir a meta fiscal, o que exige represamento de até R$ 56,5 bilhões. Em nome do governo e do ministro Fernando Haddad, o senador Randolfe Rodrigues apresentou uma emenda criativa, vinculando o contingenciamento à garantia de pelo menos 0,6% de expansão das despesas. O truque não prosperou dessa forma. A consultoria da Câmara apontou que isso desvirtuaria as regras, já que o represamento de verbas existe em função do cumprimento da meta, que é seu parâmetro, e não dos gastos. O relator do orçamento, deputado Danilo Jorge (União-CE), rejeitou a emenda.

Entretanto, Forte arranjou outro expediente com o mesmo resultado. Com base em interpretação da Lei de Responsabilidade Fiscal, estabeleceu que não deveria haver “limitação orçamentária e financeira” em despesas que equivalerão ao 0,6% de crescimento dos gastos que o governo quer preservar - manobra igualmente polêmica. O relator limitou contingenciamento em 12 áreas, o que tenderá a reduzir o esforço de contenção necessário, como quer o governo.

A principal preocupação do governo é que os gastos do PAC sejam atingidos. Mas há alçapões de todo tipo no relatório. Um deles indica que os recursos das emendas dos deputados, em vez de serem destinados a obras do PAC, possam ser dirigidos ao fundo eleitoral, que o relator aceita elevar até R$ 4,9 bilhões. O governo reservou para esse fim não mais de R$ 939 milhões. Serão criadas as emendas de comissão (RP8), para as quais se pretende dotação de R$ 11 bilhões. Somadas às emendas impositivas (individuais e as de bancada), o Congresso terá sob seu controle R$ 48,5 bilhões, um recorde.

O governo usa a liberação dos recursos de emendas para angariar apoio a seus projetos no Congresso. O relator, expressando um desejo mais amplo dos parlamentares, inovou e até estabeleceu um cronograma para isso: as emendas devem ser empenhadas, isto é, obter autorização de gastos, até abril. De certa forma, parte da execução orçamentária terá seu ritmo ditado pelo ritmo de liberação de recursos das emendas. Além disso, se contingenciamento houver, pelo relatório de Forte ele não poderá recair integralmente sobre emendas de parlamentares, mas terá de ser repartido salomonicamente entre as emendas e as demais despesas programadas pelo Executivo.

Enquanto tomam mais um pedaço do Orçamento, deputados e senadores dificultam que o governo obtenha as receitas que diz precisar para que tente zerar o déficit público em 2024 e reduzir as chances de um grande contingenciamento. Os projetos do governo para redefinir os juros sobre capital próprio (receita extra de R$ 10 bilhões) e para cobrar as empresas que se utilizaram do ICMS não para investimento, mas para custeio, e reduzirem com isso o pagamento de impostos federais (receita extra de R$ 35 bilhões), foram diluídas. No último caso, o desconto proposto na cobrança do dinheiro devido subiu de 60% para 80%. Pior ainda, a decisão sobre esses itens ficou para a reta final dos trabalhos do Congresso. Não é pouca coisa: restam ainda na fila das votações a reforma tributária, a mais importante peça econômica do ano, e o exame dos vetos presidenciais a projetos do Congresso.

Votações em massa tornaram-se tradição. As manobras do Planalto, por outro lado, tentam desfigurar o novo regime fiscal antes mesmo de sua estreia, porque o presidente Lula não está disposto a se submeter a constrangimentos orçamentários.

Exportação em alta

Folha de S. Paulo

Agropecuária e setor extrativo garantem fluxo de dólares e fôlego à economia

Em meio às dificuldades da economia brasileira, há fatores positivos. Entre eles está a relativa estabilidade trazida pela boa situação das contas do país com o exterior.

Neste ano o saldo da balança comercial atingirá o maior patamar nominal já registrado. De janeiro a novembro, as exportações superaram as importações em US$ 89,3 bilhões, em alta de impressionantes 56% ante o mesmo período de 2022. Esperam-se ao menos US$ 93 bilhões até dezembro.

