O Globo
Ao deixar tudo para a última hora, Lula corre riscos na agenda econômica e na política
O risco de deixar tudo para a última hora,
como o governo resolveu fazer neste fim de ano no Congresso, é que alguma
tartaruga pode acabar escapando. Como os assuntos pendentes são relevantes em
várias searas, pode-se dizer que Lula está vivendo perigosamente na economia e
na política ao término de seu primeiro ano.
Há um silêncio da parte do presidente da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que denota que nem ele, desta vez, tem um cenário
claro daquilo que é possível e o que não é viável entregar ainda neste ano
entre as muitas pendências.
Sua prioridade é desde sempre a reforma tributária. É aquele feito que sabe que será creditado mais a seu empenho pessoal e sua capacidade de liderança sobre a Casa que preside que ao governo ou ao Senado. Aprovar em definitivo a Proposta de Emenda à Constituição e promulgá-la depois de décadas será, para ele, o momento de auge de seu mandato e um possível passaporte para um futuro longe da planície da Câmara quando deixar a presidência.
A dúvida é quanto ao real empenho de Lira
para aprovar o projeto mais caro a Fernando Haddad, a Medida Provisória 1185,
que muda a cobrança de impostos federais que incidem sobre incentivos fiscais.
O governo acredita que há boa vontade do cacique em ajudar a Fazenda nisso, até
porque o acordo incluiria que uma parte da receita a mais com arrecadações
reforçaria as emendas parlamentares.
Mas há sérias dúvidas entre lideranças da
própria Câmara quanto à capacidade do sempre onipotente Lira entregar os votos
desta vez. O silêncio com que ele conduz essas duas semanas finais do ano
mostra que ele quer primeiro articular os votos para só então anunciar o
cronograma, o que torna bastante imprevisível o montante com o qual a equipe
econômica vai poder contar no conjunto de medidas que erigiu para viabilizar o
arcabouço fiscal.
Não parece ajudar a desanuviar o cenário o
jogo duro da Fazenda em anunciar sua proposta alternativa para o veto de Lula à
prorrogação da desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia
até 2027. Aliados do ministro têm dito que ele quer condicionar o acordo à
votação das matérias na pauta da Câmara, sobretudo a MP 1185. Mas soa demasiado
confiante da parte da equipe de Haddad achar que tem como pagar para ver com um
cronograma tão apertado.
No afogadilho desse dezembro decisivo, também
há uma certa dose de incerteza na política, com a votação, nesta quarta-feira,
da indicação do ministro Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal.
Qualquer um com quem se converse em Brasília
começa dizendo que é muito improvável que o Senado rejeite um de seus quadros
para uma vaga na mais alta corte. Mas, em seguida, ministros e senadores são
reticentes quanto a arriscar um placar e uma certeza. E relatam uma dose de
trabalho extra para assegurar votos na própria base aliada.
Um sinal na reta final desse cuidado extra
veio na decisão de Lula de enviar seus ministros senadores de volta ao mandato
para “prestigiar” o colega. Na verdade, havia incerteza quanto ao voto de
apenas uma suplente, Margareth Buzzetti (PSD-MT), companheira de chapa do
ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. Mas o Planalto foi aconselhado a
disfarçar o cuidado embalando todos os ministros senadores no mesmo pacote,
porque tudo que não se precisava nessa fase decisiva era uma acusação de
misoginia contra uma senadora do Centrão.
A aposta mais aproximada que aliados de Dino
fazem é que ele deverá ter mais votos que André Mendonça (47) e menos que
Cristiano Zanin (58) e ser confirmado. Se for assim, está ótimo para ele e para
Lula. Mas o voto é secreto e o trabalho da oposição contra o maranhense é
obstinado, pois obter sua derrota seria um troféu natalino com o qual os
bolsonaristas sonham para desgastar o presidente ao término do seu primeiro
ano.
Como se vê, os próximos dias vão demandar do Planalto e da Fazenda capacidade de enxergar as nuances e de articular saídas rápidas. O acúmulo de pendências mostra que foram atributos que faltaram nos últimos meses.
Não é fácil,aliás,nada é fácil.
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