Folha de S. Paulo
Megadesvalorização do peso e corte de gastos
vão doer muito, mas não são um programa de ajuste ou futuro
"No hay plata". Não tem dinheiro.
Antes de começar a melhorar, a vida dos argentinos vai piorar muito, por alguns
meses.
Não há alternativa: a Argentina precisa
se livrar do vício secular do déficit do governo, que é a causa da dívida, da
inflação, do dólar disparado,
da pobreza. Se dar calote fosse solução, a Argentina seria a Suíça.
Foi assim que o ministro da Economia de Javier Milei,
Luis "Toto" Caputo, introduziu
as 10 medidas do "pacote de emergência", uma paulada de manual de
economia, vaga e temperada com algumas demagogias.
Era o que vinha vazando do governo de transição, faz dias, afora a pancada no peso. "Toto" deu a impressão de que precisava dar logo alguma notícia aos argentinos ansiosos ou já irados, mas que ainda estuda o que fazer. Não foi um "Plano Collor". Ou plano algum.
No essencial, trata-se de um plano de redução
do déficit do governo federal e de uma maxidesvalorização do peso. O dólar
oficial sai da casa dos 400 pesos para 800 pesos (se chutava no máximo 700
pesos).
Por ora, não está claro qual o tamanho do
corte planejado de despesas. O resultado de um programa dessa espécie é, de
início, ao menos, uma brutal redução do valor real dos salários.
O objetivo óbvio é, em primeiro lugar, criar
as condições necessárias (mas não bastantes) para reduzir a inflação mais à
frente. Parte do gasto do governo é financiada direta ou indiretamente por
"emissão de dinheiro" do Banco Central, 20 pontos percentuais do PIB
nos últimos quatro anos, segundo Caputo.
Em segundo lugar, a enorme desvalorização do
peso pode estimular exportações argentinas e limitar importações (que de resto
serão em parte tributadas, "provisoriamente").
Tais medidas, somadas ao efeito da recessão
que virá (menos consumo), deve elevar o saldo do comércio exterior argentino:
trazer dólares para um Banco Central que ora não tem reservas internacionais
(na verdade, deve, está no vermelho).
Não houve sinal de como será a política
monetária. Isto é, o que será feito de taxas de juros, objetivos de inflação,
intervenções na taxa de câmbio etc.
A inflação aumentará, pelo menos de início,
saindo do patamar de 200% ao ano neste 2023 para não se sabe onde. Se não for
contida por meio de elevação de juros e corte persistente de gasto, vai
desfazer o efeito da megadesvalorização inicial do peso. Bola de neve.
Quem paga a conta?
Um corte maior da despesa virá da redução ou
fim de subsídios aos preços de energia (eletricidade e gás) e transporte, cerca
de 2,5% do PIB (75% desse dinheiro vai para baratear o custo da energia).
Os mais pobres seriam compensados com
variantes do Bolsa Família deles, (benefícios para famílias com crianças, que
terão 100% de aumento, e cartão de alimentação, 50% de reajuste).
A despesa do governo em obras públicas novas
ou que ainda não começaram está cancelada —o que vier de investimentos em
construção virá da iniciativa privada ("Toto" disse ainda que obra
pública é fonte de corrupção). Problema: leva tempo para se inventar e
implementar um plano de concessões.
O governo de Milei também vai diminuir
"ao mínimo" o dinheiro que repassa aos governos das províncias (os
estados deles), que qualificou ainda de moeda de barganha política (bidu). Mas
como Milei vai fazer política, sendo muito minoritário no Congresso?
Não se soube o que será feito das várias
taxas de câmbio, nem dos controles de capitais, nem dos controles de preços
etc. Como fica a dívida impagável com o FMI (que
elogiou o plano de Caputo)? Haveria uma taxa de câmbio só, liberdade de
fluxo de capitais e liberação de preços, vazava o governo de transição.
Enfim, soube-se muito pouco do que é o plano Milei-Toto. Será que eles mesmos já sabem o que fazer?
Só Deus sabe.
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