Valor Econômico
Investigações sobres suspeitas de 'Abin
paralela' avançam sobre gestão do ex-presidente
A decisão do
ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, que
autoriza a ação de busca e apreensão da Polícia Federal nos endereços do
vereador Carlos Bolsonaro é de sábado, 27 de janeiro, e o mandado de
busca e apreensão só sairia dois dias depois, na segunda, 29.
O intervalo, que é de praxe, permitiu que a
família Bolsonaro realizasse a "live"
que estava programada para a noite de domingo. Publicamente, o
encontro se destinava a promover o site dos irmãos Flávio (senador), Eduardo (deputado
federal) e Carlos que vende um curso para quem quiser disputar as
eleições municipais. Dois comportamentos, porém, indicam que havia muito mais
em curso.
Além do acanhamento do vereador, o que menos falou e mais foi interrompido pelo pai, entre os três irmãos que participaram do encontro, foi o ex-presidente Jair Bolsonaro que guiou a cena. Movimentou-se para blindar os entrepostos da operação que mira, como ficou claro, a si próprio.
Primeiro, Bolsonaro protegeu o deputado
federal Alexandre
Ramagem (PL-RJ), ex-diretor geral da Agência Brasileira de Informação (Abin),
alvo da primeira fase da operação. Além de ser "um cara
fantástico", disse, operava um sistema que se limitava a fazer o
"levantamento geográfico" dos alvos. Depois blindou a si mesmo. Se
havia uma "Abin paralela", ele nunca havia recebido nenhuma informação
de sua operação.
Depois partiu para proteger o filho. Focou a
investigação sobre os mandantes da morte da vereadora Marielle Franco e
contornou a operação First Mile. Quando a decisão de Moraes foi divulgada,
na tarde dessa segunda feira, ficou claro que a operação buscava evidenciar o
protagonismo de Carlos Bolsonaro na gestão de informações obtidas pela Abin
para a proteção da família, vide a reprodução da troca de mensagens em que a
assessora do vereador, Luciana Almeida, busca, com Ramagem, ainda na Abin,
informações sobre inquérito da Polícia Federal que envolveria a família.
Durante quase todo o mandato de Bolsonaro, seu filho, vereador no Rio, ocupava
uma sala no Palácio do Planalto. Era de lá que comandava o chamado “gabinete do
ódio”, matriz das notícias falsas contra oposição e Judiciário, alvo de outro
inquérito em mãos de Moraes, o das “fake news”.
A decisão de Moraes não se atém
exclusivamente à relação entre o filho do presidente e Ramagem. Identifica uma
ação de monitoramento do First Mile sobre ações do governo no meio ambiente.
Trata-se do rastreamento do servidor do Ibama Hugo Loss, que depois seria
exonerado de suas funções em represália ao combate a crimes ambientais.
Na “live”, Bolsonaro ainda estendeu sua
blindagem aos militares ao responsabilizar o Ministério da Justiça e o Supremo
Tribunal Federal pela permanência dos acampados em frente ao quartel-general do
Exército depois da troca de governo. Como já se sabe, a resistência à
desmontagem do acampamento de onde saíram os golpistas do 8 de janeiro partiu
do então comandante do Exército, general Julio Cesar Arruda.
Bolsonaro age para proteger os militares num
momento em que o inquérito avança sobre sua participação na "Abin
paralela". Além de Carlos, de sua assessora, e da assessora de Ramagem,
Priscilla Araujo e Silva, o quarto alvo da operação foi o subtenente
Giancarlo Rodrigues.
Nomeado para a Abin em 2017, ainda sob a
gestão do general Sergio Etchengoyen, Rodrigues permaneceu na agência até
agosto de 2022. Em 4 de setembro daquele ano ingressou no parque de manutenção
da sexta região militar, em Salvador.
O Exército ainda aguarda eventuais medidas
cautelares em relação ao subtenente em cuja casa foram apreendidos equipamentos
e celulares da Abin. Se depender do destino que foi dado ao major Mauro
Cid, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, nem mesmo as medidas cautelares
podem bastar para a punição do subtenente.
Mauro Cid, preso em dependências do Exército
em Brasília em decorrência do desvio das joias sauditas do acervo da
Presidência, continua na fila de promoção do Exército. Até abril, a comissão de
promoção de oficiais decidirá se Cid preenche os requisitos da promoção. Apenas
uma denúncia da Procuradoria-Geral da República pode ser capaz de interromper
este processo, uma vez que a regra subordina o impedimento à condição subjudice
do militar.
A expectativa é de que o envolvimento de
militares não se limitará ao subtenente. Atingirá o general Heleno
Ribeiro, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, sob
cujo chapéu está a Abin. Ainda não está devidamente mapeada a reação dos
quartéis à exposição de seus pares na teia de arapongagem de Bolsonaro. Entre
aqueles que já foram punidos pela tentativa de golpe do 8 de janeiro não há
militares, apesar dos indícios de omissão e colaboração com os atos que
resultaram na depredação dos prédios dos Três Poderes.
Pois é.
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