terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Andrea Jubé - Com eleições municipais em vista, Lula cobra pressa em realizações de ministros

Valor Econômico

No balanço de primeiro ano, presidente elogiou Haddad por aprovação da reforma tributária

Após um primeiro ano marcado por crises políticas e pela discussão da pauta econômica no Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) advertiu os ministros de que chegou a hora de apresentar resultados e cobrou agilidade. Preocupado com as eleições municipais, ele vai adiar mudanças no primeiro escalão para que os auxiliares se concentrem nas entregas, dentro do prazo eleitoral, a fim de ajudar aliados a se elegerem em outubro.

No pronunciamento de fim de ano, Lula afirmou que criou as condições para uma “colheita generosa em 2024”. Por isso, para ampliar as chances de que alguns ministros mostrem a que vieram, a reforma ministerial que havia sido planejada para o começo do ano vai se restringir, por enquanto, à substituição do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, que tomará posse no Supremo Tribunal Federal (STF) em fevereiro.

Uma fonte que despacha no Palácio do Planalto ressalvou, todavia, que Lula ainda pode mudar de ideia para fazer alterações pontuais na equipe. Isso porque ele deixou o gabinete, no dia 22 de dezembro, levando consigo uma pilha volumosa com os 38 relatórios de prestação de contas de cada ministro, determinado a ler um a um para avaliar o desempenho de cada auxiliar.

Na última reunião ministerial do ano, no dia 20, Lula observou que tem relação de confiança com seus ministros, e que lhes deu autonomia para montarem as equipes. Porém, alertou que a fase de “ajustes” expirou, e, portanto, eles devem substituir os auxiliares que não estiverem sendo produtivos. Para um auxiliar palaciano, foi um recado aos ministros de que ele prefere não mexer agora na equipe, mas pode rever os planos.

Nos bastidores, Lula está irritado com a lentidão de muitos auxiliares. Em evento no dia 22, com catadores de material reciclável, o presidente reafirmou que tem “pressa”, e que os ministros foram escolhidos para “atender aos interesses do povo”. Mas alertou que se eles deixarem a “burocracia dos ministérios dizer quando vai acontecer as coisas, as coisas não acontecem”.

A preocupação com a velocidade das ações não é aleatória. Pela lei eleitoral, Lula e seus ministros não podem participar de solenidades de entregas de obras públicas, com a presença de seus candidatos a prefeito e vereador, nos três meses que antecedem o pleito. Por isso, Lula quer agilidade nas entregas, sobretudo em relação às obras de maior visibilidade - e com maior impacto eleitoral -, como as residências do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), inaugurações de obras de segurança hídrica no Nordeste, e de trechos de rodovias.

Na mesma reunião ministerial, em trecho da fala presidencial que foi a público, Lula elogiou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao comentar o “feito inusitado” de aprovar a reforma tributária, após quatro décadas de discussão.

Haddad teve sucesso em aprovar a pauta econômica no Congresso, mas ainda recebe críticas de alas do PT pela defesa do déficit fiscal zero, inviabilizando a ampliação de recursos para investimentos em ano eleitoral. O próprio Lula demonstrou insatisfação com a meta fiscal, que ainda pode ser revista em março, quando a equipe econômica divulgar o relatório bimestral de receitas e despesas.

Também publicamente, Lula fez uma cobrança ao ministro do Esporte, André Fufuca (PP), um dos representantes do Centrão no governo. O presidente ressaltou que na esteira de seus esforços para reconquistar a relevância internacional do Brasil, o auxiliar tem a missão de trazer para o país a próxima Copa do Mundo de Futebol Feminino, que será realizada em 2027.

Lula lamentou que o Brasil concorrerá com adversários de peso, como as candidaturas conjuntas de Estados Unidos e México, e de Alemanha, Holanda e Bélgica, mas desafiou Fufuca: “Espero que sua capacidade de negociação seja capaz de convencer a Fifa de que somos os melhores”. A definição da sede do campeonato ocorrerá em maio de 2024.

Segundo relatos de participantes da reunião ao Valor, no trecho da fala que não foi transmitido, o presidente disse que os ministros devem fazer como o titular dos Transportes, Renan Filho (MDB), que desembarca nas cidades onde cumprirá agenda de entrega na véspera para dar entrevistas aos veículos locais, e divulgar as ações do governo. Ele ainda marca entrevistas com as rádios locais no início da manhã (na data do evento), para ampliar a repercussão do ato.

