O Globo
Ministro certamente não receberá toda a lista
de presentes do Papai Noel, mas termina o ano com selo de 'bom menino' dado por
Lula, pelo mercado e pelas agências de risco
Fernando Haddad certamente não receberá do
Papai Noel do Congresso todos os presentes que pôs na sua lista, mas o ministro
da Fazenda termina o primeiro ano do governo com um atestado de “bom menino”
vindo de onde menos se poderia esperar há 12 meses: o mercado que o via com
desconfiança e as agências internacionais de risco.
Enquanto fechava esta coluna, a Medida
Provisória 1.185, regalo mais vistoso da sua extensa carta de pedidos aos
legisladores, ainda corria certo risco. Um movimento pela derrubada do texto
que muda a cobrança de impostos federais sobre projetos que receberam
incentivos fiscais era capitaneado por uma das oposicionistas mais eficientes e
discretas da era Lula, a ex-ministra da Agricultura de Bolsonaro Tereza
Cristina.
O ministro da Fazenda, sua equipe e também os responsáveis pela sempre reativa articulação política do governo tiveram de arregaçar as mangas e trabalhar para evitar mais uma derrota nas votações pré-natalinas. À noite, os riscos de derrota já eram menores que de manhã, mas nada neste ano foi sem emoção para a equipe econômica.
O que nos leva direto a outra lista, aquela
das metas de Ano-Novo, outra tradição. O que o titular da Fazenda pode esperar
de 2024 depois de ter conseguido não só dobrar a turma da Faria Lima e de Wall
Street, mas também convencer o próprio Lula e as duas Casas do Congresso de que
o caminho correto para o Brasil encontrar o rumo do crescimento mais robusto
com distribuição de renda passava pela austeridade?
Digamos que ele não terá aquele calendário
benevolente dos que tentam novas dietas e fazem planos de praticar exercícios
físicos regularmente, que se estende por longos 12 meses. Para o petista, a
primeira prestação de contas com o pretendido virá já em março, quando acontece
a primeira revisão orçamentária.
É nesse momento que todos aqueles que
torceram para que Haddad se estropiasse ao longo de 2023 renovarão seus votos.
A depender de quão distante ele estiver da meta de déficit zero, o que não
faltará é áulico no ouvido de Lula dizendo que já chega de política neoliberal,
que o negócio mesmo é gastar (mais) e que disso dependerá sua reeleição.
Para um presidente que comete o ato falho de,
no balanço natalino, brincar que, se é verdade que tem sorte, o povo deveria
elegê-lo “para sempre”, trata-se de um argumento quase infalível, vamos convir.
Foram muitas as mudanças de postura e, até
mais profundas, de visão de política e economia possíveis de detectar em Haddad
ao longo deste ano. Dos personagens relevantes da República, sem dúvida, ele
descreveu o arco mais interessante de reposicionamento.
É de tirar o chapéu que tenha conseguido
driblar todos os que buzinaram no ouvido de Lula (e em praça pública) por um
cavalo de pau na economia. Pessoas com gogó, cadeiras importantes e um passado
ao lado do presidente.
Também não é menos relevante ter deixado de
ser um “comunista perigoso” para virar um “moderado racional” aos olhos dos
sempre ansiosos e pouco entendidos de política que fazem preço no Brasil. Dono
de um humor ácido, ele deve ter se divertido bastante com essa parte da
jornada.
O mais penoso, porque aí envolve lidar com
gente mais astuta que ele nos bastidores da política, é justamente o que tem de
fazer quase com o peru já no forno: convencer deputados e senadores a pagar
suas faturas de que nem Papai Noel dá conta.
Mas parece que até nessa seara, mesmo com
derrotas amargas ao longo de 2023, o saldo final será positivo, a depender do
destino da MP 1.185. Fruto, em enorme medida, da ajuda de Arthur Lira, que
também resolveu escrever para si um 2023 em que foi visto por boa parte do PIB
como arauto das boas práticas econômicas, longe da imagem anterior de um líder
do baixo clero.
Pois é.
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