sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Pobreza em queda revela força e limites do Bolsa Família

O Globo

Programa contribuiu para retirar 6,5 milhões da miséria, mas a um custo bem maior do que no passado

Os brasileiros em situação de pobreza — renda inferior a R$ 637 por mês — caíram de 36,7% da população em 2021 para 31,6% em 2022, segundo o IBGE. Caiu também a pobreza extrema — rendimento inferior a R$ 200 mensais —, de 9% para 5,9%. A desigualdade, medida pelo índice de Gini, diminuiu de 0,544 para 0,518. Em termos absolutos, 6,5 milhões saíram da miséria e 10,2 milhões da pobreza. Num país como o Brasil, com milhões na penúria e uma das maiores desigualdades do mundo, o avanço merece celebração.

O melhor remédio contra a pobreza é, obviamente, a geração de riqueza. Só o crescimento econômico robusto e sustentado, aliado a uma política educacional capaz de promover mobilidade social, será capaz de erradicar a miséria em definitivo. Mas, enquanto ainda se patina para atingir tal objetivo, os programas sociais, mesmo com seus defeitos, têm desempenhado papel imprescindível. Pelos cálculos do IBGE, sem transferência de renda, a proporção de miseráveis seria 80% maior, a de pobres 12% maior, e a desigualdade 5,5% superior. Ainda que o nível de emprego tenha se recuperado, a ajuda governamental representou 67% do rendimento dos mais pobres em 2022.

Brasil e México são considerados inovadores em programas de transferência de renda. Por aqui, eles começaram com Fernando Henrique e ganharam vulto no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De lá para cá, o modelo foi adotado por mais de dez países nos cinco continentes. Mas o ineditismo não eximiu a iniciativa brasileira de erros.

O principal foi o uso para angariar votos, como ficou patente durante o governo Jair Bolsonaro, que rebatizou o Bolsa Família de Auxílio Brasil. Em julho de 2021, uma Medida Provisória elevou o benefício mensal para R$ 400. Seis meses depois, o valor estava em R$ 600. Depois de assumir, o governo Lula retomou o nome antigo e voltou a subir o valor médio para R$ 714. Como proporção do PIB, o gasto com o Bolsa Família quadruplicou, de 0,4% em 2018 para 1,6% neste ano.

Infelizmente, o valor maior não veio acompanhado de melhorias na gestão ou no desenho do programa. Pelo contrário. O ponto forte do Bolsa Família sempre foi o foco: fazer o dinheiro chegar a quem precisa. Foi o que permitiu a um programa que custava em torno de 0,4% do PIB gerar R$ 1,78 por real nele investido, segundo o Centro de Políticas Sociais, da FGV Social. Esse impacto equivale ao triplo do gerado por benefícios da Previdência e é 50% superior ao do Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a idosos de baixa renda ou deficientes.

Porém, com o público-alvo ampliado para 55 milhões, em vez dos 12,7 milhões na pobreza extrema, o benefício perdeu foco. As irregularidades aumentaram. Não houve ênfase nas condicionalidades necessárias para quebrar a cadeia de transmissão da miséria de geração em geração. A exigência de caderneta de vacinação e frequência escolar dos filhos virou letra morta. O atual governo tentou corrigir alguns desses problemas. Excluiu 1,5 milhão de famílias que recebiam de modo irregular, resgatou a progressividade na concessão do benefício e criou desincentivos para as famílias de um só integrante que proliferavam no Auxílio Brasil. Todos esses esforços devem ser mantidos, e a arquitetura do programa precisa resgatar o foco. É essa a lição que se espera ter sido aprendida.

