O Estado de S. Paulo
Polarização já tem características mais complexas que a velha divisão de cidade e campo ou de classes
Não há muitas chances de o Brasil escapar no
ano que vem da armadilha que se fechou em 2023, a da calcificação da
polarização política. Até aqui ela funciona como uma espécie de coleira de
choque antilatido – que o digam o governador Tarcísio de Freitas ou o ministro
Fernando Haddad.
As duas bolhas cobram dos políticos que delas
fazem parte (ou são vistos como fazendo parte) uma espécie de disciplina de
comportamento centrada na pessoa dos respectivos chefes, Lula e Bolsonaro. Faz
sentido: a coleira antichoque tem como objetivo impor uma lealdade do tipo
canina.
Esse é o aspecto menos relevante no fenômeno da calcificação. Nem mesmo o razoavelmente bem organizado PT é capaz de impor condutas monolíticas. Bolsonaro, como é notório, nunca foi capaz de criar uma estrutura hierarquizada que transformasse comandos em ações.
Significa, no caso do grande evento político
de 2024, o das eleições municipais, que as peculiaridades locais terão peso
importante, não importa a “nacionalização” do pleito. Por mais relevante que
seja do ponto de vista do eleitor o grande embate nacional, Lula e Bolsonaro
terão severas dificuldades em transferir votos automaticamente para seus
ungidos nas grandes capitais.
Preocupante no fenômeno da calcificação das bolhas são seus aspectos políticos e sociais mais amplos, em termos de abrangência, profundidade e regionalização. O fenômeno tomou conta do País inteiro e já tem características de divisão geográfica bem mais complexas do que a surrada divisão antiga “cidade campo” ou “de classes”.
Numa simplificação grosseira, essa divisão
geográfica abrange um grande arco mal descrito como “Centro-Oeste” (pois vai do
Sul até o interior do Piauí e Bahia) e que corresponde em parte a áreas
dinâmicas ligadas à agroindústria. Sua expressão própria, porém, não é a da
celebração de resultados econômicos da balança comercial mas, sim, uma
“cultura” e “valores” próprios.
Quanto ao grau de penetração na sociedade, a
calcificação oferece aspectos graves abrangendo raça, religião, hábitos de
consumo, esporte, educação, relações familiares e pessoais, descritas em
detalhes preocupantes no recém-lançado Biografia do Abismo, de Felipe Nunes e
Thomas Traumann. Os dados sugerem um País que está aprofundando a armadilha.
É muito difícil prever a duração de um
fenômeno tão amplo como a polarização calcificada, que tem na selvageria e
virulência das redes sociais o principal componente dessa coleira anti latido.
Depende da capacidade de jovens lideranças em todos os espectros políticos de
aprender a livrar o próprio pescoço.
Gostaria de viver num País sem esta polaridade entre esquerda e extrema-direita,eu gostaria que essa divergência de pensamento ficasse só no campo da teoria e do debate elevado.
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