O impulso vem do setor agropecuário e da indústria extrativa. A safra recorde de grãos garantiu expansão de 8,2% nas vendas externas do setor, com receita de US$ 76,3 bilhões. A alta de 22,8% no volume embarcado compensou a queda de 9,8% nos preços. A participação nas exportações totais continua a crescer, de 22,8% em todo 2022 para 24,6% neste ano.

As cotações elevadas do minério de ferro mantêm as receitas do setor extrativo, que também conta com saldos crescentes na exportação de petróleo. Nos próximos anos a perspectiva é de contínuo crescimento dessas rubricas.

À diferença do ocorreu nos anos 2000, quando o país viveu um período de bonança graças à disparada dos preços de matérias-primas que decorreu da demanda chinesa, desta vez a expansão dos saldos comerciais se dá principalmente por maiores quantidades.

O lado negativo é a continuidade do mau desempenho das exportações da indústria de transformação, que continuam a cair em volume e também nos preços. Até novembro observa-se redução de 3,6% das receitas, que atingiram US$ 161,5 bilhões.

Na medida mais ampla dos fluxos de entrada e saída relativas a comércio de bens e serviços, a chamada balança de transações correntes, o déficit caiu de US$ 56,7 bilhões (3% do PIB) em 2022 para US$ 34 bilhões (1,6% do PIB) nos 12 meses encerrados em outubro.

Isso significa que o país precisa atrair menos capital estrangeiro para equilibrar as contas.

De fato, há queda de cerca de 23% nos investimentos diretos nos 12 meses até outubro, para US$ 54,5 bilhões (2,7% do PIB). A retração não deixa de ser preocupante e pode decorrer de incertezas a respeito da política econômica. Mesmo assim, os valores ainda são elevados e dentro de patamares históricos.

Na soma geral, há permanência das reservas cambiais em torno de US$ 340 bilhões, nível confortável nas comparações internacionais. Não é por acaso que a cotação do real se mostra estável mesmo diante das fragilidades nacionais.

A contribuição do setor externo propicia certo espaço de manobra ao país, que entretanto não pode ser desperdiçado por imprudência na política econômica.

Congresso gastador

Folha de S. Paulo

Parlamentares não definem Orçamento e buscam mais despesas em benefício próprio

O atual estado de desordem nas finanças públicas não se deve apenas ao ímpeto perdulário do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Sob o comando do centrão, o Congresso concorre para a alta dos gastos, reduz a qualidade das políticas públicas e eleva as incertezas.

Estamos em dezembro e os parlamentares nem mesmo concluíram a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2024 —vale dizer, o conjunto de regras que deveria ter sido aprovado no primeiro semestre para orientar a elaboração do projeto de Orçamento do ano seguinte.

Com LDO e Orçamento em aberto, deputados e senadores aproveitam o corre-corre de final de ano na tentativa de extrair mais dinheiro do contribuinte em proveito próprio e de seus partidos.

Em uma frente, busca-se aumentar de já exorbitantes R$ 37,6 bilhões para quase R$ 50 bilhões o total de recursos reservados no próximo ano para as emendas parlamentares, ou seja, as despesas a cargo do Tesouro definidas diretamente pelos congressistas.

Nelas predominam obras e eventos nos redutos políticos de cada um dos 513 deputados e 81 senadores —um ativo eleitoral particularmente importante num ano de pleitos municipais.

Decorrência do enfraquecimento da Presidência nos últimos anos, a escalada das emendas pulveriza montantes crescentes de dinheiro público em projetos paroquiais, sem maiores considerações de mérito e prioridade.

É também sem tais critérios que a Câmara pressiona pela ampliação para R$ 4,9 bilhões do fundo eleitoral, pelo qual o erário financia desde 2018 as campanhas eleitorais. Há R$ 900 milhões reservados para ele no projeto de Orçamento do próximo ano.

