quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Elio Gaspari - Sem metas, a Nova Indústria é velha

O Globo

Como disse Lula, 'que a gente possa cumprir isso que a gente escreveu no papel'

Faz tempo, quando o governo do presidente Ernesto Geisel divulgou seu Plano Nacional de Desenvolvimento, o professor Mário Henrique Simonsen, seu ministro da Fazenda, comentou:

— Não leio obras de ficção.

Quem as lê pode perder algum tempo com o programa Nova Indústria Brasil e suas “metas aspiracionais”, com seis missões. Provável mesmo é que a Viúva colocará na mesa créditos de R$ 300 bilhões até 2026.

(Durante a fala de Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento e vice-presidente, a câmera percorreu parte da audiência, e pelo menos nove convidados — três dos quais colegas de ministério — liam papéis ou mensagens nos celulares.)

Louvem-se os autores. Eles chamaram as metas de “aspiracionais”. Enunciaram desejos, em vez de cravar promessas. Na Missão 3 aspira-se a “reduzir em 20% o tempo de deslocamento de casa para o trabalho” (atualmente, esse tempo médio é de 4,8 horas semanais).

Na defesa dessa nova política industrial, os doutores repetiram que países como Coreia e Japão cresceram porque suas indústrias foram amparadas pelo governo. Deixando de lado o fato de lá empresários larápios irem para a cadeia e não receberem alívio do Supremo Tribunal Federal, essa é uma velha questão. No Japão e na Coreia havia metas, compromissos e penalizações. Quais serão as metas que as empresas se obrigam a cumprir com a Nova Indústria? Por enquanto, nem uma palavra.

Sabe-se que essas metas serão definidas daqui a 90 dias, mas poderão ser mudadas. Ou seja, as metas também serão “aspiracionais”. Na reunião consumiram-se cerca de seis de seus 97 minutos em tediosas saudações. Nela, a única pessoa que associou explicitamente as aspirações a algum tipo de cobrança pelas “consequências do ato que estamos discutindo” foi Lula:

— O problema não termina aqui, ele começa aqui.

Aos 78 anos, Lula faz parte de uma geração única na História: financiou três polos de construção naval, cada um com resultados piores que o anterior. O primeiro veio com Juscelino Kubitschek; o segundo, com Geisel; e o terceiro, com Lula 1. Por enquanto, o quarto polo naval está fora das metas aspiracionais, mas ninguém perde por esperar.

O governo sabe propagar aspirações. Em janeiro de 2007, Lula anunciou seu primeiro Programa de Aceleração do Crescimento. Um ano depois, incluiu nele o Trem-Bala, que ligaria o Rio a São Paulo e Campinas. Deu no que deu.

Políticas industriais funcionam quando o governo obriga os empresários beneficiados a cumprir metas e não subverte as regras do jogo.

A primeira salva de palmas para o programa Nova Indústria partiu da Fiesp. Mau sinal. Em janeiro de 2020, o doutor Paulo Skaf, presidente da “poderosa”, publicou um artigo intitulado “Muito prazer, somos a Fiesp”. Seu recado era curto e grosso: “Apoiamos Bolsonaro, que pôs o país no rumo certo”. Na reunião de segunda-feira, o representante da Confederação Nacional da Indústria informou:

— Estamos no caminho certo.

Apoiaram Bolsonaro e apoiarão todos os seus sucessores, desde que ofereçam bons créditos.

Como disse Lula ao encerrar sua fala, “que Deus nos abençoe e que a gente possa cumprir isso que a gente escreveu no papel”.

 

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