sábado, 6 de janeiro de 2024

Luiz Gonzaga Belluzzo* - De boas intenções…

CartaCapital

O ano mal começou e somos obrigados a ouvir o sermão contra os governos “gastadores”

Já nas saudades do Natal e do Réveillon, em 2 de janeiro, a Folha de S.Paulo brindou seus leitores com uma manchete de primeira página: “Dívida global bate recorde e cria trava para Brasil baixar juros e crescer mais”. A matéria do jornalista Fernando Canzian apresenta os dados coletados e elaborados pelo Institute of International Finance (reproduzidos nestas páginas).

No livro Dinheiro – O Poder da ­Abstração Real cuidei do trabalho de ­Richard Duncan The New Depression: The ­Breakdown of the Paper Money ­Economy. Nessa obra, Duncan examina as tendências e mudanças no endividamento dos setores da economia norte-americana entre 1945 e 2007. O autor assinala que, nesse período, nos Estados Unidos, a participação relativa dos setores – governo, empresas, famílias – no endividamento mudou radicalmente. Em 2007, a dívida pública caiu para 10% da dívida total. Um declínio expressivo, mas não surpreendente. A dívida pública abandonou os píncaros alcançados durante o esforço de guerra e declinou naqueles de prosperidade que acompanharam os 30 Anos Gloriosos. Não houve mudança na participação do endividamento do setor corporativo. Permaneceu inalterado em 13%. Os desenvolvimentos notáveis e críticos vieram no setor de famílias e no setor financeiro.

A participação das famílias foi impulsionada pelo formidável avanço do crédito ao consumo: a dívida saltou de 8% para 28%. No avanço das transformações que se seguiram à liberalização e desregulamentação na posteridade dos anos 70, o setor financeiro chegou a 2007 ostentando o galardão de maior devedor entre todos, 32% de toda a dívida. O salto acentuado no nível de endividamento desses dois setores não foi surpreendente. Consideremos o setor financeiro. No fim da década de 1940, os bancos não emitiram quase nenhuma dívida. Os depósitos forneceram quase todo o funding do setor. Foi o período em que prevalecia o crédito bancário. Isso começou a mudar durante a década de 1960. Entre os cinco mais endividados, o setor financeiro apresentou o menor nível até 1966, quando ultrapassou o setor empresarial não corporativo, ou seja, as pequenas e médias empresas.

Em 1988, o setor financeiro superou a dívida do governo federal, para se tornar o terceiro mais endividado. Dois anos depois, seu endividamento superou aquele do setor corporativo. E, em 1998, passou para o primeiro lugar. Em 2007, o setor financeiro abrigava 16 trilhões de dólares em dívidas. As famílias deviam 14 trilhões. O setor corporativo ficou em terceiro lugar, com 7 trilhões. O governo federal devia 5 trilhões, e o setor empresarial não corporativo devia 4 trilhões.

A dívida total ficou em torno de 150% do PIB entre 1946 e 1970. Essa proporção subiu gradualmente para 170% no fim da década de 1970 e, depois, cresceu acentuadamente durante a década de 1980, encerrando o período em 230%. A taxa de expansão da dívida sofreu ligeira redução durante a maior parte da década de 1990, mas voltou a subir a partir de 1998. Em 2007, a dívida total do mercado de crédito em relação ao PIB atingiu 360%.

O livro First Responders, organizado por Ben Bernanke, Henry Paulson e ­Timothy Geithner, assessores do Federal Reserve e do Tesouro, registra as características dos mercados contemporâneos.­ “O sistema financeiro mudou de forma fundamental nas décadas que antecederam a crise de 2008: mais crédito e precificação de risco foram intermediados nos mercados financeiros, sob os auspícios de instituições não bancárias. Muitas dessas instituições dependem de financiamento de curto prazo nos mercados monetários atacadistas, em vez de depósitos à vista garantidos e estáveis; assim, são mais vulneráveis a uma queda na confiança dos investidores, o que pode levar à queima de ativos e ao contágio do mercado.”

Ao constatar o avanço do endivi­damento global, acode aos econo­mistas e comentaristas, aqueles que partilham e divulgam a visão “papai-mamãe”, recomendar o corte de gastos aos governos “irresponsáveis”. Tais decisões são “racionais” do ponto de vista microeconômico e virtuosas sob a ótica da gestão das finanças domésticas, mas perversas para o conjunto da economia. Se todos pretendem cortar gastos, realizar superávits e se tornar líquidos ao mesmo tempo, o resultado só pode ser a queda da ­renda, do emprego e a derrocada no valor das dívidas e dos ativos financeiros. É o paradoxo da desalavancagem, também conhecido como o inferno das boas intenções, cujas chamas crepitam no conhecido, mas sempre descuidado, território das falácias de composição.