Indignação com criminalidade não autoriza ‘justiça pelas próprias mãos’

O Globo

Insegurança é real, mas justiceiros devem ser coibidos — estejam em Copacabana ou em qualquer lugar

Copacabana é uma das vitrines do Brasil, ponto turístico que funciona como chamariz para uma cidade que tem no turismo uma de suas vocações. Por isso causa consternação o aumento da violência no bairro carioca. Entre janeiro e outubro, furtos a transeuntes cresceram 56,3% na comparação com o mesmo período do ano passado. Os roubos subiram 16,6%. Considerando apenas celular, a alta foi de 47,4%. É compreensível, portanto, a revolta dos moradores diante da agressão sofrida por um empresário que levou um soco no rosto e caiu desacordado ao tentar defender uma mulher que sofria um assalto. Mesmo inerte no chão, ele foi roubado. Não há como não se indignar.

A indignação não justifica, porém, o ressurgimento de grupos de justiceiros formados por moradores para, ao arrepio da lei, perseguir e espancar suspeitos de praticar roubos e furtos, especialmente em bairros da Zona Sul. Nos últimos dias, proliferaram nas redes sociais mensagens e fotos aterradoras, incentivando mais violência sob o pretexto de combater a violência. Tais grupos flertam com a barbárie ao recomendar o uso de soco-inglês, tacos de beisebol e pedaços de madeira para “dar uma lição” aos ladrões. Chegam a divulgar fotos de suspeitos e até números de CPF. E não ficam só na ameaça. Na madrugada de quarta-feira, um homem foi perseguido por 350 metros antes de ser espancado por um grupo em Copacabana, mostram imagens de câmeras de segurança.

A reação atual reproduz movimento semelhante ocorrido no Rio em 2015, em meio a uma onda de arrastões. Num cenário de medo, justiceiros chegavam a interceptar ônibus transportando banhistas para “caçar” suspeitos de assaltos.

Desta vez, a polícia do Rio já investiga os novos justiceiros. “É um grupo que se acha acima do bem e do mal, que se acha no direito de fazer justiça com as próprias mãos. Praticam crimes com o objetivo de evitar crimes”, disse o recém-nomeado secretário estadual de Segurança, Victor Santos. “Na verdade são todos criminosos.” Ele compara os justiceiros a milícias e grupos de extermínio. Faz sentido. O pretexto que os próprios justiceiros alegam para violar a lei é idêntico ao das milícias que controlam vastos territórios da cidade impondo um clima de terror à população.

A ideia de “justiça pelas próprias mãos” costuma crescer com as deficiências na segurança pública. Compreende-se o desespero da população, que paga impostos e não consegue exercer o direito básico de andar nas ruas com tranquilidade. É verdade que o Brasil vive uma crise aguda de segurança e que faltam ações concretas. Mas não há caminho para resolver o problema que não dentro da lei. Grupo de extermínio, esquadrão da morte, milícias, paramilitares, tribunal do tráfico e outras aberrações só geram mais violência. Em qualquer país civilizado, o monopólio do exercício legítimo da força cabe ao Estado — e a ninguém mais. Como estabelece o artigo 345 do Código Penal, fazer justiça pelas próprias mãos é crime. E não se resolve um crime cometendo outro.

Maduro nada tem a ganhar com ameaça de invasão à Guiana

Valor Econômico

O governo brasileiro é o único que tem alguma chance de dissuadir Maduro de suas possíveis intenções expansionistas

Há seis meses, ao assumir a presidência rotativa do Mercosul, o Brasil deixou claro que um de seus objetivos era trazer a Venezuela de volta ao bloco, do qual fora suspensa em 2017. O Brasil encerrou seu período no comando do bloco com o presidente Nicolás Maduro tocando os tambores da guerra e ameaçando invadir a Guiana. No exterior, o presidente Lula afirmou a respeito que “se tem uma coisa que a América do Sul não está precisando agora é de confusão”, mas confusão é tudo o que o ditador venezuelano tem feito o tempo todo. Ontem, em reunião do Mercosul, Lula foi mais assertivo: “O Mercosul não pode ficar alheio a essa situação. Não queremos que esse tema contamine a integração regional ou ameace a paz e a estabilidade. Caso considerado útil, o Brasil e o Itamaraty estarão à disposição para sediar quantas reuniões forem necessárias”.

