O Globo
Estamos vendo no Cone Sul a consolidação de
uma nova direita
É impressionante a repercussão da eleição
de Javier Milei na
imprensa brasileira. Acompanhamos com atenção incomum a formação do gabinete e
os primeiros passos do presidente eleito. Por trás de tamanha atenção, há uma
espécie de pergunta subjacente: em que medida Milei é o Bolsonaro argentino?
Uma pesquisa comparando apoiadores de Milei e de Bolsonaro sugere que há muitas
semelhanças.
Na quarta-feira, O GLOBO publicou reportagem apresentando os principais resultados de uma pesquisa de opinião que meu grupo de pesquisa na USP conduziu com os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro que se manifestavam na Avenida Paulista no último domingo. O coração da pesquisa era um questionário com nove afirmações liberais, populistas e conservadoras, em relação às quais perguntávamos se os entrevistados concordavam ou discordavam. Em parceria com colegas da Universidade de Lanús, na Argentina, aplicamos o mesmo questionário em Buenos Aires com apoiadores do então candidato Javier Milei reunidos no comício de encerramento da campanha do primeiro turno (os resultados também saíram no GLOBO).
O que havia nos levado a comparar a opinião
de mileístas e bolsonaristas eram movimentos discretos que Milei tinha dado em
direção ao conservadorismo. Embora seu discurso na campanha tenha sido
predominantemente libertário (economicamente “ultraliberal”), ele havia também
criticado a educação sexual nas escolas, acusando-a de fazer doutrinação de
“gênero”; defendido a posse de armas pelos “cidadãos de bem”; e falado em
redução na estimativa do número de vítimas da ditadura militar argentina, entre
outras posições conservadoras. Além disso, alguns estudos sobre a nova direita
argentina e o acompanhamento das mídias sociais sugeriam que a ascensão
eleitoral do libertarianismo vinha acompanhada de uma cultura política
conservadora, numa espécie de “combo liberal-conservador”.
Foi para testar se havia mesmo um combo e
algum tipo de adesão maior ao componente liberal entre os mileístas e uma
adesão maior ao componente populista-conservador entre os bolsonaristas que
aplicamos o questionário aos dois grupos.
A primeira surpresa foi que a adesão às
afirmações liberais era alta em quase todos os casos e igual nos dois grupos,
com variação dentro da margem de erro (os dados são sempre primeiro de
bolsonaristas, depois de mileístas):
— Auxílios do governo desestimulam as pessoas
a trabalhar: 82% e 87%;
— Leis trabalhistas mais atrapalham o
crescimento das empresas do que protegem os trabalhadores: 74% e 78%;
— O governo não deve pagar por todas as
necessidades do povo: 71% e 70%; e
— O trabalho com carteira assinada tira a
liberdade do trabalhador: 26% e 23%.
Duas observações sobre esse bloco. O discurso
liberal realmente engaja, e isso parece contrariar a velha crença política de
que o liberalismo econômico não tem apelo popular. É algo para o qual já
deveríamos ter prestado atenção, pelo menos desde quando tivemos manifestação a
favor da reforma da Previdência em
2019. Segunda observação: a carteira assinada é um valor consolidado, mesmo
para os conservadores.
No bloco populista-conservador, tivemos mais
diferença, mas a adesão foi alta nos dois grupos. Pelo menos em duas perguntas
também ficou equiparada, na margem de erro:
— Os direitos humanos atrapalham o combate ao
crime: 81% e 71%;
— Na escola se ensinam temas que contrariam
os valores da família: 84% e 64%;
— Os artistas não respeitam os valores morais
da nação: 78% e 49%;
— A internet permite descobrir verdades que
os jornais e a TV querem esconder: 98% e 96%;
— O sistema de votação é confiável: 6% e 28%.
A observação mais importante sobre esse bloco
é que o conservadorismo populista parece mais acentuado no Brasil que na
Argentina. Mas, se observarmos que duas das cinco perguntas receberam adesão
semelhante e que, na Argentina, a ascensão da nova direita é mais recente e
concentrada no segmento jovem, a semelhança de opinião entre os dois grupos
chama muito mais a atenção do que a diferença.
É preciso ressaltar que os dados se referem à
opinião de ativistas mobilizados, e não de eleitores. Mas, se tomarmos os
ativistas como uma espécie de vanguarda, tudo leva a crer que estamos vendo no
Cone Sul a consolidação de uma nova direita bem assentada no combo
liberal-conservador.
Também é preciso ressaltar que uma coisa é o que o CANDIDATO diz/promete durante a campanha, e outra é o que o GOVERNANTE faz ao assumir o Poder e ter que mostrar resultados e responsabilidade.
ResponderExcluirMilei já mudou bastante entre o que dizia antes de ser eleito e o que diz/faz depois de eleito. Chamou Lula de corrupto e comunista, agora o convida para sua posse. Da mesma forma, suas manifestações contrárias e críticas à China e ao Papa antes da eleição já foram completamente mudadas após ter sido eleito. A "dolarização" que era tão óbvia e necessária já desapareceu de suas manifestações. E outras mudanças certamente virão em seguida...
Bolsonaro prometia uma Nova Política, com técnicos competentes como ministros, e chamava o Centrão de ladrões! Aos poucos, colocou o chefe do Centrão na Casa Civil (o coração de qualquer governo), espalhou militares incompetentes em muitos ministério civis (Saúde, Meio Ambiente, Minas e Energia, etc.) e governou como todos da Velha Política, só inovando em nos transformar em párias no mundo, o que nenhum outro governo anterior tinha sequer se aproximado. Só tinha contato com Putin entre os maiores governantes, era execrado por todos os demais, que queriam distância dele.
O pior é que a direita democrática se aliou à extrema-direita,tanto lá,quanto cá.
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