No ciclo de expansão ocorrido no período 2000-2007, combinaram-se métodos inovadores de “alavancagem” financeira, valorização imobiliária, a migração da produção manufatureira, a ampliação das desigualdades, insignificante evolução dos rendimentos da população assalariada e dependente e a degradação dos sistemas progressivos de tributação.

A lenta evolução dos rendimentos acumpliciou-se à vertiginosa expansão do crédito para impulsionar o consumo das famílias e estimular as empresas a maximizarem os ganhos financeiros em detrimento do investimento produtivo, aquele que cria renda e emprego para as famílias.

Quando os motores reverteram, acionados pela queda nos preços dos imóveis e pela desvalorização dos ativos financeiros associados ao consumo, escancarou-se um estoque de endividamento “excessivo” das famílias, calculado em relação aos fluxos esperados de rendimentos e à derrocada do valor das residências. Afogadas nas sobras de capacidade à escala global, as empresas cortaram ainda mais os gastos de capital. Aliviadas da carga de ativos podres graças à ação dos Bancos Centrais, as criaturas da finança foram resgatadas do naufrágio e acumularam em seus balanços títulos públicos emitidos pelos Tesouros para impedir o colapso.

Vamos avaliar os governos “gastadores”. Entre a queda das receitas fiscais, a ampliação automática das despesas e o socorro aos bancos moribundos, os déficits aumentaram, mas engordaram as carteiras dos bancos com a dívida dos governos. 

*Publicado na edição n° 1292 de CartaCapital, em 10 de janeiro de 2024.

6 comentários:

  1. O Farsante Da Politica na Carta Capital? Ler pra quê? MAM

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  2. Anônimo6/1/24 12:36

    EdsonLuiz.6/1/24 11:44
    SARDENBERG OU BELUZZO?

    1982,1983...1985...1989...
    1992,1993,...1995,...1999...
    2002,2003,...2005,...2009...
    2012,2013,...2015,...2019...
    2022,2023,...

    Carlos Alberto Sardemberg, o autor deste artigo, parece mau-humorado. Mas é apenas um homem lamentando o destino a que vêm condenando o seu país:: de 1982 até hoje o Brasil encontra-se com sua economia estagnada.

    ■Alguém pode ler o Sardenberg, suas queixas com gastança e com falta de responsabilidade, suas reclamações com os repetidos desequilíbrios fiscais, se sentir contrariado e soltar vespas em Sardemberg.
    ■Depois este alguém pode ler Luiz Gonzzaga Beluzzo, a defesa que Beluzzo faz de gastança, não achar que gastança é irresponsabilidade, que não resulta em desequilíbrios, se identificar com Beluzzo porque ele instiga a um caminho com promessa de redenção, ficar animado e aplaudir Beluzzo.

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    1. Anônimo6/1/24 12:39

      OS FATOS
      OS DADOS
      A REALIDADE

      ■■■Antes de alguém fechar qualquer juízo quanto às queixas de Sardenberg e o Pau-na-Máquina de Beluzzo eu chamaria a atenção para que refletisse que nestes anos os que tentaram andar fizeram o que Beluzzo recomenda e o que Sardenberg lamenta.

      De diferente teve o intervalo do período Fernando Henrique/Lula1.

      ■■■Este período Fernando Henrique/Lula1 teve início em maio/1993, quando Fernando Henrique assumiu o Ministério da Fazenda no governo Itamar Franco e começou a implementar o Plano Real e a fazer reformas estruturais, e é um período que vai até o final do 1° mandato de Lula, em dezembro/2006.
      ■É um período que seguiu com os dois mandatos de Fernando Henrique e o 1° mandato de Lula.

      Lula, na campanha de 2002, assinou e divulgou um documento se comprometendo a não implantar as políticas econômicas do PT e dar continuidade às políticas do governo que herdava. E Lula cumpriu o que assinou e no seu 1° mandato deu continuidade ao saneamento das contas públicas iniciado por Fernando Henrique.

      ■Como Lula1 deu total continuidade a FHC1eFHC2, e como este período teve início um pouco antes, quando FHC assumiu o Ministério da Fazenda e implantou o Plano Real, eu considero este período, que vai de 1993 até 2006, como um só período de nossa economia.