O governo chavista resolveu reabrir uma disputa centenária sobre a região de Essequibo na Guiana, que perfaz dois terços do território do país e onde habitam 125 mil dos 800 mil cidadãos guianenses. Hoje a questão está sob exame da Corte Internacional de Justiça, que não é reconhecida por Caracas. Pouco depois de tomar posse, após a morte de Hugo Chávez, em 2013, Maduro qualificou as rusgas territoriais com o vizinho de “heranças do colonialismo” e prometeu paz na região. Mudou de ideia.

O motivo mais provável é que Maduro quer desviar as atenções das eleições presidenciais de 2024, que prometeu que seriam livres, justas e acompanhadas por observadores internacionais, compromisso em troca do qual obteve a suspensão de parte do embargo à venda de petróleo e transações financeiras pelos EUA. O governo venezuelano fez no domingo um plebiscito com cinco perguntas enviesadas em direção ao “sim” para a anexação de Essequibo à Venezuela. Não houve relatos independentes ou confiáveis sobre quantas pessoas foram votar. Dados oficiais apontam que a grande maioria delas, 96%, apoiaram a anexação. Maduro se diz respaldado pela soberania popular para fazer o que quiser - inclusive uma improvável intervenção armada.

A ameaça externa é um manjado libelo nacionalista, mais uma vez usado para forjar união em torno do líder da nação. Se Maduro contou com isso para se fortalecer, pode ter se enganado. A comissão eleitoral estimou que 10,5 milhões de cidadãos compareceram às urnas, metade dos 21 milhões habilitados. É pouco até mesmo diante dos mais de 7 milhões de cidadãos que já votaram “com os pés” e deixaram o país para fugir da fome e da inflação, em um dos maiores êxodos em tempos de paz na história recente. Mesmo se os dados oficiais estiverem certos, esse comparecimento de 50% já seria insuficiente para respaldar um esforço guerreiro e, mais importante, até mesmo para ter certeza de que nas próximas eleições Maduro se mantenha no poder. Mas os dados são pouco confiáveis e há rumores de que houve fraudes na contagem, portanto o número pode ser ainda menor.

Não se pode descartar a cobiça como motivo para uma guerra de rapina por parte de militares e de membros da cúpula bolivariana. O tom em Caracas contra a Guiana só subiu, porém, muito tempo depois que a americana ExxonMobil passou a explorar petróleo no mar do território vizinho e descobriu reservas que podem ultrapassar 11 bilhões de barris. A existência de grandes bacias de petróleo, no entanto, é um pretexto frágil para justificar a retórica da invasão, mais voltada de fato à necessidade de que Maduro tenha grande apoio - na cúpula e na base - para se manter no poder. A Venezuela tem as maiores reservas de petróleo do mundo, 304 bilhões de barris, mais de 30 vezes maiores que as de seu vizinho. Não falta petróleo à Venezuela, mas o regime chavista sequer consegue explorá-lo. Ele destruiu, com compadrio e corrupção, a estatal Petroleos de Venezuela (PDVSA). O regime conseguiu a proeza de reduzir a produção nacional de quase 3 milhões de barris/dia para os 800 mil atuais.

O governo de Maduro está queimando as pontes que poderiam retirá-lo do isolamento. Os EUA suspenderam parte dos embargos ao país em troca de promessas de eleições presidenciais livres e limpas. Feito o acordo, Maduro em seguida impugnou o resultado das primárias da oposição e manteve o veto a sua rival mais popular, Maria Corina Machado. Ontem, o procurador-geral da Venezuela, Tarik Saab, pediu a prisão de 14 membros da oposição, sob acusação de traição por suposto boicote ao plebiscito de domingo sobre Essequibo. Entre os indiciados estão Juan Guaidó e Leopoldo López, fundadores do Vontade Popular, hoje exilados.

O Protocolo de Ushuaya, assinado em 1998 pelos países do Mercosul, suspende direitos legais dos Estados membros que não respeitem os preceitos democráticos, caso claro da Venezuela. O governo petista costuma relativizar os arbítrios da ditadura chavista. O presidente Lula, sobre a Venezuela, chegou a dizer que o conceito de democracia “é relativo”. Mas o governo brasileiro é o único que tem alguma chance de dissuadir Maduro de suas possíveis intenções expansionistas. Lula sempre contemporizou com o chavismo, mas não pode menosprezar as chances de um conflito armado na fronteira do Brasil, protagonizado por seus amigos ideológicos.

