segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Camila Rocha* - Os responsáveis pelo 8 de janeiro

Folha de S. Paulo

Um ano depois, pouco se avançou na punição de golpistas graúdos

Passado um ano do fatídico 8 de janeiro, pouco se avançou na punição de golpistas graúdos. Nenhum político, militar, grande empresário ou proprietário foi responsabilizado, ainda, com rigor similar ao dispensado àqueles que não ostentam altos cargos, patentes ou grandes posses.

Entre estes figuram pessoas como Matheus Lima de Carvalho Lázaro, um entregador de Apucarana (PR) que portava um canivete, e Raquel de Souza Lopes, uma cozinheira de Joinville. Ambos foram acusados de cometer cinco crimes, incluindo golpe de Estado. O paranaense deve passar os próximos 17 anos em regime fechado, pena similar a da catarinense, 16 anos e meio de reclusão.

Tais descrições se assemelham aos perfis que integram um mapeamento de cerca de 90 mil contas extremistas no X (antigo Twitter), realizado entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023. De acordo com os pesquisadores responsáveis pelo estudo, Rosana Pinheiro-Machado, Debora Diniz, Athus Cavalini, Fabio Malini e Wagner Silva Alves, parte expressiva do ecossistema comunicacional que demandava "intervenção militar" na rede social era formada por profissionais como manicures, cabeleireiras, vendedores e eletricistas, que, por motivações ideológicas, preferem se autodenominar empreendedores ou empresários em vez de trabalhadores autônomos.

Perfis identificados como policiais, militares, ou ex-agentes, contudo, não teriam aparecido de forma significativa no mapeamento por receio de exposição e punição. O que faz sentido considerando que, como afirmou o secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli, durante os atos golpistas houve enfrentamento com homens com tática de combate e equipamentos, mas que, ao contrário de milhares de civis presos preventivamente, sequer foram identificados.

Até o momento, apenas cinco oficiais da cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal haviam sido presos preventivamente pela Polícia Federal (PF) acusados de omissão durante os atos do dia 8. No entanto, não houve mais notícias sobre o assunto desde então. O Exército, por sua vez, informou em uma nota dirigida à imprensa, no último dia 4, que dois militares foram punidos disciplinarmente por "transgressões disciplinares", as quais não foram especificadas no comunicado.

No que diz respeito aos financiadores dos atos golpistas, em setembro foram cumpridos 53 mandados de busca e apreensão pela PF. O alvo principal foram pessoas que financiaram ônibus que transportaram os golpistas até Brasília. Porém, até agora, apenas um empresário, acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de fretar 4 ônibus, foi formalmente denunciado.

O intuito da operação da PF, denominada "Lesa Pátria", é mais amplo: investigar financiadores, executores, autoridades omissas e autores intelectuais dos ataques golpistas praticados por bolsonaristas. Sendo que entre possíveis autores intelectuais estão políticos como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Resta saber agora se haverá força e vontade políticas suficientes para punir os maiores responsáveis pelo o que ocorreu no dia 8 de janeiro, ou se, como de costume, quem irá pagar o pato serão apenas aqueles que possuem menos dinheiro e poder.

*Doutora em ciência política pela USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

 

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