      Este período foi quando as consequências de tentar acelerar o desenvolvimento com investimento baseado em dívida, principalmente a partir de 1974, resultou em desequilíbrio fiscal e a inflação estava se aproximando de 3000% (sic::três mil por cento!) e o Brasil acumulava problemas econômicos e sociais completamente alarmantes, todos em trajetória de se agravarem ainda mais.
      ■Fernando Henrique iniciou, em 1993, o saneamento da nossa economia e Lula1 deu continuidade ao saneamento iniciado por Fernando Henrique.

      A partir do seu 2° mandato, iniciado em 2007, Lula se afastou das políticas deste período e começou a implantar as políticas próprias do PT, que têm mais semelhança com o desenvolvimentismo que desembocou na paradeira iniciada em 1982.

      De 1974 para cá, nós brasileiros vivemos estes dois caminhos::
      A)■O assim chamado "desenvolvimentismo", com o investimento sendo feito com emissão de dívida, que é um período que vai de 1974 até agora;
      B)■E dentro deste período de política chamada de desenvolvimentista houve um intervalo que vai de 1993 até 2006, quando tivemos a experiência de aplicar austeridade, sanear a situação fiscal das contas públicas e buscar equilíbrio fiscal.

      O período de nossa economia chamado de "desenvolvimentista", que vai de 1974 e segue até hoje, teve o seu alge no governo Geisel e depois no governo Dilma.
      ■É o período de buscar crescimento baseado em fazer dívida para investir, que é o que propõe Luiz Gonzaga Beluzzo.

      O intervalo dentro deste período em que se fez uma política fiscal e econômica diferente foi o que junta os mandatos FHC1eFHC2 com o Lula1, e vai de 1993, quando FHC assumiu o Ministério da Fazenda de Itamar, até o fim do 1° mandato de Lula, em 2007 e interrompido em Lula2.
      ■E o período de busca de crescimento baseado em austeridade para primeiro sanear os desequilíbrios fiscais e depois prosseguir sem deixar que os desequilíbrios retornem e é o caminho proposto por Carlos Alberto Sardenberg.

      SARDENBERG OU BELUZZO
      ■Os dados, os fatos, a realidade, têm dado razão a quem?

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  3. Anônimo6/1/24 12:42

    MARCOS LISBOA OU BELLUZZO?

    Como Sardemberg não é e economista, sendo ele um jornalista que estudou direito e filosofia e que quando estava no fim não pôde se graduar, impedido que foi pelo AI-5, vou confrontar dois economistas::
    ■Marcos Lisboa
    ■Luiz Gonzaga Belluzzo.

    =》Marcos Lisboa representa a proposta de buscar o crescimento iniciando o caminho pela austeridade fiscal defendida por Sardenberg e foi Marcos Lisboa o condutor das políticas econômicas no governo Lula1, com Henrique Meireles no Ministério da Fazenda;

    =》Luiz Belluzzo representa ele mesmo a sua proposta de fazer expansão de gastos com dívida para buscar crescimento e trabalhou no Ministério da Fazenda do Governo Sarney e depois atuou no governo Quércia quando este foi governador de São Paulo. No governo Lula1 Belluzo não pôde influenciar, por causa da presença de Marcos Lisboa no Lula1 conduzindo as políticas econômicas.

    Quem e o que você prefere?
    =>■Você prefere Marcos Lisboa e a sua política de austeridade que saneia as contas para só depois buscar crescimento, por entender que assim se consegue crescimento sustentável e que, portanto, não vai gerar uma situação de crise que vai desabar sobre a cabeça de ninguém, fazendo o país cair em uma baita recessão econômica e causando retrocesso em vez de crescimento?

    =>■Ou você prefere Luiz Belluzzo e sua proposta de fazer expansão de gasto por meio de emissão de dívida para buscar crescimento, não concordando que se endividar, mesmo quando já se está muito endividado e se tem custo de capital muito alto, seja uma irresponsabilidade e tendo certeza que assim o crescimento vem.

    ■■■Baseado na experiência dos últimos 50 anos nós temos todas as condições para ao menos ter um vislumbre das consequências de cada proposta e ter uma ideia de quem é realmente excelente economista e quem é apenas um propositor exuberante.

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    1. Anônimo6/1/24 15:02

      CORRIGINDO: com Henrique Meireles no Banco Central.

      ■Então, este trecho fica assim::
      =》Marcos Lisboa representa a proposta de buscar o crescimento iniciando o caminho pela austeridade fiscal defendida por Sardenberg e foi Marcos Lisboa o condutor das políticas econômicas no governo Lula1, com Henrique Meireles no Banco Central;

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