O saneamento vence

Folha de S. Paulo

Apesar do tumulto, privatização da Sabesp avança em benefício da população

É positivo o andamento do cronograma de privatização da Sabesp, a partir da aprovação do projeto na Assembleia Legislativa com 62 votos favoráveis e apenas 1 contrário —a oposição, que completa os 94 deputados, ausentou-se do pleito.

conduta deplorável dos discordantes que tumultuaram a sessão, levando a PM a reagir, não bastou para impedir que a maior empresa de saneamento do país possa avançar no objetivo central: acelerar a universalização dos serviços.

O modelo proposto pelo governo paulista levará a uma redução de sua participação acionária de 50,3% para um patamar entre 15% e 30%. A definição ainda depende de estudos, mas de todo modo o estado não terá o controle acionário.

Ao contrário do que pregam os críticos, a redução da fatia estatal não significa enfraquecimento da regulação. O novo marco do setor prevê regras claras que deverão nortear o contrato, sob supervisão da agencia reguladora estadual, a Arsesp, e também da ANA, federal.

A precariedade regulatória até aqui foi um dos principais impedimentos para a expansão da cobertura no fornecimento de água e coleta de esgoto. O setor é dominado por estatais há décadas, mas o país ainda ostenta a vexatória marca de 100 milhões de brasileiros sem acesso ao saneamento básico.

São Paulo e a Sabesp, por certo, apresentam situação melhor que a da maioria dos outros estados. A empresa é superavitária, com lucro de R$ 3,12 bilhões em 2022.

Mas daí não resulta que a situação atual seja satisfatória. Com a privatização, espera-se ampliação nos investimentos, que podem atingir R$ 66 bilhões, e antecipação da meta de universalização de 2033 para 2029.

O modelo que disciplinará a concessão, ademais, prevê que os ganhos de eficiência serão partilhados com os consumidores por meio de redução da tarifa, o que desmonta o principal argumento contrário à operação. Tal premissa é condição necessária para que se possa apoiar a privatização.

A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) estima que irá arrecadar R$ 10 bilhões com a venda de ações, quantia que pode servir a outros investimentos essenciais.

A esperada melhoria de governança, ademais, indica potencial de valorização das ações em mercado. A Sabesp também poderá expandir sua participação em outras concessões no país e manter sua posição de liderança.

Ainda será necessária a aprovação pelos vereadores da capital, outro teste de fogo, ainda mais com a aproximação da eleição municipal de 2024. A privatização, desde que respeitados os requisitos básicos de eficiência e modicidade tarifária, deve prosseguir para benefício da população paulista.

Tragédia anunciada

Folha de S. Paulo

Desastre em AL tem história de erros da Braskem e, para o MPF, de fiscalização

A história da Braskem está ligada ao velho desenvolvimentismo brasileiro. O complexo petroquímico que explora sal-gema em Maceió (AL) constava das diretrizes do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) lançado no longínquo 1971, durante a ditadura militar.

Apesar de o então órgão ambiental de Alagoas não recomendar a mineração, o governo estadual a autorizou e, em 1976, a Salgema Indústria Química de Alagoas iniciou suas atividades —o nome mudou para Braskem em 2002, após uma fusão com outras empresas.

O afundamento do solo em uma de suas 35 minas em novembro deste ano, que gerou tremores e rachaduras em imóveis e ruas, pode ser resultado de outra tradição nacional: a precariedade da fiscalização.

Em março de 2018, tremores foram reportados, com 14,5 mil imóveis afetados nos bairros Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol. Rachaduras em casas já haviam sido verificadas cerca de dez anos antes.

Desde os anos 1980, pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas alertam para os riscos da mineração em área de restinga.

