sábado, 20 de janeiro de 2024

Luís Francisco Carvalho Filho* - A democracia fraqueja

Folha de S. Paulo

Bolsonarismo está vivo, e Tarcísio replica a política de eliminação que o ex-presidente sempre articulou

O não comparecimento do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e dos governadores de São PauloRio de Janeiro e Minas Gerais, entre outros, à cerimônia para relembrar a tentativa de golpe de 8 de janeiro, fomentada por Jair Bolsonaro (PL) e oficiais militares, é sinal evidente de que a ruptura institucional ainda faz parte do horizonte político.

Lira se mantém subserviente ao bolsonarismo que contamina as bancadas que representam o agronegócio, as igrejas e a indústria da segurança pública.

Apesar da perda dos direitos políticos, o ex-presidente circula livremente e dissemina o veneno golpista. Em vez de ser execrada, a figura autoritária, criminosa e bisonha de Jair Bolsonaro continua sendo cortejada por forças conservadoras. Seu laboratório de políticas destrutivas está em pleno funcionamento.

Ricardo Nunes (MDB), prefeito de São Paulo e candidato à reeleição, quer que Bolsonaro escolha o vice de sua chapa. Aposta na polarização golpista para conquistar eleitores.

Não por acaso, atenta à pauta bolsonarista de costumes, a prefeitura de São Paulo suspendeu em dezembro o serviço de aborto legal, que, em tese, deve ser oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde. O Judiciário reverteu a decisão, mas o agrado foi feito.

Para não melindrar parcela das Forças Armadas que ainda sente saudades da ditadura militar, a Presidência da República vem se omitindo e não promove a reinstalação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, criada por lei em 1995, e arbitrariamente dissolvida por Jair Bolsonaro no final de sua gestão.

Surgem indicadores preocupantes de que falta empenho das Forças Armadas na repressão ao garimpo ilegal em territórios yanomamis.

Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo e um dos apoiadores silenciosos da tentativa de golpe, aposta na letalidade policial para formular o discurso da luta contra o crime.

Ao dizer que não vai investir em câmeras corporais nas fardas de PMs porque elas "não protegem cidadãos", Tarcísio mente e replica a política de eliminação de suspeitos que Bolsonaro sempre articulou.

A promessa de Tarcísio foi proferida dias depois de o Ministério Público oferecer denúncia criminal, por homicídio qualificado, contra dois PMs que participaram da chamada Operação Escudo –chacina concebida pelo governo estadual para vingar a morte de policial em Guarujá. Os PMs são acusados de obstruir câmeras corporais e adulterar a cena do crime.

Além de fortalecer mecanismos de controle e melhorar a produtividade da corporação, o uso de câmeras pela PM protege, sim, o cidadão (suspeito ou não suspeito) da ação de policiais assassinos e arbitrários, que recebem de Tarcísio e de outros governadores licença oficiosa para matar.

Os batalhões que incorporaram o uso das câmeras corporais tiveram redução de 76,2% na letalidade dos policiais militares entre 2019 e 2022. O número de adolescentes mortos caiu 66,7%, informa o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Nos próximos meses, Tarcísio, que costuma hospedar o ex-presidente golpista em áreas íntimas do Palácio dos Bandeirantes, escolherá para a chefia do Ministério Público de São Paulo um promotor bolsonarista. A máquina mortífera da polícia paulista estará ainda mais azeitada.

A democracia fraqueja porque, em relação às principais lideranças do movimento que pretendia reverter a vitória eleitoral de Lula, a impunidade persiste.

*Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

Um comentário:

  1. Excelente! Especialmente verdadeiro o seu último parágrafo! Apenas 1 ano depois do 8/1, o primeiro deputado federal foi alvo de busca e apreensão dentro da investigação... Teve 365 dias pra esconder e/ou apagar todas as provas ou evidências que o incriminassem!

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