O lobby das burocracias partidárias tem ocorrido ano sim, ano não, dado o calendário de pleitos no país. Desta vez, como se trata de disputa por cargos de prefeito e vereador, nem mesmo se pode empregar o surrado argumento de que os candidatos terão gastos com longas viagens.

O risco é que o despautério una situação e oposição, dado que os principais partidos têm direito a parcelas maiores do fundo.

Fato é que qualquer nova despesa, num governo cujo déficit disparou neste ano, será sempre coberta por mais endividamento público —uma conta invisível empurrada à sociedade, enquanto os parlamentares obtêm ganhos palpáveis.

O Supremo como fiador da governabilidade

O Estado de S. Paulo

O STF tornou-se, para o Executivo, um aliado indispensável

Os últimos anos deram ao Supremo Tribunal Federal (STF) um papel inédito no arranjo institucional brasileiro, transformando a Corte numa arena essencialmente política. O tribunal expandiu gradualmente seus tentáculos políticos, ocupando o vácuo deixado pela fragilidade do sistema representativo para exercer simultaneamente os papéis de intérprete da Constituição e ator legislativo, não raro se impondo ao Congresso. Essa condição foi se aguçando passo a passo até a Corte adquirir, nos últimos dez anos, absoluta centralidade para o funcionamento do poder. O resultado disso aparece agora: do papel ora de moderador, ora de tensionador da República, o STF assumiu uma condição de fiador da governabilidade do País. O recente debate em torno da indicação do ministro da Justiça, Flávio Dino, para a vaga deixada pela ministra Rosa Weber é parte desse processo.

O chamado presidencialismo de coalizão, modelo político no qual se assentou a governabilidade brasileira depois da Constituição de 1988, entrou em crise justamente nesses últimos dez anos, algo admitido pelo próprio criador do termo, o cientista político Sérgio Abranches. O Brasil não mudou seu modelo político, afinal ainda é presidencialista e multipartidário, mas ocorreram mudanças estruturais e comportamentais que nos trouxeram a essa nova governabilidade. O número excessivo de partidos, a diminuição das bancadas, a onda bolsonarista que rompeu aquele bipartidarismo vigente entre 1994 e 2014, a radicalização da política e o fortalecimento do Congresso deixaram o Executivo fragilizado.

E assim o presidente Lula da Silva chegou à Presidência em 2023 com muito mais dificuldades na gestão de sua coalizão do que nos dois primeiros mandatos. Isso se deu não apenas porque cometeu o grave erro de ignorar, na formação do governo, a frente ampla que o apoiou no segundo turno para enfrentar Jair Bolsonaro. Também ocorreu por uma conjuntura desfavorável ao Executivo: um Congresso fortalecido pelos poderes orçamentários adquiridos nos últimos anos, presidentes da Câmara e do Senado politicamente fortes, uma maioria parlamentar hostil e indócil e um sistema partidário menos fragmentado, porém com bancadas médias, que se unem em blocos para aumentar o número de deputados e melhorar sua participação em comissões. Tudo isso transformou as maiorias parlamentares mais instáveis, variando de tamanho a depender do tema, exigindo mais tempo e mais recursos. A governabilidade tornou-se mais penosa.

O outro elemento dessa conjuntura está fora da esfera legislativa: o Supremo Tribunal Federal. Empolgado com o papel de gabinete regulatório da crise política brasileira, o STF esticou excepcionalmente os limites de sua atuação para frear a ameaça real de ruptura prometida pelo bolsonarismo. Até aí era o que se esperava de um Poder cuja missão é zelar pelo cumprimento da Constituição. O problema é que, passada a ameaça, o Supremo parece ter se recusado a voltar para a casinha. No paralelo, como este jornal já sublinhou, ministros se deixaram influenciar pelo excesso de protagonismo, inspiraramse nos voláteis humores da política (a ponto de influenciá-los), relativizaram direitos e atropelaram garantias em nome da salvação da democracia. As patologias já eram visíveis há algum tempo e demonstradas em pesquisas empíricas, mas o poder monocrático de ministros revelou sua força danosa sobre a credibilidade da instituição.