Em 2019, o Serviço Geológico do Brasil, ligado ao Ministério de Minas e Energia, concluiu que a extração de sal-gema pela Braskem foi feita de modo inadequado, desestabilizando cavernas subterrâneas já existentes nos bairros afetados.

O sal-gema, uma variação do sal de cozinha, é insumo importante para a indústria química, e o Brasil é o 10º maior produtor mundial de sal, segundo a Agência Nacional de Mineração. É óbvio, entretanto, que o valor para economia não pode estar acima dos cuidados com o meio ambiente e a qualidade de vida da população.

Segundo o Ministério Público Federal em Alagoas, numa ação protocolada em 2019, a Agência Nacional de Mineração e o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas falharam no monitoramento e no controle das atividades da Braskem.

Entre as omissões, de acordo com o MPF, a empresa atuou desde 1986 sem apresentar o Estudo de Impacto Ambiental, obrigatório para a renovação de sua licença.

Agora, os moradores de Maceió vivem o maior desastre ambiental em curso em área urbana do Brasil, com 20% de território afetado e 60 mil pessoas atingidas.

Além das indenizações devidas, urge que órgãos fiscalizadores façam seu trabalho. No caso, proteger a população dos riscos de atividades produtivas potencialmente degradadoras do meio ambiente.

A privatização da Sabesp

O Estado de S. Paulo

Deve-se cobrar uma boa regulação para que a privatização seja bem-sucedida

Como se viu nas cenas de violência promovidas pela oposição durante a votação da privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), os inconformados com a democracia andam de braços dados com a vanguarda do atraso. Como se ainda estivéssemos nos anos 1990, época em que sindicalistas davam pontapés em quem ousava participar dos leilões, o debate está eivado de paixão, inimiga natural da razão. E agora, fiéis à sua natureza, esses inconformados com a democracia vão buscar refúgio no Judiciário para que a lei a ser sancionada pelo governador Tarcísio de Freitas seja declarada inconstitucional, complementando a tentativa já consumada pelo PT e o PSOL, que entraram em outubro com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal para tentar derrubar o decreto que facilitou a privatização.

Enquanto o imbróglio jurídico se arma, é preciso registrar, primeiro, a vitória política do governador, que fez a promessa de privatizar a companhia em sua campanha, no ano passado. Essa é, portanto, uma agenda já submetida ao crivo do eleitorado. O segundo registro é de natureza técnica: o projeto de lei aprovado está em linha com a realidade do setor, no geral longe de atingir as metas de universalização.

São Paulo é uma das raras exceções no cenário de atraso que se observa no saneamento. Tem alta cobertura de água (96,5%), coleta de esgoto (87,7%) e tratamento de esgoto (65%), todos em níveis melhores do que a média nacional, segundo registrou Gesner Oliveira, ex-presidente da companhia, no Estadão. Os críticos da privatização argumentam que esse sucesso é justamente a razão pela qual não há necessidade de entregar a Sabesp para o capital privado. Engano. O resultado paulista foi possível porque a empresa abriu capital, ingressou no Novo Mercado (que engloba as companhias de melhor governança corporativa da B3, a bolsa de valores brasileira) e selou parcerias público-privadas. É uma empresa bem-sucedida, tecnicamente acima da média nacional do setor, mas que ainda enfrenta desafios gigantescos, incluindo a meta de universalização dos serviços prevista no Marco Legal do Saneamento. A diminuição da presença do Estado provavelmente abrirá caminho para maior investimento privado e maior capacidade de lidar com os desafios.

Os adversários da privatização apontam ainda que empresas de saneamento privatizadas no passado, incluindo as de países europeus e sul-americanos e de cidades como Paris, Berlim, Buenos Aires e Atlanta, vêm sendo novamente estatizadas. A tese também merece reparo. Nesses casos, os estudos apontam que a reestatização ocorreu, em sua maioria, em países relativamente ricos, com a infraestrutura praticamente pronta graças à ação privada. Nos casos latino-americanos, como os de Argentina e Venezuela, governos majoritariamente de esquerda pura e simplesmente quebraram contratos, como sói acontecer.