Lula também demonstrou satisfação com o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, observando que o governo deve chegar ao fim do ano com quase 2 milhões de vagas formais de emprego criadas. Segundo os dados mais recentes do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o país abriu, até novembro, 1,9 milhão de postos com carteira assinada. A taxa de desemprego caiu para 7,5%, a menor para novembro desde 2014.

Uma fonte da cúpula do PT disse ao Valor, no entanto, que Lula elogia Marinho internamente, mas não foi a público defender o ministro quando ele editou a portaria para regulamentar o trabalho nos domingos e feriados, e teve de recuar em meio às críticas. Além de ministro, Marinho é amigo de Lula desde os anos 80.

Ainda na mesma reunião, na fala interna, Lula destacou o desempenho dos ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira, responsável pela realização de dois grandes leilões de linhas de transmissão de energia neste ano, com previsão de investimentos estimados em R$ 36 bilhões, e da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, a quem pediu prioridade nas obras de segurança hídrica e na retomada da Transnordestina.

Nos bastidores, Lula também tem elogiado o ministro das Cidades, Jader Filho. O presidente convidou o auxiliar a acompanhar, ao seu lado, do Palácio da Alvorada, a entrega simultânea de mais de 1,6 mil unidades do MCMV. A agenda foi escolhida para marcar o primeiro ato público de Lula em outubro, depois que ele se recuperou da cirurgia para colocar prótese no quadril.

O presidente está satisfeito com os principais ministros da área social, mas fez ressalvas pontuais aos auxiliares, bem como contabilizou críticas de aliados aos titulares das pastas.

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, chegou ao fim do ano fortalecida ao ser blindada publicamente por Lula, que conteve a cobiça do grupo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao cargo da auxiliar. Nísia atendeu às prioridades de Lula para a pasta: o relançamento do Mais Médicos e a restauração das campanhas de vacinação. Ela ainda prepara para o primeiro trimestre de 2024 o lançamento do programa Mais Médicos Especialidades, outra prioridade encomendada pelo presidente.

Em balanço de fim de ano, Nísia mostrou que as vacinas recomendadas do calendário infantil apresentaram aumento nas coberturas vacinais em relação a 2022. Isso representou uma reversão da queda dos índices vacinais que o Brasil enfrentava desde 2016, a partir de quando ganhou corpo no país a campanha antivacina, alavancada pelo bolsonarismo na pandemia.

Num dos piores momentos de sua gestão, em outubro, a ministra teve de se desculpar pela “dança erótica” em evento institucional da pasta. Em paralelo, a mais recente rodada do Datafolha mostrou que a área da saúde é avaliada pelos brasileiros como o principal problema do país, com 23% das menções espontâneas (eram 17% em setembro).

Nísia até hoje vem sendo alvo de críticas de parlamentares da base aliada pelo suposto fluxo engessado das emendas. Em resposta às reclamações, a assessoria da ministra afirmou que o pagamento das emendas parlamentares foi priorizado neste ano. Foram empenhados 95% do valor reservado para essa rubrica: R$ 14,2 bilhões, com mais de R$ 12 bilhões pagos. A expectativa no fim do ano era que, até 31 de dezembro, todas as propostas tecnicamente viáveis fossem empenhadas.

Para 2024, uma das expectativas do presidente para alavancar a aprovação do governo é a abertura de mais 1 milhão de vagas em escolas em tempo integral - atribuição do titular do Ministério da Educação, Camilo Santana (PT). O ministro está tão prestigiado com Lula, que emplacou um apadrinhado, o desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará, Teodoro Silva Santos, em vaga no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Santana também atendeu às prioridades de Lula, com o lançamento dos novos programas de alfabetização e as escolas em tempo integral, e entregou ao Congresso o PL do novo ensino médio. Mas até novembro, a pasta não havia executado nenhum real dos R$ 801 milhões destinados à alfabetização infantil, prioridade do governo. A alegação de auxiliares do ministro é de que a pasta está acelerando o processo para repassar os recursos para as redes estaduais e municipais de ensino.

Blindado pela primeira-dama Rosângela da Silva (Janja), o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias (PT), resistiu ao assédio do Centrão pela pasta e permaneceu no cargo. Relançou o Bolsa Família, e chegou ao fim do ano com 21 milhões de famílias beneficiadas, recebendo, em média, R$ 677.

