O Globo
Como disse Lula, 'que a gente possa cumprir
isso que a gente escreveu no papel'
Faz tempo, quando o governo do
presidente Ernesto
Geisel divulgou seu Plano Nacional de Desenvolvimento, o professor
Mário Henrique Simonsen, seu ministro da Fazenda, comentou:
— Não leio obras de ficção.
Quem as lê pode perder algum tempo com
o programa
Nova Indústria Brasil e suas “metas aspiracionais”, com seis missões.
Provável mesmo é que a Viúva colocará na mesa créditos de R$ 300 bilhões até
2026.
(Durante a fala de Geraldo Alckmin, ministro
do Desenvolvimento e vice-presidente, a câmera percorreu parte da audiência, e
pelo menos nove convidados — três dos quais colegas de ministério — liam papéis
ou mensagens nos celulares.)
Louvem-se os autores. Eles chamaram as metas
de “aspiracionais”. Enunciaram desejos, em vez de cravar promessas. Na Missão 3
aspira-se a “reduzir em 20% o tempo de deslocamento de casa para o trabalho”
(atualmente, esse tempo médio é de 4,8 horas semanais).
Na defesa dessa nova política industrial, os doutores repetiram que países como Coreia e Japão cresceram porque suas indústrias foram amparadas pelo governo. Deixando de lado o fato de lá empresários larápios irem para a cadeia e não receberem alívio do Supremo Tribunal Federal, essa é uma velha questão. No Japão e na Coreia havia metas, compromissos e penalizações. Quais serão as metas que as empresas se obrigam a cumprir com a Nova Indústria? Por enquanto, nem uma palavra.
Sabe-se que essas metas serão definidas daqui
a 90 dias, mas poderão ser mudadas. Ou seja, as metas também serão
“aspiracionais”. Na reunião consumiram-se cerca de seis de seus 97 minutos em
tediosas saudações. Nela, a única pessoa que associou explicitamente as
aspirações a algum tipo de cobrança pelas “consequências do ato que estamos
discutindo” foi Lula:
— O problema não termina aqui, ele começa
aqui.
Aos 78 anos, Lula faz parte de uma geração
única na História: financiou três polos de construção naval, cada um com
resultados piores que o anterior. O primeiro veio com Juscelino
Kubitschek; o segundo, com Geisel; e o terceiro, com Lula 1. Por enquanto,
o quarto polo naval está fora das metas aspiracionais, mas ninguém perde por
esperar.
O governo sabe propagar aspirações. Em
janeiro de 2007, Lula anunciou seu primeiro Programa de Aceleração do
Crescimento. Um ano depois, incluiu nele o Trem-Bala, que ligaria o Rio a São
Paulo e Campinas. Deu no que deu.
Políticas industriais funcionam quando o
governo obriga os empresários beneficiados a cumprir metas e não subverte as
regras do jogo.
A primeira salva de palmas para o programa
Nova Indústria partiu da Fiesp. Mau sinal. Em janeiro de 2020, o doutor Paulo
Skaf, presidente da “poderosa”, publicou um artigo intitulado “Muito prazer,
somos a Fiesp”. Seu recado era curto e grosso: “Apoiamos Bolsonaro, que pôs o
país no rumo certo”. Na reunião de segunda-feira, o representante da
Confederação Nacional da Indústria informou:
— Estamos no caminho certo.
Apoiaram Bolsonaro e apoiarão todos os seus
sucessores, desde que ofereçam bons créditos.
Como disse Lula ao encerrar sua fala, “que
Deus nos abençoe e que a gente possa cumprir isso que a gente escreveu no
papel”.
Amém!
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