Se é verdade que o modelo da privatização da Sabesp foi adequado (oferta privada com regulação pública), também é verdade que há uma ampla literatura microeconômica demonstrando o papel fundamental da regulação, especialmente quando o custo do controle da qualidade do serviço é baixo. É o caso do saneamento básico, assim como da concessão de rodovias, diferentemente, por exemplo, dos serviços de encarceramento.

Eis o alerta necessário: não basta transferir a oferta para o setor privado, é preciso uma boa regulação. É ela que permitirá preservar a qualidade dos serviços e um bom equilíbrio de preços das tarifas – um temor natural de muita gente de boa vontade diante da privatização. Mas o fato é que as estatais brasileiras deixaram praticamente metade do País fora do sistema de esgoto, uma população carente castigada pela ineficiência, pela baixa fiscalização e nenhuma punição pelo descumprimento de metas.

Estado ausente, cidadãos desamparados

O Estado de S. Paulo

Ou o governo do Rio exerce o monopólio da violência com técnica e legalidade ou justiçamentos como os havidos em Copacabana serão cada vez mais corriqueiros, instituindo a barbárie

Hauridos pela violência que aterroriza o bairro e, não sem razão, sentindo-se abandonados pelo Estado, alguns moradores de Copacabana, na zona sul do Rio, reuniram-se em grupos para identificar, perseguir e atacar suspeitos de cometerem crimes na região, sobretudo roubos.

À luz da lei, deve-se dizer com todas as letras: “justiceiros” são tão criminosos quanto aqueles que, supostamente, pretendem enfrentar. Cabe ao Estado exercer o monopólio da violência. Essa é a essência do pacto social, o atributo fundamental de uma sociedade civilizada. O resto é barbárie.

De fato, são revoltantes as imagens que correram o País mostrando hordas de criminosos cercando suas vítimas nas ruas de Copacabana, a maioria mulheres, como uma alcateia que cerca uma presa. Compreende-se a angústia dos muitos cariocas que se sentem largados à própria sorte – não só em Copacabana, como em quase todos os bairros – por um Estado frequentemente ausente, seja por desídia, corrupção ou conluio com os criminosos. Porém, como é óbvio, não se combate a criminalidade recorrendo a ações criminosas, como são as ações de justiçamento – que passam longe de serem legais ou moralmente aceitáveis, como atestam os muitos indivíduos, culpados ou inocentes, que já morreram a pauladas, socos e pontapés.

Legítima mobilização cidadã seria a reunião dos moradores para cobrar do governador Cláudio Castro a mobilização da Polícia Militar, em particular do 19.º Batalhão, responsável pelo policiamento ostensivo em Copacabana e no Leme, para reforçar a segurança em ambos os bairros. Também é possível buscar formas de estreitar a colaboração entre a comunidade e as forças de segurança com vista à construção de um ambiente mais seguro para todos.

É provável que tudo isso tenha sido feito, mas a inação do Estado não autoriza que cidadãos tomem o poder de polícia nas próprias mãos. Se a anomia começa a imperar num dos bairros mais tradicionais da zona sul carioca, um dos pontos mais simbólicos do Rio e do Brasil mundo afora, como estarão as outras regiões do Estado que não foram agraciadas com o charme da “Princesinha do Mar”?

Não bastassem os problemas de ordem legal, o justiçamento ainda corrói o tecido social na medida em que conspurca o verdadeiro laço de solidariedade que deve unir os cidadãos. A reunião desses grupos de “justiceiros” teve início logo após o empresário Marcelo Rubim Benchimol ser brutalmente atacado por assaltantes ao tentar amparar uma mulher que havia sido roubada momentos antes na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, uma das mais movimentadas do bairro. Não há registro de que o sr. Benchimol tenha sido acudido por seus concidadãos nem tampouco que alguém tenha acionado a polícia. Soube-se do caso pela imprensa, por meio da divulgação de imagens da agressão captadas por câmeras de segurança instaladas num imóvel próximo.

