Valor Econômico
Excepcionalidade aberta pelo STF no inquérito
das fake news é reproduzida no caso da Abin
A deflagração da operação da
Polícia Federal que investiga o aparelhamento de um contrato entre a Abin e
a empresa israelense Cognyte (ex-Verint) permite ao governo e ao Supremo
Tribunal Federal realocar o foco de investigações e inquéritos até aqui
dominados pela tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.
Passado um ano daquela intentona, cujo julgamento desperta, até entre governistas, a percepção de que a bandeira da defesa da democracia passou a abrigar exageros pontuais, eis que surge um caso de indiscutível ilegalidade, pela invasão de privacidade e aparelhamento de uma agência de Estado. O problema não está nas operações sigilosas mas no uso delas para municiar o presidente de informações que não são do interesse nacional.
Tanto a manifestação do procurador-geral da
República, Paulo Gonet, quanto a decisão do ministro do Supremo Tribunal,
Alexandre de Moraes, que autorizou a operação, explicitam a abundância de
evidências sobre as intenções do gabinete paralelo montado pelo então
diretor-geral da Abin, hoje deputado federal, Alexandre Ramagem (PL-RJ),
com a colaboração de agentes da Polícia Federal.
Segundo esses documentos, a inclusão
dos ministros
Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes nos rastreamentos visavam a
fabricar um relacionamento com a advogada de uma facção criminosa. A extensão
do rastreamento dos ex-deputados Rodrigo Maia e Joice Hasselmann também
visavam a monitorar parlamentares por quem o bolsonarismo se sentia traído.
Maia sabia desde então que era monitorado porque via relatos de sua rotina
reproduzidos nas redes sociais de parlamentares da bancada bolsonarista.
E, finalmente, Moraes e PGR subscrevem o
levantamento do currículo da promotora do MP-RJ responsável pelo caso Marielle
Franco e a investigação da investigação das “rachadinhas”, que envolve o
senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) como parte da atuação ilegal da
Abin.
O acesso aos rastreamentos ilegais guardados
em “nuvem”, franqueados à Polícia Federal pela empresa israelense contratada
pela Abin, permitirá saber se, além de Ramagem, outros parlamentares estão
envolvidos na montagem e usufruto desta rede de espionagem. Ao cobrar
“providências” do presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, sugere estar movido por
este temor. Pacheco é presidente da Casa que tem uma relação conflituosa com os
ministros do STF marcada por ameaças de impeachment. A operação da Abin os
acua.
A deflagração desta operação no início de um
ano de eleições municipais não passará em branco sobre a disputa carioca.
Ramagem é o candidato preferido da família Bolsonaro. O ex-presidente ganhou a
disputa na capital em 2022 a despeito do conjunto da obra. A operação parece,
até aqui, ter mais potencial para desgastar Ramagem do que para afetar o apelo
do bolsonarismo numa disputa marcada por interesses locais. A dúvida é saber
com que candidato.
A operação avança no mapeamento das afrontas
à democracia promovidas pela era Bolsonaro, o que não justifica que se paute
pelos mesmos vícios. Quando o inquérito das “fake news” foi aberto, em 2019, um
dos fatos investigados era a quebra de sigilo fiscal de familiares de
ministros, entre eles, Alexandre de Moraes.
Isso não impediu que o então presidente do
STF, Dias Toffoli, escolhesse (e não sorteasse) Moraes como relator. A
excepcionalidade virou regra. O ministro vítima de espionagem é também aquele
que autoriza a operação, conduz o inquérito e, provavelmente, participará de
seu julgamento.
Pois é.
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