Uma Suprema Corte que é determinante para a política de um país é um daqueles desvios de rota que a democracia vai precisar corrigir, para evitar excessos e conter riscos presentes e futuros. Em princípio, teríamos aí simplesmente o funcionamento do sistema de pesos e contrapesos, no qual os Três Poderes se complementam e se controlam. Mas não deixa de ser perturbador ver o presidente indicar ao Supremo um ministro com notório saber político com o claro objetivo de buscar a governabilidade.

Sobrevivendo no centro de São Paulo

O Estado de S. Paulo

A degradação da região avança diante dos olhos atônitos dos cidadãos. A estes, resta ‘sobreviver’, como disse um dos donos do Bar Brahma após ter seu estabelecimento atacado por marginais

Há pelo menos três décadas, desde que a Cracolândia se instalou nos arredores da Luz, a região central de São Paulo é uma das áreas mais inóspitas da capital paulista. De uns anos para cá, porém, a degradação se agravou sensivelmente. O ingresso do Primeiro Comando da Capital (PCC) no “negócio”, digamos assim, do roubo de celulares para fins de fraude financeira aumentou a insegurança que impera nos bairros da região.

São frequentes os atos de violência que apavoram quem vive, trabalha ou passa pelo centro de São Paulo. Hoje, é uma proeza encontrar paulistano que circule pelas ruas e avenidas da região central que não tenha sido vítima de alguma violência praticada pelos criminosos ou por dependentes químicos que vagam por lá como mortos-vivos, capazes de esfaquear alguém por um trocado que seja e, minutos depois, já nem lembrar do mal que causaram.

No dia 3 passado, um novo episódio de violência veio escancarar o quão largada está a região central da cidade de São Paulo pela Prefeitura e pelo governo do Estado – a quem se subordina a Polícia Militar, responsável pelo policiamento ostensivo. Um bando de pelo menos dez indivíduos depredou o notório Bar Brahma, localizado numa das esquinas mais famosas de São Paulo, a das Avenidas Ipiranga e São João, após um suspeito de tentar furtar um cliente ter sido capturado e agredido.

Expressando um misto de desamparo e resignação, Cairê Aoas, um dos sócios do bar, fundado há 75 anos, disse ao Estadão que “pretende continuar tentando sobreviver” após o ataque ao estabelecimento. Assustado com o que sofreu, o sr. Aoas relatou a este jornal que o ataque daquele domingo não teve precedentes. “Em outras duas situações anteriores, em escala menor, nossos seguranças inibiram a tentativa de roubo de celular na porta”, disse.

O simples fato de empresários instalados na região central – que só querem tocar seus negócios e gerar empregos – serem obrigados a contratar segurança privada para garantir a integridade de seus clientes, sem falar nos que sucumbiram à violência e baixaram suas portas, já indica a falência do Estado em cumprir uma de suas obrigações mais comezinhas. É inadmissível que o processo de deterioração da segurança em São Paulo, notadamente no centro, mas não só, não seja interrompido pelos entes federativos que, supostamente, detêm a maior expertise e o maior volume de recursos para fazê-lo no País.

É dever do Estado, como detentor do monopólio da violência, garantir a ordem pública e a segurança dos cidadãos e do patrimônio, tanto o público como o privado. Mas, no que concerne à região central, o governo estadual e a Prefeitura da capital paulista têm falhado miseravelmente nessa missão. É bom lembrar que a chamada revitalização do centro de São Paulo, que passa, necessariamente, pelo fim da Cracolândia e pelo aumento do nível de segurança na região, o que atrairá negócios, residências e infraestrutura para seus bairros, foi promessa de campanha tanto do prefeito Ricardo Nunes como do governador Tarcísio de Freitas. Se ainda desejam honrar seus compromissos, passa da hora de agirem e apresentarem resultados concretos. Os paulistanos estão fartos de esperar.