A reação violenta dos moradores de Copacabana, em boa medida previsível pela perigosa combinação das sensações de terror e desamparo, é algo que não se coaduna com os princípios de um Estado Democrático de Direito e deve ser contida dentro da mais absoluta legalidade. É inegável, porém, que esse modo de agir reflete o desespero de cidadãos que desejam nada mais do que poder sair às ruas sem o pavor de serem assaltados e mortos ao virar uma esquina. Cabe ao sr. Cláudio Castro agir para retomar o controle de áreas que hoje estão entregues ao arbítrio dos criminosos, que definem quando e quem pode circular por territórios cada vez mais amplos do Estado.

A falência do Rio em garantir a segurança dos cidadãos, há muito submetidos ao tacão de ladrões, milicianos ou traficantes, é, em última análise, a falência do Estado em sua própria razão de existir. Se não serve para garantir o básico, servirá para quê? Ou o governo do Estado se emenda e passa a exercer o monopólio da violência com técnica e legalidade ou justiçamentos como esses havidos em Copacabana serão cada vez mais corriqueiros, fazendo letra morta das leis e da Constituição e instituindo no Rio a Lei do Talião.

Maduro precisa ser contido

O Estado de S. Paulo

Ditador venezuelano amplia ameaça à Guiana, ante a espantosa apatia do Brasil

Ato contínuo ao referendo favorável à absorção de Essequiba, que forma 70% do território da Guiana, o autocrata venezuelano Nicolás Maduro escalou as ameaças. Ele ordenou que estatais explorem petróleo e minas da região, nomeou um interventor, mobilizou um posto militar na fronteira e determinou a aprovação de uma lei criando o Estado venezuelano de Essequiba.

Independentemente de se isso é um teatro ou se há intenção real de uma invasão, essas medidas violam o direito internacional e exigem repreensão dura e inequívoca, e mobilizações para estabelecer sanções à agressão política e à potencial agressão militar. Mas a apatia do Brasil e de instâncias multilaterais como a Organização dos Estados Americanos salta aos olhos.

Escalonando os objetivos de Maduro, dos imediatos aos remotos, há primeiro os domésticos: fabricar uma imagem de unidade nacional sob sua liderança e mobilizar as bases chavistas às vésperas de um ano eleitoral. A meta final seria anexar Essequiba à força.

Os primeiros objetivos foram um tiro pela culatra. Há consenso popular de que Essequiba deveria ser da Venezuela. Mas a baixa adesão às urnas mostra que os venezuelanos não estão entusiasmados com a aventura irredentista de Maduro. O governo fala em 50% de comparecimento, cerca de 10 milhões de eleitores. Mas observadores independentes estimam cerca de 2 milhões. A líder da oposição, María Corina, denunciou o pleito como uma “distração”, defendendo que a controvérsia seja solucionada pela Corte Internacional de Justiça, como pretendem a Guiana e a ONU.

A tensão marcial servirá de pretexto a Maduro para apertar os grilhões de sua ditadura, mas a invasão é improvável. A assimetria é brutal: a Guiana não tem Forças Armadas; a Venezuela tem o apoio e armas de agentes do caos, como Cuba e Rússia. Mas a região, com densa floresta, impõe dificuldades operacionais e há dúvidas se as Forças Armadas venezuelanas estão dispostas, tanto mais considerando o apoio dos EUA à Guiana.

O Brasil deslocou tropas a Roraima. É medida indispensável para proteger as fronteiras nacionais, mas não implica condenação nem punição das manobras ilegais da ditadura chavista, muito menos dissuasão de uma potencial agressão militar. O silêncio no Planalto é ensurdecedor e já deixou de ser obsequioso, arriscando-se a se tornar cúmplice.

O presidente Lula disse esperar que “o bom senso prevaleça”. Mas a truculência de Maduro rasgou essa fantasia. Querendo mostrar força, Maduro expôs sua fraqueza. Mas déspotas desesperados são mais, não menos, perigosos.

