sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Fabio Giambiagi - Por uma fusão autônoma

O Globo

A união evitaria dois males: ter como núcleo de oposição uma seita de fanáticos e deixar o PT como único polo de poder

Na Espanha, o Partido Popular (PP) e o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) são organizações políticas com perfil claramente definido. O mesmo vale para a social-democracia e a democracia cristã alemã ou para partidos análogos em Portugal. Nesse sentido, o único partido de verdade que sobrou no Brasil é o PT.

Um país, porém, precisa ter o bom debate. O bolsonarismo é uma distorção aberrante que surgiu na política brasileira em 2018 e torço para que, assim como surgiu, se dilua, pois só trouxe desordem, grosseria e caos onde antes havia certa racionalidade.

Por outro lado, julgar que os partidos que compõem o Centrão refletem uma concepção liberal do país é uma manifestação de humor, haja vista o pragmatismo que rege o comportamento desses partidos. A questão é: quem fará o embate político e ideológico contra o PT?

Gilberto Kassab — um dos políticos mais argutos do Brasil — disse certa vez, em tom de pilhéria, que seu partido — o PSD — não era “nem de direita, nem de esquerda, nem de centro”. Eu me permitiria discordar, de certa forma, dessa interpretação, por considerar que o partido é, simultaneamente, “de direita, de esquerda e de centro”.

Com isso quero dizer que não ignoro as evidências de que ele — assim como o Centrão — tem um pé em cada canoa, mas reconheço que se insere dentro de certa tendência moderna a abrigar políticos de correntes com nuances entre si que, tendo algumas diferenças em relação a aspectos da vida nacional, podem comungar de um conjunto de opiniões que justifiquem pertencer a um mesmo partido, combinando elementos de unidade com outros de diversidade.

Ao mesmo tempo, pelo papel que Kassab teve nas origens de sua carreira, penso que tem mais densidade potencial para ser o baluarte de certas posições associadas à defesa do livre mercado e das virtudes de um capitalismo dinâmico.

Por outro lado, o partido que, depois da redemocratização, polarizou com o PT durante 20 anos — o PSDB — ficou limitado a um papel bisonho, depois do fiasco nos processos eleitorais de 2018 e 2022. Ele, que chegou a rivalizar com o PT, o PMDB e o antigo PFL, como um dos grandes partidos do país, ficou reduzido a uma expressão ínfima, com pouco mais de dez deputados, quando tinham sido mais de 50 nas eleições de 2010.

A mudança das regras acerca da cláusula de barreira aprovada anos atrás irá provocar um enxugamento do número de partidos no Brasil. Nada impede, porém, que partidos que poderiam continuar a existir se associem de forma autônoma para formar uma única agremiação.

Foi o caso da fusão entre o PSL e o DEM, que gerou o União Brasil. Esse movimento, porém, foi meramente eleitoreiro, despojado de qualquer solidez ideológica e precariamente articulado, tendo sido uma espécie de cruzamento de gato com cachorro, do qual saiu um ser amorfo que até agora ninguém sabe o que representa.

A sugestão aqui feita é que, assim como houve essa fusão, PSD e PSDB pensem em algum momento em se juntar, com um olhar para os próximos 20 anos. O PSD pelo papel-chave de aglutinação que terá na política brasileira. E o PSDB por ter o que falta ao primeiro: história e conteúdo.

Uma fusão entre os dois, de preferência com a “marca” dos tucanos, criaria um partido respeitável próximo de 60 deputados, que poderiam chegar a cem em uma ou duas eleições, dando um esteio para a política nacional e fazendo em relação ao PT o contraponto que este, com grande competência, fez quando FH governava o país, nos anos 90 e começo da década de 2000.

Seria a melhor forma do Brasil evitar dois males: i) ter como polo de oposição uma seita de fanáticos; e ii) ter o PT como único polo de poder, atraindo nacos de apoios sem qualquer base programática. Sei que, em São Paulo, os dois partidos vivem às turras, mas, olhando para o país, vale a pena pensar em algo como o que está sendo aqui proposto.

 

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