quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Zeina Latif - Mais coragem para enfrentar os problemas

O Globo

A taxa de câmbio surpreendeu, contrariando as expectativas de que haveria maior pressão cambial, em meio a muitos altos e baixos em sua trajetória

Uma forma, ainda que simplista, de avaliar o desempenho da economia em 2023 e o sentimento dos agentes econômicos é analisar o comportamento da taxa de câmbio: o quanto a cotação do dólar se valorizou ou desvalorizou no ano e sua volatilidade ao longo do período.

Em ambos os quesitos — variação e volatilidade —, a taxa de câmbio surpreendeu, contrariando as expectativas (as minhas, inclusive) de que haveria maior pressão cambial, em meio a muitos altos e baixos em sua trajetória.

Vale citar que, ao final de 2022, a expectativa dos analistas (Boletim Focus) para o câmbio em dezembro de 2023 era R$/US$ 5,27 e o dólar futuro negociado no mercado financeiro estava acima de R$ 5,50. São cifras sensivelmente acima da cotação atual, que roda abaixo de R$ 4,90, ante R$ 5,28 há um ano.

É verdade que o real exibe volatilidade mais elevada em relação às outras moedas ou mesmo às de países parecidos — a explicação pode estar no ciclo econômico mais acentuado no Brasil e no elevado volume transacionado dentre as moedas de países emergentes, o que torna o real um instrumento para reequilíbrio do risco das carteiras de investidores, em momentos de mudança de cenário. Assim, sua valorização poderia ser fruto apenas da (pequena) desvalorização do dólar no mundo.

O fato é que diante dos riscos vindos da política fiscal, se esperava um comportamento bem diferente da taxa de câmbio.

Vale recordar que, antes da posse, Lula e seus articuladores políticos conseguiram a aprovação da PEC da transição no Congresso, autorizando a forte expansão de gastos em 2023, o que se seguiu com medidas que ampliaram também a rigidez do orçamento, como o aumento do Bolsa Família (não é um gasto obrigatório, mas na prática acaba sendo), o retorno da política de ganhos reais do salário-mínimo pela variação do PIB, e a volta das vinculações dos gastos com saúde e educação à receita.

E por se tratar de um governo permeável a pressões para aumento de despesas, isso acaba reforçando o viés gastador do Congresso — os legisladores não querem ficar fora da festa.

Além da valorização do real, houve uma redução da sua volatilidade em relação ao padrão passado. Aqui, também, há uma contribuição do quadro externo, pois, de forma geral, o dólar se mostrou menos volátil nos mercados globais em 2023.

Em que pese a contribuição do quadro externo, o real não teria tido o bom comportamento que teve em um ambiente interno turbulento. Por exemplo, em 2020, na pandemia, houve um relevante enfraquecimento do dólar no mundo, ou seja, o fortalecimento das moedas frente ao dólar.

Porém, não aqui Brasil, onde a taxa de câmbio sofreu forte depreciação (chegou a ficar perto de R$ 5,90), possivelmente por conta das falhas na gestão da saúde pelo governo e dos excessos nas políticas de estímulo econômico.

Alguns fatores ajudam a reduzir a percepção de risco do país, como as exportações turbinadas pelos embarques da agropecuária e da indústria extrativa (petróleo e minerais); as surpresas com o crescimento da economia, em parte resultantes do avanço de reformas estruturais; a redução mais rápida da inflação em comparação ao mundo, fruto das boas notícias da produção agropecuária e do trabalho do Banco Central; e a continuidade da agenda de reformas, com destaque para a tributária, de implementação do IVA, cujo debate foi aprofundado no governo anterior.

Este último ponto tem um grande valor, pois demonstra um amadurecimento paulatino do país, protegendo a agenda econômica do ciclo político.

Há, portanto, boas notícias internamente que permitem o país se beneficiar do quadro externo.

Valem duas mensagens importantes aqui. Primeiro, as boas surpresas de 2023 tiveram modesta relação com conquistas do atual governo. Há muito a ser entregue para elevar o potencial de crescimento, ambientalmente sustentável, do país e para promover a igualdade de oportunidades. Essas agendas não estão muito claras.

Segundo, o grande nó fiscal pode até não ter machucado o ambiente econômico este ano, até porque seus efeitos colaterais por vezes tardam a aparecer. Mas há custos envolvidos, como os juros mais elevados para trazer a inflação para a meta e a maior vulnerabilidade a choques, especialmente considerando a baixa qualidade do gasto público.

Que em 2024 tenhamos mais coragem para enfrentar nossas fraquezas.

 

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