Mas Lula demonstrou descontentamento com Dias em alguns momentos. Segundo auxiliares presidenciais, ele avaliou que o ministro poderia ter sido mais cauteloso com a exclusão de beneficiários do programa, na operação pente-fino para combater fraudes. Aliados de Lula atribuíram sua queda de popularidade nas pesquisas, em parte, à insatisfação desses excluídos. Até novembro, o programa havia incluído 2,6 milhões de famílias, mas 8,3 milhões de cadastros foram bloqueados.

Lula também deu publicidade a elogios e críticas a alguns ministros. Na mesma solenidade com catadores, o presidente saiu em defesa do ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que foi alvo de bombardeio de lideranças do Centrão nos últimos dias. Ele elogiou o desempenho de Padilha, sobretudo na reforma tributária, lembrou que o governo não tem maioria no Congresso, e afirmou que o ministro “cumpriu o seu papel em 2023”.

Em contrapartida, no mesmo evento do dia 22, Lula fez uma cobrança pública ao ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo, que tem como principal atribuição cuidar do relacionamento do governo com os movimentos sociais. “No ano que vem, você tem que entregar uma pauta cheia de conquistas”, disse Lula ao auxiliar. “Você vai aprender: menos discurso e mais entrega”, completou.

Por meio da assessoria, Macêdo disse ao Valor que viu com naturalidade a declaração do presidente. O ministro ponderou que a relação de Lula com os catadores é de longa data, e “é natural que ele quisesse entregar mais projetos à categoria”, argumentou.

Ele ainda destacou algumas ações da pasta neste ano: as plenárias presenciais e a elaboração do Plano Plurianual (PPA) 2024-2027, e a realização do único evento fora da agenda oficial da ONU a que Lula compareceu em Dubai, na COP 28, em encontro com 134 representantes de ONGs e movimentos populares internacionais.

Uma fonte do Planalto lembrou que, apesar do puxão de orelha, Macêdo é um dos ministros mais próximos de Lula, e é um dos cotados para suceder à deputada Gleisi Hoffmann (PR) na presidência do PT em 2025.

Lula também não vai remanejar o ministro da Casa Civil, Rui Costa, para a presidência da Petrobras, conforme sugestão de alguns auxiliares, diante do descontentamento do presidente com a gestão de Jean Paul Prates à frente da estatal. O presidente ouviu críticas de auxiliares e de aliados ao estilo “gestor” de Costa, visto como um ministro com pouco traquejo político quando assumiu o cargo.

Mas o ex-governador da Bahia consolidou-se como um dos interlocutores mais ouvidos pelo presidente, ao lado de Haddad. Além disso, segundo auxiliares palacianos, Lula avalia que Costa mudou de atitude e tem demonstrado mais habilidade política na condução do cargo.

O Valor apurou que Lula ainda não escolheu o sucessor de Dino. O titular da pasta já anunciou que fica no cargo até o dia 10 de janeiro. Antes disso ele vai coordenar a solenidade de comemoração da restauração da democracia, no dia 8 de janeiro - um ano após os ataques de bolsonaristas radicais contra as sedes das instituições democráticas na Praça dos Três Poderes.

Continua no páreo para a sucessão de Dino o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski. E correm por fora o secretário-executivo da pasta, Ricardo Cappelli, que enfrenta a resistência de alas do PT, e o advogado Marco Aurélio de Carvalho, do Grupo Prerrogativas, que tem o apoio de nomes de expressão do PT, como o ex-ministro da Justiça Tarso Genro.

Quem chegou ao fim do ano em baixa com Lula foi o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi (PDT), que faltou à última reunião ministerial do ano para viajar para a Arábia Saudita, a fim de assistir à final do Mundial de Clubes entre o seu time, Fluminense, e o Manchester City.

Por meio da assessoria, Lupi explicou que viajou a convite da Fifa, mas como recebeu diárias do governo pelos cinco dias que ficou ausente do país, ele se comprometeu a devolver os recursos aos cofres públicos.

Lupi também não reduziu as filas de espera do INSS, principal demanda de Lula. Em outubro, fila de espera pelo benefício era de 1,674 milhão de requerimentos. O ministro argumentou, no entanto, que em dezembro, atingiu a meta de que a análise de um pedido seja feita em até 45 dias, conforme previsão legal.

 

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