quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Bruno Carazza - 2024, um ano para muitas reflexões sobre o passado e o futuro

Valor Econômico

Efemérides nos lembram de democracia, estabilidade econômica e combate à corrupção

Esse peculiar costume ancestral que nós humanos temos de celebrar mais uma volta completa do nosso planeta em torno do sol tem o poder de nos deixar pensativos. Refletimos sobre os erros e acertos do ano que se finda e, sobretudo, expomos nossos desejos e traçamos metas para o novo ciclo que se inicia.

Vem de tempos imemoriais o hábito de anotar a posição dos principais astros no céu a cada noite. A regularidade das observações permitiu a diferentes povos criar seus calendários e, muito depois, chegar à conclusão de que a Terra gira em torno do sol.

As tábuas utilizadas para esses registros astronômicos eram chamadas de efemérides – “de cada dia”, em grego. A origem etimológica é a mesma de efêmero, “aquilo que tem a duração de um dia”.

Da tradição de utilizar um diário para anotar os acontecimentos celestiais nasceu o interesse em marcar naqueles mesmos calendários também os fatos importantes da sociedade, como o nascimento dos reis, as vitórias em guerras ou a celebração de tratados de paz.

E assim, da mesma forma que as posições regulares das estrelas e constelações registradas nas tábuas astronômicas ajudavam caravanas e esquadras de navios a atravessar desertos e oceanos desconhecidos, a celebração de feitos históricos do passado nos faz refletir e, quem sabe, podem nos orientar a avançar em direção a um futuro melhor.

O ano de 2024 traz consigo, no Brasil, três efemérides que serão motivo de importantes debates, pois marcam eventos históricos de interpretação nem um pouco pacífica entre nós. Estarão em pauta os 60 anos do golpe militar de 1964, os 30 anos do Plano Real e os 10 anos da deflagração da Operação Lava Jato.

Embora não haja uma correspondência exata entre os críticos e os apoiadores desses episódios de nossa história, visões diferentes sobre o significado de cada um dividem a sociedade brasileira com narrativas específicas.

Nos últimos anos, impulsionado pelo bolsonarismo, cresceu o percentual da população favorável a soluções autoritárias para os problemas brasileiros. E assim, dos pleitos por intervenção militar à destruição dos símbolos dos Três Poderes que compõem nossa República foi um pulo – evento, aliás, que na próxima segunda-feira completa seu primeiro aniversário.

Com relação à Operação Lava Jato, nos últimos dez anos passou-se do extremo dos louvores à ação voluntarista de representantes do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal, aclamados como heróis por parcela relevante da sociedade, ao seu completo descrédito após as revelações da Vaza Jato e as opções políticas dos principais protagonistas das operações.

Já quando consideramos o trigésimo aniversário do Plano Real, ainda que haja um consenso relativamente bem disseminado entre as diferentes correntes políticas de que o controle da inflação é um valor a ser defendido, pois traz votos, ainda há muita divergência sobre quais são os instrumentos fiscais, monetários e cambiais para se alcançar esse objetivo.

Ao contrário das efemérides astronômicas, cuja regularidade da posição dos corpos celestiais levaram os antigos a extrair conclusões sobre os melhores caminhos a seguir, as efemérides históricas podem mais confundir do que iluminar.

Afinal, em vez de aproveitarmos a oportunidade para pensar em fórmulas de se fortalecer a democracia, a estabilidade econômica e o combate à corrupção no Brasil, muito provavelmente nossa energia cívica será dispersada em embates sobre as diferentes interpretações que bolsonaristas e lulistas, desenvolvimentistas e fiscalistas, lavajatistas e garantistas terão sobre os principais eventos históricos a serem relembrados em 2024.

Desejo a todos os leitores e leitoras um ano novo próspero, íntegro e pacífico.

 

2 comentários:

  1. Simplesmente BRILHANTE! Parabéns ao colunista e ao blog que divulga seu trabalho, hoje particularmente muito inspirado e verdadeiro!

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