segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Ignácio de Loyola Brandão* - Por que tanto ódio?

O Estado de S. Paulo

Do ponto de vista do abraçar, querer bem e ter compaixão, padre Júlio dá lições a todos nós

Há em São Paulo um mistério que me atormenta. Mistério que talvez nem Sherlock Holmes, Agatha Christie, George Simenon, Patricia Cornwell, Ellery Queen e Patricia Highsmith consigam resolver. Ah, senhores vereadores, os citados estão entre os mestres da ficção policial. Ficção é fantasia, imaginação. Realidade são os que roubam celulares nas ruas, quebram vidros dos carros e levam o que podem, sequestram pessoas, exigem Pix dos idosos na porta dos bancos, reviram lixo em busca de comida, ou aqueles que exigem Pix para salvar suas almas e levá-las a Deus, telefonam comunicando compras feitas com nosso cartão fora de nosso perfil, e assim por diante.

Isso vocês, boa parte de nossos edis (edil é sinônimo de vereador, assim como prócer, agnoteta, arquimandrita), ignoram. Realidade é a cidade suja, calçadas arrebentadas, bueiros entupidos, ruas esburacadas ou sem iluminação, correio que não pode chegar a muitos CEPs por insegurança, casas sobre esgotos ou na beira de morros despencando com chuvas, doenças infecciosas, riachos cheios de urina e merda correndo entre casas, semáforos quebrados.

Tudo isso acontece realmente e nos atormenta como cidadãos. Caros vereadores. Talvez boa parte de vocês ignore esta cidade que relatei. E aqui digo “caros” não com o significado de queridos, mas sim de quanto pagamos para sustentá-los. E olhem que nomeei 0, 7% de problemas fundamentais para sermos uma metrópole civilizada, boa para se viver. Ou apenas os do andar de cima são dignos de viver?

Qual de vocês desceu do gabinete, saiu do carro blindado (do que têm medo?) e conversou com aqueles em situação de rua? Quem sabe o que é dormir numa calçada gelada em noite fria? São mais de 200 mil no Brasil, quase a população de minha terra, Araraquara. Quem se sentou no chão com pedintes, miseráveis, doentes para os quais não há SUS, nem nada? Quem passou uma noite na rua dando comida, cobertores, remédios? Quantos conhecem o trabalho do padre Júlio Lancellotti, um São Francisco de Assis da atualidade? Mesmo que não tenham a mesma crença, sabem quem foi São Francisco? Padre Júlio vem sendo vilipendiado, escorraçado, amaldiçoado. Não votamos em vocês somente para validar arranha-céus e mudar planos de zoneamento. E esta crônica, neste início de novo ano, é para tentar decifrar o mistério maior de todos os tempos: que mal o padre Júlio Lancellotti fez a vocês? Por que ele incomoda? O que fez para despertar tanto ódio? O que há por trás desse rancor? Do ponto de vista do abraçar, querer bem ao próximo e ter compaixão, padre Júlio dá lições de humanidade a vocês e a todos nós.

*Jornalista e escritor, autor de 'Zero' e 'Não verás país nenhum'

 

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