O Globo
Esperemos que guardem alguns milhares para
avaliar os bilhões em subsídios. Aí no futuro poderemos aprender com nossa
realidade
Esta semana, o governo federal lançou um
grande pacote de política industrial, com vistas ao que ele mesmo denominou de
“neoindustrialização”. Por meio do BNDES, o governo vai oferecer crédito
(subsidiado) de até R$ 300 bilhões para a indústria nos próximos dois anos. O
lobby da grande indústria, como a CNI e a Fiesp, como esperado, celebrou.
Por um lado, a medida evoca uma série de
políticas de sucesso duvidoso da era da escolha de campeões nacionais, na
década passada. Por outro, ela também vem na esteira de novas evidências
científicas sobre políticas industriais, que mudaram o consenso negativo de
outrora em relação a essas políticas.
E quais são essas novas evidências?
Um dos mais importantes estudos dessa nova
leva é da economista Réka Juhász, da Universidade da Colúmbia Britânica. Ela
estudou o evento histórico da guerra de Napoleão com a Inglaterra, no começo do
século XIX.
O bloqueio napoleônico impediu o comércio do
Norte da Europa com os ingleses, impondo uma política equivalente a uma
proteção comercial às regiões do Norte — mas não às regiões do Sul do
continente. O que ela demonstra é que as regiões mais protegidas pelo bloqueio
foram mais propensas a se industrializar, embora o efeito tenha sido
temporário.
Outro trabalho relevante é de Nathan Lane,
professor da Universidade de Oxford. Ele analisou a celebrada política
industrial e petroquímica da Coreia do Sul. Ele demonstra que a política foi
bem-sucedida em promover a expansão dos setores focalizados em relação aos
outros setores da economia coreana, mesmo após o fim da política. A política
mudou o perfil das exportações coreanas, por exemplo.
Embora de muita qualidade, é preciso também
algum cuidado ao interpretar esses estudos. Como eles sempre comparam uma
região a outras ou um setor a outros, eles nunca respondem à pergunta que a
maior parte das pessoas se faz, qual seja: qual é o efeito da política sobre a
economia como um todo?
Para isso, é preciso pensar no efeito
agregado. Focalizando nesse efeito agregado, Ernest Liu, economista de
Princeton, concluiu que aqueles setores que fornecem muitos insumos para outros
setores são os que devem ser focalizados em uma política industrial ótima. Isto
porque eles “absorvem” as distorções de mercado dos setores subsequentes e
acabam tendo um tamanho menor do que o ideal, devendo, portanto, ser
estimulados pelo governo.
Ele demonstra que essa conclusão é
consistente com as experiências de política industrial da China e da Coreia do
Sul. Por essas e outras é que uma das políticas ótimas para o governo é
investir em educação e ciência: elas tendem a servir como base para outros
setores.
Como nada vem de graça, há alguns sacrifícios
nessas conclusões agregadas. Se elas respondem à pergunta correta, a resposta
vem de modelos matemáticos, que envolvem mais pressupostos teóricos que os
trabalhos anteriores. A verdade científica está na combinação dessas duas
respostas: a resposta precisa da pergunta indireta somada à resposta indireta
da pergunta direta.
Política industrial não pode ser vista como
um pecado. Claramente, em algumas situações, ela pode funcionar. Mas ela também
não pode ficar presa a receitas do passado.
No caso sul-coreano, por exemplo, Nathan Lane
enfatiza que ela sempre foi combinada com uma política de abertura comercial.
Se há possibilidade de combinar uma política industrial a uma política que
barateie o acesso de empresas à tecnologia, como a política de redução de
tarifas a bens de capital, o governo deve levar isso em consideração.
O foco genérico em grandes setores também não
ajuda. Paula Bustos, Juan Castro, Joan Monras e Jacopo Ponticelli estudaram a
disseminação da soja geneticamente modificada no Brasil, que induziu a
realocação de trabalhadores da agricultura para a manufatura de baixa
produtividade. Houve industrialização, mas sem inovação, portanto. Ou seja, é
importante pensar na produtividade de cada subsetor.
Essas lições da economia podem tornar a
política mais eficiente.
Por fim, é decepcionante (mas não
surpreendente) pensar que estamos implementando uma nova política similar ao
que fizemos uma década atrás, sem ter avaliado a anterior. Dessa vez, já que o
governo tem uma Secretaria de Avaliação de Políticas Públicas, esperemos que
guardem alguns milhares para avaliar os bilhões em subsídios distribuídos. Aí
no futuro poderemos aprender com nossa própria realidade.
Interessante e bem concluído. Mas a "verdade científica" suposta pelo colunista está só na cabeça dele! Em questões tão amplas e complexas como as que ele discutiu, certamente não existe uma "verdade científica" a ser encontrada com a junção que ele sugere.
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