A falta de respostas eficazes e enérgicas por parte da Prefeitura e do governo do Estado para a insegurança no centro é muito preocupante. Ninguém há de negar que a solução para a Cracolândia, uma tragédia social que extrapola muito a dimensão estritamente policial, é complexa. Mas é justamente para resolver questões complexas que os governantes são eleitos. Ademais, coibir outros tipos de crimes cometidos na região central, convenhamos, não é tarefa tão intrincada assim, ou não deveria ser. Inteligência, análise da chamada mancha criminal e aumento da presença do efetivo policial são ações elementares. Todos sabem onde estão os ladrões.

É imperativo que a inércia, como se os paulistanos estivessem condenados a conviver com uma chaga aberta no coração da cidade, seja substituída pela ação. O bem-estar dos cidadãos deve ser prioridade zero para quaisquer governos dignos do nome.

O trem da alegria das eólicas

O Estado de S. Paulo

É fácil bater no carvão, mas a verdade é que a Câmara distribuiu jabutis para todo o setor elétrico

A Câmara aprovou o marco regulatório das usinas eólicas em alto-mar, conhecidas como offshore. A proposta, que ainda precisa voltar ao Senado, poderia ter sido um bom cartão de visitas para o País na Conferênciadas Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-28). Não foi o caso.

Como se tornou tradição, parlamentares aproveitaram a proposta para nela incluir um festival de jabutis. E, desta vez, perdeu-se todo o pudor. Em um projeto que deveria criar condições para o desenvolvimento de uma energia do futuro, houve espaço para beneficiar até usinas a carvão, fonte-símbolo da Primeira Revolução Industrial.

Se depender dos deputados, o carvão terá sua sobrevivência garantida no País até 2050 – algo que, se tratado em um projeto de lei específico, dificilmente prosperaria. São poucas as usinas a carvão, poucas as regiões produtoras e poucos os parlamentares dispostos a dar sua cara a tapa em defesa de uma fonte tão estigmatizada.

Mas, na ótica do Legislativo, é para isso que existem projetos de lei mais amplos, como o das eólicas offshore. Essas iniciativas acabam por se converter em veículo de distribuição de bondades a todas as fontes e regiões do País.

Muito se fala do carvão, e é fácil bater em uma fonte tão poluente. Mas isso não deveria abafar uma discussão mais ampla: o fato de que foram distribuídos, também, benefícios a eólicas em terra e solares, pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e termoelétricas a gás e a hidrogênio verde. Isso deve custar R$ 39 bilhões anuais, segundo a Abrace, associação que reúne os maiores consumidores industriais de energia do País.

Tantas benesses vão encarecer as faturas de energia e os itens produzidos pela indústria nacional. E que fique claro: esses incentivos não são necessários para viabilizar a operação dessa ampla gama de usinas. Servirão, no entanto, para aumentar o lucro dos donos desses empreendimentos à custa da renda do consumidor final.

Enquanto a Câmara dava aval a esse trem da alegria, a cúpula do governo, entre eles o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, desfilava em Dubai. Como a proposta recebeu votos favoráveis de 403 deputados, das duas uma: ou a articulação política do governo falhou miseravelmente ou apoiou a proposta nos bastidores.

Não foi a primeira vez que isso ocorreu e nada indica que será a última. Sob Bolsonaro, o Executivo cedeu ao Congresso a prerrogativa de coordenar o planejamento e a expansão do setor elétrico. No caso mais escandaloso, o governo aceitou de bom grado todos os absurdos que o Legislativo exigiu só para poder dizer que privatizou a Eletrobras.

A exemplo das emendas parlamentares, o avanço de cada jabuti incentiva a aprovação do próximo, muitas vezes sem qualquer transparência ou ao menos um debate prévio. É, no entanto, a falta de liderança do Executivo e de uma agenda para o País que cria condições férteis para a atuação fragmentada do Congresso, que, naturalmente, busca atender aos interesses de cada setor e de sua região de olho na próxima eleição. Ao consumidor, cabe apenas pagar a conta dessa festa.

