quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Lu Aiko Otta - Dúvidas e desconfianças na política industrial

Valor Econômico

Anúncio da semana passada foi incompleto, mas a promessa é de que não se aceitará a repetição da gastança vista nas iniciativas anteriores

Torneiro mecânico, com a carreira política forjada em portas de fábrica no ABC paulista, Luiz Inácio Lula da Silva levou mais de um ano para anunciar seu plano de “neoindustrialização”. Chegou incompleto, como ficou claro no anúncio, na semana passada. Serão necessários ainda 90 dias para lhe dar carne e osso.

Na falta de informações, a Nova Indústria Brasil (NIB), como foi batizada, é criticada pelo que pode vir a ser e pelo que pode deixar de entregar. Afinal, não se sabe.

Ao trazer à tona a ideia de um “Estado empreendedor” e colocar compras governamentais, exigência de conteúdo nacional e empréstimos subsidiados como ferramentas para apoiar o desenvolvimento de cadeias produtivas nacionais, a nova política industrial pareceu a reedição de sua desastrosa versão anterior, que trouxe prejuízos aos cofres públicos e esteve no centro das investigações da Lava-Jato.

A quantidade de autoridades que precisaram vir a público dizer que não é a mesma coisa mostra o tamanho da desconfiança despertada.

O próprio Lula pareceu ter dúvidas durante o anúncio da NIB. Não em relação às suas conexões com o passado, mas quanto à sua evolução. Afirmou ser necessário um acompanhamento que permita exigir cumprimento das ideias discutidas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), para que se tenha algo concreto daqui a três anos.

Como revelaram os repórteres Renan Truffi e Fabio Murakawa, deste jornal, antes do anúncio Lula se irritou com as metas muito “soltas”. Por exemplo: elevar as propriedades da agricultura familiar mecanizadas de 18% para 70% em uma década (detalhe: 95% seriam de produção nacional).

Também esse ponto a nova política parece repetir o passado: anúncios de metas ambiciosas que não saem do papel.

A NIB se apoia em linhas de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). Tem como “missões” fortalecer a produção nacional de alimentos, medicamentos, vacinas, equipamentos médicos e equipamentos de defesa, além de avançar na digitalização de empresas, na descarbonização e no bem-estar nas cidades.

É possível que, no detalhamento, essas ideias mostrem mais conexão com temas há muito cobrados pela indústria.

No caso dos remédios, por exemplo, o centro das preocupações da indústria não é crédito, e sim regulação, disse à coluna o presidente do grupo FarmaBrasil, Reginaldo Arcuri. Para ele, é urgente o fortalecimento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Aguardam análise pela agência reguladora novos produtos que, se comercializados, movimentariam R$ 18 bilhões, informou o executivo.

Questionada, a Anvisa informou que não tem como confirmar ou negar a cifra, por desconhecer a metodologia de cálculo.

Disse também que aposta no aumento da força de trabalho especializada, modernização do sistema de informação e atualização de taxas para ganhar agilidade e eficiência. Estima faltarem 240 funcionários para área de medicamentos. Há 653 produtos na fila aguardando análise.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por sua vez, registrou em nota a importância de melhorias no campo regulatório e no ambiente de negócios para o sucesso da política industrial. Avaliou que a situação do país é “difícil” no quesito competitividade, por causa do elevado custo Brasil, estimado em R$ 1,7 trilhão ao ano.

Durante muitos anos, Arcuri esteve do outro lado do balcão. Trabalhou no governo, na pasta que agora se chama Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic). Sua principal área de atuação foi justamente a política industrial.

“Obviamente, há coisas que saíram errado”, disse, ao avaliar as políticas do passado. “Mas aí é preciso distinguir o joio do trigo e fazer o que é necessário e correto”, disse, ao falar dos empréstimos com subvenções.

Havendo transparência, avaliou, essas operações não representam favorecimento. São instrumento utilizado em vários países e do qual o Brasil não deve abrir mão, se quiser se inserir nas cadeias internacionais de forma competitiva.

Os subsídios ao crédito são vistos com preocupação por especialistas em contas públicas. Menos pelo que está anunciado e mais por ser uma possível janela para futuras expansões de gastos públicos.

Pelas contas da CNI, os subsídios aos empréstimos previstos no NIB deverão somar R$ 1,9 bilhão ao ano. E compara: os financiamentos anuais à agricultura envolvem R$ 11 bilhões.

Números pequenos perto do que já custou ao Tesouro o Programa de Sustentação de Investimentos (PSI), de 2008. Até agora, a conta de subvenções chegou a R$ 342,3 bilhões.

São muitas as dúvidas e as desconfianças a serem esclarecidas ao longo das próximas semanas a respeito da nova política industrial. Mas há uma certeza: a de que não se aceitará a repetição da gastança.

 

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