Por tempo demais o líder petista se esquivou de tratar seu “companheiro” como o pária que é. Ao contrário, segue prestigiando Maduro como líder da vanguarda esquerdista contra a opressão “imperialista”. Agora que o tirano de seu povo exibe as garras de agressor de outro povo, essa fantasia também se rasgou. A complacência do chefe de Estado brasileiro é imoral e, no limite, a depender da ousadia de Maduro – por exemplo, atravessando Roraima para alcançar a Guiana –, poderá até ser crime de responsabilidade. 

A urgência do combate ao câncer

Correio Braziliense

O não adoecimento por esses tipos de câncer, preveníveis em grande parte por meio da vacinação contra o HPV, poderia impactar os custos da saúde no Brasil, evitando assim 4,5 mil mortes/ano

Estudo da Fundação do Câncer, divulgado esta semana, revela que cerca de 6 mil casos da doença relacionados ao HPV (papiloma vírus humano) no Brasil poderiam ser evitados a cada ano por meio da prevenção primária. A publicação O impacto do HPV em diferentes tipos de câncer no Brasil mostra que são estimados 17 mil casos de câncer de colo do útero em um ano, o tipo mais frequentemente associado ao HPV.

Foram analisados cinco tipos de câncer: orofaringe, ânus e canal anal, vagina, vulva e pênis. A análise do perfil dos pacientes com essas doenças revela que a maioria, considerando homens e mulheres, tem mais de 50 anos (78%), baixa escolaridade (64%) e é negra (56% e 53%, respectivamente).

No entanto, a maioria dos pacientes já chega às unidades de saúde em estágios avançados da doença, com destaque para o câncer de orofaringe, tumor que se desenvolve em parte da garganta. Nesses casos, as pessoas são diagnosticadas nessa condição em todas as regiões do Brasil (homens, 88%; e mulheres, 84%).

Os dados apontam que aqueles que chegam ao hospital com o diagnóstico em mãos, em sua maioria, são tratadas com mais de 60 dias, o que fere a Lei 12.732/12, que garante ao cidadão iniciar o tratamento dentro desse prazo após o diagnóstico da doença.

A Fundação do Câncer também alerta para a questão econômica. O não adoecimento por esses tipos de câncer, preveníveis em grande parte por meio da vacinação, poderia impactar os custos da saúde no Brasil, evitando assim 4,5 mil mortes/ano. Sem dúvida, a prevenção reduziria gastos com diagnóstico, tratamento e internações, inclusive abrindo espaço para o atendimento a pacientes com outros tipos de câncer no sistema de saúde.

Os dados da publicação reforçam a importância de estratégias eficazes de detecção precoce, tratamento rápido e acesso igualitário aos cuidados de saúde, tanto em termos de gênero, faixa etária e nível econômico. Além disso, ao observar informações sobre o tempo entre diagnóstico e tratamento, é perceptível a ineficiência do fluxo da rede de saúde. Devido às disparidades regionais, é fundamental desenvolver intervenções direcionadas para cada tipo de público e região brasileira.

Dito isso, medidas preventivas, no caso dos cânceres relacionados ao HPV, são cruciais. A boa notícia é que o Brasil dispõe da vacinação contra tipos relevantes do papiloma vírus, disponível pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A partir dos 9 e até os 14 anos, meninos e meninas podem tomar as duas doses gratuitamente, assim como pessoas de 15 a 45 anos vivendo com HIV/Aids, além de pacientes transplantados e oncológicos.

Mas enquanto a sociedade não se despir de preconceitos, e isso começa na infância, os números continuarão ascendentes. O pensamento de que "meu filho (minha filha) não precisa se vacinar contra o HPV porque está longe de ter relações sexuais" precisa ser transformado em "meu filho (minha filha) precisa se vacinar contra o HPV porque o contágio é pele a pele, e não necessariamente via relação sexual".

Por ora, assistimos aos baixos índices de vacinação contra o HPV, que, no Brasil, são de 76% (primeira dose) e 57% (segunda dose) para meninas, e 62% (primeira dose) e 50% (segunda dose) para meninos.

 

 

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