A dengue volta a ameaçar

Correio Braziliense

"A limpeza dos potenciais focos do mosquito, com a eliminação da água parada, é uma medida simples e que pode ser incorporada à rotina da casa"

Um alerta divulgado pelo Ministério da Saúde, na última sexta-feira, apontou que as regiões Centro-Oeste e Sudeste (principalmente Minas Gerais e Espírito Santo) devem viver uma epidemia de dengue em 2024. Outras regiões, como o Nordeste e o Sul, principalmente no Paraná, também devem ter um aumento no número de casos, mas sem chegar ao nível epidêmico.

Em 2023, os casos de dengue no Brasil aumentaram 15,8% em relação ao ano passado, passando de 1,3 milhão de registros em 2022 para 1,6 milhão este ano. Foram 1.053 mortes em 2023 e 999 no ano passado.

Entre os motivos para o aumento, na avaliação do ministério, estão fatores como as mudanças climáticas e o aumento das chuvas, a mudança na circulação de sorotipo do vírus, com as variações 3 e 4 predominando no país, e o número de pessoas que possuem alguma predisposição à doença, além de crianças e idosos.

É um aviso preocupante. Diante do risco, o governo federal anunciou uma verba de R$ 256 milhões destinados a ações nacionais contra a dengue e ao monitoramento da doença. Uma das medidas mais eficazes que deve ser considerada é a incorporação de uma vacina contra a dengue no calendário do Sistema Único de Saúde (SUS).

O Ministério da Saúde tem a expectativa de decidir, ainda neste ano, sobre a adoção da Qdenga, fabricada pela empresa japonesa Takeda Pharma, e que tem eficácia de 84% de redução da hospitalização em casos de dengue.

Outra medida crucial será intensificar as ações de controle do vetor. A erradicação de criadouros do mosquito Aedes aegypti, por meio de campanhas educativas, coleta de lixo eficiente e tratamento adequado de águas paradas, deve ser uma prioridade para os próximos meses.

Entre as ações que o governo federal pretende adotar nesse âmbito, também estão a distribuição de larvicidas, para ser aplicado nos focos de reprodução do mosquito, e a soltura de Aedes aegypti que receberam a bactéria Wolbachia, que inibe a transmissão de doenças.

Por ser a esfera federal, a ação do Ministério da Saúde é fundamental na coordenação dessa atuação, que precisa ter a adesão dos governos estaduais e municipais, deixando de lado diferenças políticas e focando na proteção da população.

A coordenação de esforços é necessária para implementar estratégias abrangentes de prevenção, controle e tratamento da dengue. Mas, para que o combate à doença seja bem-sucedido e a epidemia que se avizinha tenha seus efeitos mitigados, é preciso também que as pessoas façam a sua parte. Afinal de contas, o Brasil enfrenta o problema da dengue há décadas, e boa parte da população tem consciência do que precisa ser feito.

Mesmo assim, dados divulgados pelo Ministério da Saúde mostraram que, em 2023, 74,8% dos focos de criação do Aedes aegypti estão dentro de domicílios. São vasos de plantas, garrafas, fontes, bebedouros, recipientes de degelo em geladeiras e materiais estocados que seguem acumulando água e se tornando propícios para a reprodução do mosquito da dengue.

As autoridades já repetiram à exaustão — e é obrigatório que continuem repetindo — o que precisa ser feito dentro das casas das pessoas. Uma prevenção eficaz demanda a colaboração de todos os setores da sociedade, e é necessário que todos se engajem no combate ao Aedes aegypti.

A limpeza dos potenciais focos do mosquito, com a eliminação da água parada, é uma medida simples e que pode ser incorporada à rotina da casa. A falta de ação pode levar a consequências devastadoras para a saúde pública e a sobrecarga dos sistemas de saúde pública, que já estão fragilizados.

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